domingo, 30 de dezembro de 2018
sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
segunda-feira, 24 de dezembro de 2018
sábado, 22 de dezembro de 2018
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018
domingo, 9 de dezembro de 2018
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
A prisão é preventiva? A liberdade é exceção?
A liberdade é inata (incriada), vital, imprevista e
ilimitada temporalmente. Contrario sensu,
uma liberdade chamada de provisória não existe na realidade. Se é provisória, é
um benefício ficto, um construto jurídico.
Totalmente diferente da liberdade humana, o
encarceramento é criado, previsto e é limitado no tempo. Para o crescente
número de adeptos ao encarceramento generalizado, estas verdades são estranhas
e indesejáveis. Para estes, é difícil aceitar que a liberdade é ampla e vitalícia,
e que toda a prisão é excepcional e limitada.
A ilusão do punitivismo tupiniquim se alicerça no desejo
do encarceramento como regra, e que se prolongue até a morte do encarcerado. Baseia-se
no desejo de que as liberdades sejam provisórias e excepcionais. Uma inversão
da lógica civilizatória e da Constituição pátria.
Parcelas da sociedade querem primeiro prender
(determinadas) pessoas. Depois, se assim o desejarem, soltá-las.
Inaceitável crer que inúmeras pessoas são vistas
como se (ainda) estivessem livres, apenas para aguardarem o reconhecimento da
necessidade social de suas prisões. Mesmo aquelas parcelas da população
empobrecidas e marginalizadas: elas não estão em liberdade provisória. Não
estão apenas aguardando o momento do encarceramento. As regiões conflagradas e perigosas são tão
livres quanto qualquer outra. Em todos os lugares, insisto, a liberdade é a
regra: não é provisória nem excepcional!
Segundo as (os) fofoqueiras (os) de plantão: “fulano (a) está livre só por que ainda não
cometeu crime! É só uma questão de tempo! Mas as autoridades vão esperar ele
machucar alguém para agir? Incompetentes! Aff!!!” Essa fofoca representa o
pensamento dos que acreditam no encarceramento como regra para determinadas
comunidades. Algumas pessoas sussurram que, para alguns sujeitos, nem seria preciso
cometer crimes para serem punidos maximamente. Os ideólogos do encarceramento quase
afirmam que a punição prévia seria boa, pois preventiva. Ou seja, para alguns corpos e para alguns comportamentos,
é permitida apenas uma liberdade provisória (até que cometam o crime tão
esperado/desejado).
Entretanto, não é permitido esquecer que o Estado e
seus aparatos repressivos existem para garantir a liberdade. Ele só existe para
que continuemos livres, o mais livre que for possível. Sociedades que querem um Estado Pittbull
treinado para agredir, é um conjunto de pessoas doentes. A culpa do Pittbull agressivo é sempre do
dono. A culpa de um Estado que não soluciona as questões sociais, mas prende
muito, é sempre da sociedade.
Trancafiar e esquecer. Colocar na masmorra e criar
fossos em volta. Afastar. Eis o ideal dos adeptos do encarceramento. Querem invisibilizar
as pessoas nas prisões. Tentam uma pena de morte por esquecimento. Obviamente não
é possível nem é saudável!
Sujeitos livres não podem ser esquecidos. A
liberdade não pode ser esquecida.
As pessoas livres nas ruas exalam suas mazelas, é
natural. Os conflitos gritam as diferenças sociais. Assim deve ser. Na verdade, os que desejam encarcerar
pessoas, aspiram mais ao encarceramento da discussão sobre os conflitos sociais,
do que barrar a violência. Pelo tempo
que prendemos mais do que ajudamos as pessoas, os conflitos continuarão, a
violência se manterá, a liberdade será exceção e a prisão a regra.
sábado, 24 de novembro de 2018
O filme Idiocracia. Uma crítica política
A questão proposta pelo Filme Idiocracia é a seguinte: um
mundo onde a falta de inteligência é a regra e a mediocridade intelectual é o
máximo da inteligência disponível. Um mundo onde a única informação vem pelos
canais abertos de televisão. Uma realidade onde o maior prazer possível é o
sexo e o maior poder é o de comprar coisas.
Nesse mundo
hipotético, a política é a arte de gerir imbecis. Nem os gestores são capazes
de fugir da sina criada por eles mesmos e pela sociedade: também os gestores
políticos são idiotas. A máxima romana “pão e circo” é elevada ao seu máximo
acelerando a imbecilização coletiva. Idiotizar o povo tem como efeito colateral
criar administradores imbecis. Ora, não há como destruir o conhecimento sem
destruir os seus destruidores.
Uma
reformulação do sistema construído no futuro começa a se estabelecer quando uma
pessoa comum, mediana e simplória para os padrões atuais, passa a ser
considerada a pessoa mais inteligente do mundo. Eis a sátira que não nos faz
rir, mas nos assusta.
Não estou
pensando o termo idiota no sentido dado pelo dicionário.
Idiota: Que ou a pessoa que é pouco inteligente ou não tem bom-senso;
pateta, parvo(a), estupido(a); imbecil. (Grande dicionário Sacconi. Editora
Nova geração.)
Prefiro no
contexto do Professor Mário Sérgio Cortella no seu livro Política para não ser
um idiota. O professor nos fala sobre este adjetivo afirmando que da Grécia
clássica até agora, acabou invertido o conceito original de idiota. Antes, a
expressão idiótes (em grego), queria apontar a pessoa que só vive a vida
privada, que recusa a vida política.
Portanto, é
evidente que o substantivo política que utilizo, não se refere apenas a busca e
a manutenção do poder no Estado.
Quando uso a
expressão política, com certeza me afasto do senso comum. Afasto-me do
entendimento que a política é o desejo egoísta travestido de interesse público.
Muito, muito menos estou falado de partidos políticos. Na Grécia clássica, a
política era entendida como as ações proveitosas à cidade-estado (a polis).
Todas as pessoas deviam se entregar às questões políticas. Isto era considerado
bom e belo. Gerir a cidade era um problema que deveria ser para todos e não
para alguns. Afinal, a cidade era de todos e todos eram responsáveis por ela. A
democracia sobrevivia às diferenças de opiniões, às críticas e até à
coexistência com escravos. Esse é o contexto que dou a expressão política.
