quarta-feira, 26 de maio de 2021

CPI, gravitação universal e a gravitação lógica dos fatos

 


Desde Issac Newton podemos dizer que dois corpos possuindo massa, vão atraírem-se de maneira proporcional às suas massas. Evidentemente que quanto mais distantes entre si, menos ocorrerá esta atração. Newton afirmou ao imaginar a lei da Gravitação Universal:  todos os corpos do universo atraem-se mutuamente com força proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado de sua distância.

 

Podemos resumir a Lei da atração universal dizendo que quanto maior e mais perto estiver um corpo do outro, maior a atração que ocorrerá entre eles. É isso que ocorre em relação ao sol e aos planetas na Via láctea.

 

A massa de um corpo é a expressão da quantidade de matéria nele contida. Ela é um dos fatores que determina quão intensa é a atração gravitacional existente entre os corpos com alguma proximidade.

 

Para fins de facilitar o entendimento deste artigo, imaginemos que fosse possível desligar esta atração.

 

Cada planeta do nosso sistema solar seria abandonado em um movimento linear afastando-se do Sol. Poderia até haver colisões a depender da trajetória que cada astro assumisse a partir do abandono. Podemos concluir isso por que a força gravitacional que segurava tudo numa ordem, desfez-se. 

 

E se comparássemos um fato testemunhado por alguém a um astro de grande massa? Um astro que com sua atração mantém tudo girando em sua órbita?

 

Imaginemos que um fato ocorrido é como um grande astro, denso e próximo do observador. Ora, por consequência, todos os argumentos sobre o fato orbitarão em torno dele. A força lógico-gravitacional fará com que todos os relatos se aproximem cada vez mais do fenômeno fático, até ficarem orbitando em volta dele sem poderem se afastar.  Em tese, cada observador trará detalhes ao ocorrido a partir do seu ponto de observação. O acontecimento fático tem tal massa de realidade, que todos os argumentos, observações e até as palavras usados nos relatos, tenderão “naturalmente” a não se afastarem do ocorrido. Seria uma espécie de teoria da gravitação universal da lógica dos argumentos fáticos.

 

O fenômeno fático terá tanto mais “massa” quanto maior for a possibilidade de ser observado, percebido pela consciência do(s) observador(es)

 

Resumindo: quanto mais evidente for o fato e mais próximo estiver o observador dele, mais o observador tenderá a referir-se ao evento de acordo com as evidências dele. O observador estará sob o efeito da atração gravitacional lógica, vinculando o relato do observador ao objeto observado.

 

O que ocorreria se a força gravitacional lógica atrativa fosse ignorada? Ora, o(s) observador(es) teria(m) maior liberdade para se afastar das evidências. Inclusive, vários observadores tenderiam a colidir entre si em suas observações, ou até perderem-se em argumentações vãs e distanciadas da realidade do evento ocorrido.  A distância entre observador/observado seria tanta que, após determinado afastamento, as descrições do evento careceriam de realidade, ou seja, não se assemelhariam mais ao evento ocorrido. Ao desgarrarem-se do fato, o referencial para a descrição dele seria apenas a imaginação do observador.

 

Posso dar um exemplo, ainda apelando para a imaginação.

 

O delegado de polícia pergunta: Professor Amilcar, tu estavas presente no momento em que o sujeito A assassinou o sujeito B? Não, não estava. - Respondo. Então a autoridade apresenta as imagens de uma câmera de segurança. Nelas apareço passando ao lado das pessoas envolvidas, ou seja, passo junto ao assassino e ao assassinado.  Sem abalar-me ao ver as imagens fáticas que me desmentem, respondo ao delegado: Sim, sou eu ali. Entretanto, não menti ao negar minha presença no crime. Veja que, senhor delegado, eu não estava ali, eu passava por ali. Perceba o senhor que o verbo estar dá ideia de imobilidade ao observar o crime. Contrário senso, eu estava passando, movimentando-me. Portanto, não menti. Eu não estava ali - imóvel... apenas passava por ali – cruzando o caminho. E passar pela calçada junto ao crime, entenda-me, não é mesmo que estar fixado observando o fenômeno criminoso... Portanto, eu não estava ali. Eu passava por ali.

 

A questão semântica inverossímil proposta no exemplo, tende a distanciar o interrogatório do que realmente aconteceu no crime de fato!