No filme a falta
de inteligência, o desejo sexual irrefreado e o desmedido consumo, reduziu a
sociedade a indivíduos egoístas, apolíticos (idiótes) e emburrecidos. A
liberdade para pensar desaparece num ambiente livre para a satisfação corporal
e inóspito para a reflexão. Uma vida para o consumo inviabiliza a capacidade de
reflexão e de fazer política. Nesse contexto discutir a cidade, a cultura e a
ética não é possível. Nessa sociedade imaginada, as pessoas são seus instintos
(a eles se limitam): a autopreservação, o sexo, a alimentação e a fuga da dor.
Ora, por consequência, aproximam-se da vida animal. Não refletem, apenas
ruminam o que recebem numa busca monótona da satisfação corporal. São
semoventes conduzidos por alimárias. Lembrando Platão, esse mundo
idiotizado é possível por que as pessoas vivem apenas para seus sentidos,
limitados pelo mundo material (em oposição ao mundo ideal). Afastando-se do
mundo das ideias, permanecem no erro e na ignorância. Animais e idiotas (no
sentido grego) vivem apenas para o prazer.
A capacidade
para sermos racionais é inata. Entretanto, é construída também. O homem por
esforço próprio pode se imbecilizar. O homem pode decidir investir na
satisfação de seus desejos e pronto. Então, o risco de entregar-se à preguiça
intelectual é grande. O risco de não desenvolver a racionalidade também é
grande. Todos nascemos para sermos inteligentes, mas nem todos podem ou querem
desenvolver essa capacidade. Dá muito trabalho! É exaustivo! Desenvolver
nossa inteligência é um ato político. Sair da mediocridade é um ato disruptivo.
Conheci o
filósofo e padre Achylle Alexio Rubin. Falei com ele uma vez e encantei-me.
Então, acabei comprando o Livro dele, Minha pequena filósofa. Minha pequena
filosofia. No capítulo 7 do livro citado, o padre define a inteligência no
contexto da aprendizagem:
"A inteligência nos liberta, ainda que relativamente, dos
condicionamentos da materialidade. Não somos como os animais que, desde sempre
e para sempre, constroem os seus ninhos da mesma forma, emitem as mesmas vozes,
abrigam-se do mesmo jeito, buscam o necessário para sua sobrevivência com os
mesmos hábitos.
Nós, pelo contrário, usamos através dos tempos, de uma simbologia
variadíssima para nos expressar e nos comunicar. As línguas e dialetos são
quase infinitos, os estilos arquitetônicos, literários, poéticos e musicais
surgem com variadíssimas formas de expressão. A dança e o balé são riquíssimos
em movimentos criativos”. *
Na
(pseudo)democracia vista no filme, não há espaço para a criação, para a
linguagem variada e para compreensão do outro. Muito menos para a política.
Compreender e fazer política: dois temas que exigem desenvolvimento
intelectual, moral e ético. No mundo hipotético do filme, o consumo supera a
empatia e a alegria em conviver. Sem convivência desejada e refletida, não há
política. Sem política, não há motivos para sermos humanos. Basta consumir,
transar e sobreviver sempre mais um pouquinho.
·
Rubin, Achylle Alexio. Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia. Santa
Maria. Editora Palotti. 2001. Página 38
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
Paradoxo da visão Bolsonarista sobre armas no contexto da legítima defesa.
Art. 25 CP - Entende-se em legítima defesa quem,
usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (grifos nossos)
Durante toda a campanha do presidente eleito, houve
especial incentivo ao porte (e ao uso) de armas. Icônica foi a imagem de uma
criança no colo do Sr. Bolsonaro. Ela foi levada por ele a simular com sua
mãozinha uma arma letal.
A justificativa bolsonarista para a facilitação do porte (e
do uso) é a autodefesa. O presidente eleito faz forte investimento emocional.
As pessoas devem perceber a violência exclusivamente como reflexo da ausência
policialesca do Estado no dia a dia das cidades. Por consequência, esta
ausência justifica a autodefesa letal por armas de fogo.
O conceito de legitima defesa foi extremamente alargado.
Alargado para que seja possível o discurso legitimante da possibilidade da autodefesa
letal. Segundo os bolsonaristas, o cidadão de bem é vítima da omissão policial
do Estado.
É fato que a população em sua grande maioria não sabe o
conceito legal da legítima defesa. A imprensa, o político eleito e os
apoiadores do Sr. Bolsonaro, não esclarecem à população este conceito tão
técnico. Ao contrário do esclarecimento, os apoiadores do porte/uso de armas estabeleceram
uma dicotomia artificial e maliciosa: de
um lado há o cidadão de bem. Este cidadão pensa e age de acordo com o conceito popular/prático/eficiente
do que seria a autodefesa garantida por lei. Do outro lado, estão os
engravatados, os políticos encastelados, os esquerdistas e os teóricos bobos.
Estes seriam os que não querem resolver de fato e imediatamente o problema da
violência.
A dicotomia é tanta que o simples fato de questionar a
solução armada da violência endêmica, já é motivo para ser visto com desconfiança:
“Então, adota o bandido e leva para casa!”.
Agora vemos no RJ o futuro governador apoiando a lei do
abate de criminosos armados. Grosso modo, seria a aceitação legal de que a
pessoa que portasse arma em atitude suspeita (nas favelas!), poderia ser
abatida por policiais à distância (Sniper). Esse projeto de lei pretende reduzir
a violência armada que tanto mata. Reduzir através da morte por tiros vindos de
longe. Armas detendo armas.
Em determinadas regiões e quando usadas por determinadas pessoas,
o porte de arma de fogo levaria à pena de morte legalmente permitida. Penalidade
imposta sem julgamento, sem nada. Novamente, a tese ampliada da legítima defesa
ressurge, agora no Rio de Janeiro. Mais ou menos assim: se o sujeito está
armado ilegalmente, por consequência se presume que vai matar alguém. Então, em
defesa desse alguém, é morto o futuro agressor (morto antecipadamente ao crime).
A premonição de um crime permitiria uma morte imediata. Novamente, não há
preocupação em entender o conceito legal de legítima defesa. É necessário apenas
agir, apertar o gatilho à distância.
A tese dos bolsonaristas: Alguns podem/devem portar/usar armas
e outros terão pena de morte se portá-las (mesmo que não as usem).
Podemos resumir imaginando: uma pistola na mão de um
cidadão de bem será permitida. O policial atirador, numa distância de um
quilômetro, vai decidir a qualidade do cidadão (se é um cidadão de bem). Caso a
pessoa não for considerada confiável, poderá ser abatida á distância. Qual o
critério? Se falamos de atiradores distantes, o referencial será a aparência externa
das pessoas. Então, pela aparência e pelo lugar, o policial vai abater... ou
não.
O paradoxo:
Afinal, os bonsonaristas querem ou não armas? Se sim, é
para todos os cidadãos e em todos os lugares? Ou para uns a arma será possível
e para outros não? A autodefesa por armas só será legítima para o cidadão visivelmente
de bem ou para todos os brasileiros? Tanto o MST quanto o militante contra o desmatamento, terão o mesmo acesso ao porte/uso de armas? O indígena e o madeireiro, idem?
Importante
e fundamental: Não falo de forma dicotômica: bandidos x
mocinhos. É obvio e já superado que delinquentes não podem portar armas.
Preciso soletrar?
Imagina agora o perfil do presidiário brasileiro. Qual sua
cor? Onde mora? Qual sua escolaridade?
Agora imagina o Sr. Silva. Ele tem as características visuais do
presidiário padrão. Entretanto, ele é trabalhador e tem família (família
tradicional). O Sr. Silva está armado (pois agora é permitido). Houve tiros. Vê
gente correndo. A polícia está por todo o lugar. Silva tem medo e saca a arma.
Ele imagina que ao ver o bandido vai atirar e matá-lo. Ajudará a si mesmo e à
polícia. Imagina que nem vai ter problemas com a justiça. Afinal, a legítima
defesa está escancarada! Tese fácil. Acontece que o atirador de elite ao ver
aquela pessoa com aquelas características, numa região conflagrada, com uma
arma na mão, não hesita. Atira e o mata na distância de mil e quinhentos
metros. É a arma do policial querendo deter a arma “do bandido”. É a construção
aloucada (criada pelo senso comum) de um conceito espúrio de legítima defesa.
O paradoxo das armas. A arma do Estado policialesco que
tenta desarmar. O porte/uso de arma permitida pelo Estado pondo em risco o
cidadão. O Estado cada vez mais violento para reduzir a violência.
O paradoxo bolsonarista fica evidente no Estado do Rio de
Janeiro. Logo será evidente no país inteiro.
quinta-feira, 8 de novembro de 2018
O silêncio pitagórico
Há muito
ruído em volta de nós. Imagens, cores, sons e tecnologias brilhantes. Tudo
grita a nossa volta. O silêncio é uma exceção num tempo de informações que
ululam o tempo inteiro.
Se nossa vida
fosse um aquário, a água seria as expressões todas!
Dentro de nós
também não há silêncio. Nossos pensamentos têm asas e voam o tempo inteiro. Nem
sempre coincidem no mesmo espaço nosso corpo e nossos pensamentos. Ficar atento
por vários minutos é muito complicado. Nossa mente fala o tempo todo, quer
sempre mais.
A velocidade
é mais empolgante que o tempo da leitura e da compreensão. O tempo de vociferar
é mais rápido que o tempo do ouvir. Vociferar parece ser mais eficiente que ouvir.
Dizer o que pensamos parece ser mais transformador do que ouvir. Ler títulos,
pequenos rótulos e slogans parece ser muito mais esclarecedor que ler os textos
longos, densos, chatos. Usei a palavra “parece” intencionalmente. Como diz o ditado popular: nem tudo que parecer ser, é de fato.
Lotados de
preconceitos, de paradigmas corriqueiros e de ruídos informacionais de todos os
tipos, opinamos o tempo inteiro. Opinamos tanto que passamos a ser ruído
também. Impedimos outras pessoas de curtirem o silêncio. Temos dentro de nós
barulhos e nos tornamos barulho para os outros. Há, inclusive, certo orgulho
quando dizemos: falo o que quero, quando
eu quero. Quem não gostar que não ouça! Pois e´, mas quando falamos o tempo
todo, sempre atingimos pessoas: como todas fugirão de nós?
Quando uso o
verbo falar, quero trazer a ideia de expressão. Pode ser a voz, a cor, a
música, a expressão facial e corporal.
Imaginemos o
cidadão X. Ele é da classe média e é medianamente informado. O sr. X lê todos
os títulos dos jornais impressos. Ama o twitter. Ouve os jornais das tvs
comerciais. Locupleta-se com as mensagens que recebe no whatssap e no messenger.
Lê todas elas o tempo todo. Seus amigos
são similares. Nos finais de semana se encontram e dizem as mesmas coisas, os
mesmos bordões. Falam o tempo todo. Ninguém ouve bem, todos se expressam muito.
O cidadão X comanda esses encontros e
não tem amigos discordantes. Ele adora aqueles ruídos que lhes é tão familiar.
Não há espaço para o silêncio interno, muito menos o externo.
Creio que o
Sr. X representa a grande maioria de nós.
Lembrei nesse
instante de uma das primeiras lições que os discípulos de Pitágoras aprendiam:
o silêncio. Por algum tempo diariamente o discípulo deveria aquietar-se e
apenas ouvir o mestre. Não podia questionar. Talvez, sendo um discípulo antigo,
pudesse questionar o mestre nestes momentos de silêncio. Mas era exceção à
regra. Sendo este filósofo e matemático uma figura famosa por sua inteligência,
não posso crer que o silêncio imposto significasse a aceitação passiva dos seus
ensinamentos. Entendo que Pitágoras percebia que saber ouvir em silêncio
interno facilita a aprendizagem. Ruídos atrapalham. Permitem que algo se perca
do ensinamento precioso.
Hoje não
temos momentos de silêncio interno.
Estamos locupletados de verdades falantes dentro de nós. Os espaços para
aprender é cada vez menor. Zygmund Bauman
fala de um tempo líquido. Eu creio no tempo dos barulhos. Todos se expressam.
Poucos se entendem. Mas quem se importa? A pessoa mediana acredita que seu direito
de se expressar é em muito superior a obrigação de entender!
Concordo com
Pitágoras. Precisamos de um tempo para ficar em silêncio e apenas ouvir. Ouvir
e aprender. Após aprender, então expressar o que pensamos. Isso com o cuidado
de nos expressarmos para quem fique quieto o tempo suficiente para nos
entender. Caso contrário, não vale a
pena.
Espero que
tenham lido esse texto silenciosamente.
quarta-feira, 7 de novembro de 2018
Das pedras, paralelepípedos e ruas informacionais
Quando penso no mundo da informação hoje, imagino vários caminhos sobre pedras/paralelepípedos. Cada pedra é uma informação. No conjunto fazem uma rua de piso irregular. Cada pedra não se encaixa perfeitamente na outra. Individualmente são aleatórias, jogadas no chão. Só podem ser consideradas rua no seu contexto. Assim são as informações jogadas por onde intelectualmente andamos. Tropeçamos nelas se não estamos atentos. A caminhada de quem (re)pensa os caminhos da informação não são fáceis. Pior é para os caminhantes que não se preocupam com a qualidade do seu andar. Nas ruas das informações, andam aos tropeções!
Décadas atrás as informações de qualidade vinham principalmente em livros. Os livros têm o cuidado de contextualizar o leitor. Nele há uma introdução e notas explicativas. Muito comum os livros terem outra pessoa que faz a sua apresentação. Sem falar na pequena biografia do autor. Há inúmeras notas de rodapé! Essas obras querem se explicar. Não querem ser apenas pedras aleatórias nos caminhos dos leitores. Pretendem explicar onde se encaixam. Ao caminheiro das informações, fica mais fácil o caminhar.
As informações (os dados) no século vinte e um abundam. Menos em livros que se (auto)contextualizam. Estão jogadas pelas ruas da vida. São pedras desalinhadas, descontextualizadas. São dados soltos. Dessa forma, o caminheiro desavisado vai escolhendo-os de qualquer jeito. Ao recolher os dados jogados, tem o alforje pesado. O peso é tanto, que a pessoa se sente completa. Pensa já ter dados suficientes. Entretanto, não se encaixam. Cada um deles tem sentido próprio, mas junto aos demais não fazem sentido. Contradizem-se. Mas o caminheiro não pode perceber, pois não percebe o contexto. Não avalia o caminho. Apenas junta as pedras (dados informacionais) como lembranças por onde andou.
Muitos caminheiros andam em grupos pelas ruas informacionais. Juntam dados atraídos pela mesma simpatia pelos formatos das pedras. Colecionam entre si, trocam os dados coletados como quem troca figurinhas. Não pensam em contextos, mas em preferências. Nos caminhos da informação, estão mal orientados. Colhem seus paralelepípedos informativos ao sabor das opiniões, das mídias, das vontades, dos ventos.
A internet tem de tudo. Pedras de todos os tamanhos, formas e cores. Basta ir ali e pegar quantas quiser. Não há critérios no mundo virtual. Mas são tantos dados que quase impossibilitam a escolha. Os desavisados apenas colhem o mais que puderem: armazenam em seus alforjes mentais. Ufa! Quanto peso. Lá vai o caminheiro com suas pedras desconexas, sem sentido. Acham que quantidade é qualidade.
A internet não é como são os livros. Não há introdução nem contextos. As informações desconectadas estão nela jogadas. São como cascalhos por onde andamos.
As pessoas estão cheias de dados desconexos. Cada informação é uma unidade. Cada pedregulho está pronto para ser jogado na cara de quem discorda. Atiram com força os dados coletados desconexamente, para ferir. Sem contexto, os dados não servem para trocar ideias. São úteis para ferir de morte o oponente. Os descontextualizados trocam pedradas como faziam os nossos ancestrais pré-históricos.
Não há trocas de sentidos. Há pedradas. Isso explica muito por que as pessoas não mudam de ideias. Elas se jogam ideias como quem dá um tiro.
É preciso hoje muito mais estudo da história que ontem. Hoje, Filosofia e sociologia são essenciais. A área das humanas tem que brilhar. São estas ciências que trazem o contexto para que as pedras façam sentido e se tornem pavimento bom para ruas tranquilas, fáceis de caminhar. Assim poderemos caminhar com segurança nos caminhos das informações. Estudar para compreender. Estudar não é coletar pedras para joga-las em alguém. Não é preciso um alforje tão grande assim. Pedras pesam muito. Contextos são leves.
Exegese. Hermenêutica. Contexto. Sentidos. Isso a internet não dá. A internet é exposição de dados. O trabalho de fazer sentido é da pessoa. Coletar é fácil. Qualquer chip faz.
Livros. Depois os dados. Livros. Depois a internet. Livros. Depois o debate. Livros. Depois mais livros. Enfim, menos pedradas. Mais contextos.
quinta-feira, 25 de outubro de 2018
O ódio na política? Freud explica
Freud
nos falava de um inconsciente. Esse
espaço mental reprimido está em nós e nos dá as referências para as nossas
ações. Ao mesmo tempo em que guarda nossas memórias (mesmo as que não nos
lembramos), a todo o momento nos dá insights (capacidade de compreender os
próprios motivos).
A
todo o momento o inconsciente, mesmo sem ser consultado, nos dá caminhos sequer
solicitados. Faz-nos interpretar o mundo antes de lê-lo. O inconsciente é uma
energia vital que flui através de nossas escolhas e, por consequência, pelas
nossas ações. Faz-nos compreender sem necessidade de ser compreendido por nós.
Há quem ache isso uma crendice, quase uma religião: a fé no inconsciente seria superior à necessidade de compreendê-lo. Toda a crítica é bem vinda. Traz à luz da consciência o que pensamos.
Quando falo em inconsciente, associo à vontade de poder de Nietzsche. O inconsciente do Freud é uma vontade de prazer; um prazer amoral.
Quando falo em inconsciente, associo à vontade de poder de Nietzsche. O inconsciente do Freud é uma vontade de prazer; um prazer amoral.
As
pessoas que defendem o fascismo, a tortura e a morte de gente, não estão
refletindo criticamente sobre sua simpatia ao horror. Creio que estão entregues
a motivações interiores não identificáveis e injustificáveis de forma
consciente. A aceitação do poderoso discurso de ódio reflete a incapacidade de
fazer uma autorreflexão. São dominados
pela pulsão de morte (pulsão de agressão ou de destruição quando se
exterioriza). Esse apreço pelo ódio vem de um espaço mental de difícil acesso à
consciência.
Conscientemente
(e publicamente mais ainda!) é muito difícil aceitar o apreço pelo ódio. Se as
conversas amistosas entre amigos que pensam diferente tendem a expor esse tema
(o apreço ao ódio), é desencadeado sentimentos inconscientes e pouco racionais.
A discussão ofensiva e acalorada que surge, protege a consciência de explicar para
si mesma e para os outros a sua simpatia pelo ódio.
Similar
ao que ocorreria no consultório psicanalítico. Quanto mais o terapeuta chegasse
próximo ao entendimento compartilhado do profundo apreço pela dor e pelo ódio, os
mecanismos de defesa do “paciente” explodiriam.
O mecanismo de defesa dos que defendem o ódio, se manifesta pelo discurso de
mais ódio. Para não entender o que sentem, passariam a odiar o interlocutor.
Transferência pura, ancestral.
Quando
estamos em terapia psicanalítica, o diálogo com o terapeuta alivia as resistências
e os sintomas. Vai até o ponto da superação dos traumas e a extinção total dos
sintomas. A talking cure é bem isso, a cura pela fala, pela expressão e pela
audição da fala do outro. A fala cura por que ressignifica o que expomos, o que
vem do inconsciente. A fala é terapêutica quando
a fala quer “ouvir”. O ouvir é terapêutico quando o ouvir quer “falar”. O diálogo é isso. O contrário do
diálogo é a resistência à mudança, à ressignificação. Isso explica por que os
seguidores do ódio, não conseguem/não podem dialogar. Isso por que se dialogarem,
vão ter que explicar. Explicar faz sofrer. Explicar é assumir o apreço ao ódio.
E mais difícil ainda: transformar esse apreço. Mas o seguidor do ódio não pode transformar
nada, só pode impor. Se houver trocas, haverá a possibilidade de cura. E isso o
seguidor não pode suportar. Então seus mecanismos inconscientes de defesa
impedem a fala.
Portanto, este sujeito adoentado, pode apenas
odiar. Está limitado a urrar verdades tão alto que não possa mais ouvir os
outros.
Entretanto,
podemos apostar que estes indivíduos, expostos a ambientes amorosos e
democráticos, poderão aprender a dialogar. Sentindo-se seguros, poderão começar
a cura pela fala. Mas, expostos a ambientes antidemocráticos e violentos, vão
piorar pela ausência da fala terapêutica.
Concluo
dizendo que votemos em quem propaga o bem, o diálogo e a democracia. Isso só
traz saúde mental e física. Apostar na solidariedade e no amor ao próximo só
traz... solidariedade e amor. É tão bom que fará o bem inclusive aos odientos.
O bom voto só traz o bem. Simples assim. Complexo assim.
sexta-feira, 19 de outubro de 2018
A necromancia e a sociedade em rede.
Estava realizando uma videoconferência com uma pessoa
amiga. Eu no centro do Rio Grande do Sul. Ela em outro estado da federação. Como era de se esperar, o tema polarização da
política nacional assumiu o controle sobre nós. Tornamo-nos sujeitos dominados
pela temática. Entretanto, logo percebi
que era uma espécie de monólogo. A pessoa falava e não assimilava os contra-argumentos.
Quando percebia alguns fragmentos do meu discurso, os transformava em pedras e
jogava-os contra mim. Rapidamente
percebi a situação, desconversei e pronto; desconectei-me. Esse fato me lembrou que no início dos anos
dois mil, o assunto acadêmico da moda era a sociedade em rede, a globalização e
a mundialização. Enfim, as pessoas pensavam sobre como o mundo era pequeno e
como tudo se interligava. Os acadêmicos falavam
do “efeito borboleta”. Ainda gosto deste tema, por que ele não morreu.
Caro leitor, veja que no início do parágrafo anterior eu
falei em videoconferência. Portanto, estava conectado, estava em rede, estava
globalizado, mundializado. A pessoa com a qual eu falava estava a minha frente,
mesmo estando a centenas de quilômetros distante. Próximos, muito próximos! Ah!
Maravilha tão comentada no início do século vinte e um. Entretanto, a conexão
era falsa. A pessoa do lado de lá não estava conectada comigo. Não queria
ouvir. Não queria conectar. Não queria a empatia. Então, onde a sociedade em
rede? Onde o fluxo de informações? Onde a sociedade do conhecimento? Tudo isso não está fora do ser humano. A conecção está na alma. Na mente. No espírito. No sentimento.
A pessoa que monologava comigo on line, não estava
conectada. Defendia um personagem/candidato que não se conectava. A pessoa
argumentava com “não-argumentos”. Não queria rede, não queria conecção, muito
menos dicção. A pessoa estava necrosada, pois não deixava fluir sangue nas
veias da rede comunicacional. Ela queria cortar laços com o mundo para poder
ter e ser a verdade. Se a rede fosse um tecido humano, esta pessoa seria um
conjunto de células morrendo por não comunicar-se com as demais. Anestesiada
pela fé no cidadão/candidato, morria sem dor. Uma espécie de suicídio assistido.
Afinal, outras pessoas provavelmente a incentivavam a desconectar-se, a morrer
sem fluxo de vida.
Vivemos num mundo tecnológico que permite a existência de
uma rede, de uma fluência de informações e de pessoas. Entretanto,
especialmente este candidato, quer o inverso. Cada pessoa que nele crê,
desconecta-se. Não pensa a história. Não pensa no outro. Não pensa no futuro.
Não pensa no vizinho negro. No sobrinho homossexual. Na mãe e na irmã. Não lê
notícias críticas. Ameaça quem pensa diferente. Não quer o fluxo de
informações. Morre por asfixia. Morre por deixar a rede. Morre por desconexão. Estes
sujeitos são necromantes. Sofrem (e gostam da) de necrose. Não se ligam. Não
ligam para ninguém. Para estes, a sociedade não pode estar em rede.
Os necromantes não dialogam. Eles comunicam verdades. Por
isso não entendem nem se entendem. Brigam. Morrem. Insultam.
Os necromantes são insidiosos. São como um vírus de
computador. Entram nos sistemas e deletam dados. São cavalos de Tróia nos sistemas.
São robôs que obrigam o sistema a fazer tarefas que destrói seus próprios dados.
Estas pessoas não podem deixar as informações passarem. Para elas não pode
haver história. Não pode haver reflexão. São necromantes parmenídicos. A
mudança é ilusão. Só a violência e a irracionalidade são verdadeiras para estes
sujeitos quase-mortos. Evidentemente, a violência e a irracionalidade necrosam
a rede, cortam fluxos. Os necromantes provocam entupimentos nas veias dos
tecidos. Para estes, a sociedade não pode estar em rede! Não pode estar viva!
Os seguidores deste candidato mórbido odeiam a comunicação,
a fluidez, a vida em rede. Que caiam os sistemas! Que as trevas se façam! Que a
comunicação nada comunique! Que venha a barbárie! Um mundo apocalíptico cheio
de necromantes: nunca uma sociedade em rede!
Tenho certeza que um mundo assim, desconectado e
desamoroso, não perdurará muito tempo. É autofágico. Se passarmos por isso,
será talvez libertador. Provaremos o amargo remédio contra a necrose: a
experiência da violência que nos fará desejar a paz, a concórdia e o diálogo.
Então, retornaremos ao início do século vinte e um revisitando os conceitos de sociedade
em rede, de mundo conectado.
terça-feira, 16 de outubro de 2018
A sociedade não pode criminalizar quem não quer trabalhar.
O ócio infelizmente não é um direito fundamental garantido
pela Constituição Federal. Ao contrário, o senso comum o vê como algo negativo,
criminoso até. Ócio e vagabundagem no linguajar comum são tratados como sinônimos.
Para a medianidade das pessoas, quanto mais preparado for o sujeito, quanto
mais estiver pronto para atividades produtivas/lucrativas, mais desprezível
será se ele não se entregar ao trabalho tradicional. Ser saudável, forte e
inteligente sem entregar-se ao trabalho lucrativo (para alguém); é como ser um
soldado forte e treinado que não quer ir à guerra. Um traidor! Alguém que
merece a pena de morte.
É preciso orientar o leitor no que quero dizer com a
expressão ócio. Na Grécia clássica, entre os atenienses, dedicar-se apenas às
ideias era algo desejável. Muito mais que o trabalho. Para os atenienses,
pensar a obra era superior qualitativamente ao obrar. Curiosamente a palavra
ócio, em grego, é skole; de onde deriva a palavra escola. É por aí (mas não exatamente) o que quero
comentar falando sobre o ócio.
O ócio é algo malvisto”, maldito e execrável.
Mesmo quando o sujeito está ocioso por que faz parte de uma mão de obra que
está sobrando, mesmo quando o cidadão fica horas na fila a espera de um
trabalho remunerado e não consegue, é uma pessoa vista com desconfiança. Afinal, dizem os maledicentes, existe a possibilidade desta pessoa preguiçosa não querer
trabalhar. Se for uma escolha dela? Que horror! Se não estiver trabalhando por
escolha própria, deve ser punida! Deve passar fome, deve não ter onde morar. Deve
sofrer para aprender a desejar voltar ao mercado do trabalho produtivo. O ócio
não pode ser escolhido! Não pode ser uma possibilidade. Pior que o demônio, o
ócio está a espreita querendo dominar as pessoas, possuí-las para sempre. Minha
avó dizia: “mente vazia, oficina do Diabo!”.
A questão que proponho é filosófica e, por favor, é
abstrata, está no mundo das ideias.
Por que é socialmente proibido não nos entregarmos ao
trabalho a serviço de alguém? É possível a alguém alegar que não trabalha por objeção
de consciência? Por que impedimos, mesmo sem ter vintém, de alguém ficar no
ócio? Por que alguém faria o mal ou viraria bandido se não desejar o trabalho tradicional?
Por que é um anátema social alguém não querer fazer nada comercializável?
Eu, por exemplo, gostaria de exclusivamente administrar
meus blogs. Escrever e gravar vídeos. Assuntos não comerciais. Alguém dos
leitores poderia patrocinar este meu ócio produtivo? Se ninguém, sonho interrompido.
Não é nenhuma novidade que o ócio pode ser produtivo (não
no sentido convencional de produtividade). A história nos mostra isso.
Escritores, artistas e inventores. Não raro eram “vagabundos”. Muitos foram amaldiçoados pela sociedade e, por não
trabalharem comercialmente, foram entregues à pobreza. Punidos com a miséria
mesmo produzindo coisas boas. Isso ocorreu/ocorre por que a opção pelo ócio não
é possível. Se a pessoa quiser ficar sem fazer nada, como numa “venda casada” também optará pela miséria (são
inseparáveis). Ora, optar pela miséria não é uma opção! É uma punição!
Se todos têm o direito a saúde, a educação e a moradia, por
consequência lógica, é possível escolher o ócio tendo onde morar, onde
educar-se e onde alimentar-se. E mais,
todos têm direito ao trabalho. Entretanto, não foi estabelecida a obrigação a
ele. Veja, se o trabalho fosse obrigatório, não haveria o desemprego. Simples
assim. Se Estado (sociedade) obrigasse
ao trabalho, assumiria a natural obrigação reflexa de fornecer trabalho!
Obrigar ao impossível é... impossível! Então, se as pessoas não são obrigadas a
trabalhar, nem há trabalho para todas, não há o porquê de obriga-la à miséria e
ao ostracismo se optarem pelo ócio. Deduzo, portanto, que é possível ao
cidadão, por motivos de consciência, optar pelo ócio. Se o Estado/sociedade não
oferece vagas para todos, o nada fazer (comercial) é uma opção aceitável e
digna.
Optar pelo ócio seria algo revolucionário. As pessoas
poderiam ocupar-se com coisas importantes, mas não comercializáveis. Poderiam plantar
uma horta no fundo de casa para consumo próprio. Depois, cuidar do jardim
florido. Logo após estudar Filosofia, História ou matemática. Por prazer.
Talvez pintar um quadro ou escrever um romance. Ou ainda, sair por aí ajudando
doentes. Quem sabe virar um “maluco beleza” pregando a paz e o amor ao próximo?
Ou ainda, aplicar seus conhecimentos para educar seus filhos ou para criar
remédios para serem doados. Por que não seria desejável isso? Alguém em ócio
tem tantas coisas para fazer que não sobraria tempo para bandidagens. Creio que quanto mais o ócio fosse uma opção,
menos bandidos haveria! É muito mais prazeroso fazer algo agradável do que sair
por aí baleando pessoas, fazendo reféns e lutando contra a polícia. A
bandidagem não é um hobbie, não é uma escolha. É uma anomalia social. É tema
para outro escrito.
A pessoa que tiver garantida a casa, a alimentação, a educação
e a saúde, está apta a desejar o ócio. Poderá trabalhar no que quiser. Poderá
produzir sem desejar o lucro. Poderá cuidar das crianças em abandono. Se for professor, poderá dar aulas a quem
quiser, do jeito que quiser. Se não for bom; ninguém vai às suas aulas. Pronto.
Se for advogado, advogará se quiser para quem quiser. Se não for bom: carteira
profissional cassada, não terá clientes. Por aí vai. O ócio seria ótimo.
Libertaria potencialidades desconhecidas. Não sei se seríamos mais felizes.
Mas, com certeza, produziríamos muito mais e com mais prazer.
Quem sustentaria os ociosos? Não sei a resposta. Assim como
não sei quem sustentará os desempregados. Assim como não sei quem sustentará os
sem terra, os sem casa, os sem saúde, os sem nada. O que tenho certeza é que ninguém
pode ficar ao desamparo da sociedade. Ninguém pode passar fome ou morrer por
doenças plenamente curáveis.
Pessoas que temem o avanço do ócio, que trabalham e
produzem comercialmente até onde podem, mesmo assim não têm garantia alguma. Quando
não podem mais, são descartadas. E os que cultuam o trabalho, mas não encontram
vagas? São descartados. O descarte de pessoas pela sociedade não pode ser uma opção.
O ócio sim, é uma opção que deve ser permitida! Antes que alguém seja descartado, que seja dada a chance de optar
pelo ócio. Que possa produzir o que quiser, do jeito que quiser e para quem
quiser. Se a sociedade quer descartar pessoas, também tem que dar a chance de
sustentar aqueles que não querem participar do jogo já regrado pelo lucro. Há
quem queira jogar por outras regras. Estes não são inimigos, não são
indesejáveis. Querem trabalhar nos seus
projetos. Querem produzir o que não pode ser comercializado. Não é ilegal. Não é comunismo. Não é
vagabundagem. É a liberdade de escolha. A sociedade não pode obrigar a
todos a se engajarem no mercado, se o mercado não pode engajar a todos com
justiça e qualidade de vida. Simples assim.
Viva ao ócio produtivo!
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
terça-feira, 9 de outubro de 2018
Não é possível conviver com os que querem a barbárie.
Minha
formação moral e ética teve início na minha infância. Foi pautada nos
princípios cristãos. Meus pais desde sempre, na minha educação, orientaram-me
no princípio do amor ao próximo. Na minha pré-adolescência, tive contato com a
biografia de Gandhi. Fiquei maravilhado, e sob o ponto de vista da minha
formação, fez todo o sentido para mim as convicções dele. A não violência combinava perfeitamente, em
seu sentido revolucionário, com o amor transformador proposto por Cristo. Na
universidade, minha primeira formação foi em Filosofia. Nela encontrei fortes
fundamentos para minha devoção à dignidade da pessoa humana e ao meu apreço à
vida. Na faculdade de Direito, minhas convicções sobre a justiça e sobre os
Direitos Humanos se fortaleceram. Portanto, não sou novato na trilha do
respeito às pessoas. Respeito qualquer ser humano. Inclusive, sinto forte apelo
a ser militante a favor da vida planetária. Ser adepto da bioética é bem mais
amplo que cultuar uma antropoética. A vida humana é apenas mais uma entre
tantas outras vidas!
Faço esse
texto falando sobre mim. Assim não ofendo ninguém falando diretamente sobre
pessoas individualmente. Não é covardia. É uma forma diplomática que encontrei
para não agredir.
Não consigo ser
amigo ou conviver com pessoa diametralmente contrária a formação que tive. Não
posso sequer imaginar abraçar, contar segredos, brincar e trocar afeto com quem
prega a morte de pessoas. Não conseguiria amar quem não ama o próximo. Até por
que o próximo dessa pessoa sou eu também. Não consigo sair para passear com
alguém que prega a violência. Sair com esse tipo de pessoa seria escolher o
risco de ver-me implicado em brigas, murros e baixarias. E se for uma pessoa
que adora armas e as porta? Nem pensar! Seria escolher passear com um possível
homicida. E se essa pessoa for homofóbica?
Correria o risco de eu rir de suas piadas ou a tolera-las. Ou pior: ver a
pessoa agredir alguém. É o mesmo problema se for racista ou xenófoba. Para
manter essa amizade, eu teria que não defender meus princípios, nem defender os
agredidos. Para mim é impossível.
Não me
considero melhor do que ninguém, mas não consigo aceitar a convivência com humanos
que são desumanos. Essa convivência é uma
contradição comigo mesmo.
Estou
imensamente angustiado. Pessoas que conheço apoiam o candidato que representa
tudo o que eu não quero ser, que propõe a barbárie. Fico com o coração
apertado. São pessoas que querem que meu país seja aquilo que eu não quero ser.
Quando estas pessoas percebem o que penso, dizem: então não vamos falar de política. Fico mais aturdido ainda! Não
falar de política é apenas evitar falar dos desejos incivilizatórios deles! Não
falar desses desejos não os fará sumir.
Os silêncios
são valores interditados. Os silêncios versam sobre o que as almas
comportam. Os silêncios incomodam. Não
quero ser silenciado para manter pessoas ao meu redor. Então, afasto-me.
Cada vez mais
fico convencido que meu lugar é entre os que querem a paz, o amor, a não
violência.
Aos que não
convivem mais comigo, deixo um abraço e meu forte desejo que sejam felizes e
mais, bem mais, amorosos.
sábado, 6 de outubro de 2018
sexta-feira, 28 de setembro de 2018
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
quinta-feira, 20 de setembro de 2018
quarta-feira, 19 de setembro de 2018
Ele: viajante. A moça: planeta de destino.
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Ele ia ao escritório de
transporte público diariamente. O escritório é no centro da cidade, onde não há
mais estacionamento possível. Portanto, deixava o carro em casa e ia ao
trabalho de ônibus. Coisa previsível, chata, rotineira. Pela manhã cedo,
juntava-se a um pequeno grupo de pessoas que esperavam o transporte coletivo.
Todas em silêncio. Olhando o horizonte a espera do surgimento do veículo ao
longe. Quando isso acontecia, uma eletricidade percorria aquelas pessoas.
Ficavam atentas, os corpos retesavam-se como raposas quando veem a caça.
Evidentemente, o mesmo fenômeno acontecia com ele. E assim era diariamente. Não
havia surpresas ou estranhamentos. Tudo simples e direto.
Em uma manhã, ele estava –
como sempre – com o olhar fixado no horizonte a espera do transporte, quando a
moça passou ao seu lado e, como todos, ficou a espera também. Era bem provável que ela sempre estivera ali
próxima a ele, entretanto, os sentidos dele ainda não a tinham captado até este
dia. Era um milagre: ela surgiu no mundo dele naquele momento! Do inexistir ao
nascer nele: um segundo! De dentro do corpo dele, através das vidraças dos olhos,
viu a moça. Morena, altura mediana. Formas arredondadas. Preenchiam cada
centímetro daquelas calças. Rosto de traços suaves e sereno. Como todos ali no
ponto de ônibus, ela cumpria o ritual previsível de esperar o ônibus. Estava
próxima dele, mas estava na infinita distância espiritual dos que se
desconhecem. De dentro dele pensou: que
maravilhoso enigma! Uma moça bonita e graciosa, um mundo humano inteiro a minha
frente. Eu me sinto um astronauta indo a marte. Indo em busca do desconhecido.
Meu corpo é a nave, minha alma o comandante. A moça é o planeta. Ah! Adoro
metáforas!
Rotineiramente se encontravam
no ponto de ônibus. Ele a esperava. Ela comparecia. A moça era sempre uma
esperança de alguma novidade. Quem sabe ele falaria com ela? Quem sabe ela o
veria hoje? Ou ainda, ele hoje poderia ouvir a voz dela?! Mas nada acontecia.
Então, ele ficava na esperança de vê-la novamente e esperava o milagre (re)acontecer.
O milagre dela aparecer para ele: o astronauta que queria pousar no mundo dela.
Mas a moça morena, bela e sedutora, na sua rotação planetária não podia
perceber o ínfimo navegante espacial: um mero fragmento quase invisível. A aparência dele não é de chamar a atenção de
ninguém, muito menos dela. Mas ela, como todo planeta, tem força gravitacional
atrativa. Ele passou a volitar em sua volta, como um humilde satélite.
Viajavam juntos no ônibus.
Ela sentada, ele em pé. Gostava de vê-la. Ele era uma espécie de escritor voyeur.
Os olhos dela nunca cruzaram com os dele.
De dentro do corpo dele, pensava: como ela reagiria se soubesse que era
uma pessoa importante na vida de outra? Como ela se sentiria se soubesse que
era a esperança de alguém? Que era uma visão esperada diariamente por um
desconhecido? Que a beleza dela era observada delicadamente por um cidadão tão
igual aos demais cidadãos? Que ela seria descrita numa crônica? Uma crônica que
ela talvez nunca lesse, e se lesse, não saberia que era escrita para ela?
A moça morena de corpo
bonito diariamente cumpria seu compromisso: apresentar-se para os olhos de
alguém que adorava observá-la. A timidez do observador nunca iria permitir a
aproximação. Ele ficará sempre dentro do seu corpo, observando pelas janelas
dos olhos a bela moça morena. Nunca ele saberá quem ela é, quem ela ama, quem é
sua família. Por outro lado, ela nunca saberá que foi importante para alguém.
Que embelezou as manhãs de uma pessoa tímida. Ela nunca saberá que acrescentou
vida em outra vida. O moço ficou imaginando o milagre que foi tudo isso! Aconteceu
sem que as pessoas percebessem.
A moça desta crônica foi um
milagre para ele. Antes dela, ele ia à parada de ônibus esperar o transporte
público. Depois dela, ele ia à parada para ver a mulher bonita que não sabia da
existência dele. Antes dela ele viajava sozinho no ônibus até o centro da
cidade. Depois que a viu, ela passou a fazer companhia para ele no ponto de
ônibus e no trajeto. Sem que ela soubesse, tiveram muito tempo juntos,
diariamente. Escrevo esta crônica em agradecimento a ela. Obrigado moça por
fazer daquele moço um astronauta viajando para ti. É verdade que nunca ele te
encontrou no final desta viagem espiritual, pois tu és o planeta marte e ele é
apenas um pontinho viajando, um asteroide. Mas que importa? O que valeu mesmo
foi a viagem, o sonho, a esperança e a alegria dele ver-te. Obrigado por este
milagre.
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