 

Perceba o leitor que não neguei que presenciei o fato, o crime. Apenas deturpei as referências sobre ele. Estou, neste relato maluco, lutando contra a força gravitacional lógica que me atrai ao fato. Notemos que é um fato de grande massa: eu vi o crime, ouvi os gritos e os estampidos da arma de fogo! Apesar disso, tendo a me distanciar lutando contra a força atrativa linear que me liga aos eventos. Tento movimentar-me de forma ilógica ao não negar o fato totalmente, mas afastando-me dele no limite de quase nega-lo. Opto por uma narrativa quase absurda.

 

Lógico seria abandonar-me à força gravitacional do evento (aproximando-me dele) e relatar o que presenciei do ponto de onde eu estava.

 

O delegado do exemplo, caso seja inexperiente, poderá equivocadamente ficar discutindo a semântica dos verbos “estar” presente e “passar” pelo crime. Caso caia neste embuste, a força gravitacional lógica ficará menos poderosa, pois as falas se afastarão dos dois fatos de grande massa: do assassinato e da minha observação presencial dele. Quanto maior a distância permitida - por quem interroga - entre o observador e o observado, menor será a força gravitacional que manterá tracionadas as observações, palavras e interpretações. Caso o interrogatório não esteja orientado pela força gravitacional do evento, o trabalho do delegado será falho e irregular.

 

Nos interrogatórios da Comissão Parlamentar de Inquérito que trata das responsabilidades nas mortes relativas à pandemia (CPI da Covid), evidenciou-se a tentativa dos depoentes de lutar contra a força gravitacional lógica dos fatos.

 

A lógica semântica dos interrogados era mais ou menos a seguinte: Com todo o respeito senhor relator era isso, mas não bem isso... Na verdade era aproximadamente isso. Caso isso tenha acontecido como está sendo demonstrado pelo documento aqui apresentado por Vossa Excelência.

Quanta distância do fato ao discurso sobre ele! Enfraqueceu-se a força gravitacional lógica dos argumentos em relação aos documentos apresentados.

 

O relator da CPI apresenta o fato, o documento, o vídeo ou o testemunho anterior. Então o interrogado tergiversa, fala temas próximos, tangenciando os fatos sem negá-los totalmente. Algo como a Lua tentar negar a atração que sofre pela Terra, sem negar a realidade da grande massa do nosso planeta. Como sabemos, quanto mais massa maior a atração exercida. 

 

O interrogado tenta driblar a lei da gravidade lógica dos fatos.  Mas, a atratividade não pode ser negada. Ela sujeita o depoente (massa menor) à força centrípeta exercita pelos fatos (massa maior). Não há como escapar: havendo fatos, o máximo possível é circular em volta dele, mas nunca realizar trajetórias aleatórias.

 

Os depoentes de má-fé desejam trajetórias aleatórias em relação a força gravitacional exercida pelos fatos.

 

Há que se fazer a distinção entre uma Comissão Parlamentar de Inquérito e o impeachment. A CPI liga-se muito mais aos fatos documentados e aos depoimentos fundamentados. Portanto, a força gravitacional das provas é muito mais poderosa que no impeachment. Este é mais, bem mais, político. Na política, os argumentos seguem mais a lógica do tênis de mesa. Cada um deles espera a “raquetada” do argumento seguinte. Não vale a lógica da força gravitacional para definir trajetórias. O que prevalece é a força empregada no (contra)golpe argumentativo.

 

Chegando ao final deste artigo, quero salientar as tentativas de burlar a lógica dos fatos pelos interrogados. A tentativa de tergiversar quer interromper a força atrativa que liga os depoimentos aos fatos documentados. Os depoentes querem chamar a atenção e dar falsa massa gravitacional aos seus argumentos. Isso em detrimento do que está documentado em áudio, vídeo, mensagens e documentos físicos.  São sofistas no mau sentido do termo. Não merecem credibilidade.

 

No mau sentido porque, neste momento, quero enfatizar os sofistas como mestres da retórica e como pregadores de que a verdade é relativa e mutável.

 

Querem que suas palavras tenham mais massa atrativa que os fatos. Os tergiversadores são apenas asteroides de mínimo conteúdo. Nada atraem para si. Já os fatos são estrelas de enorme massa. Estrelas atraem asteroides... e os consomem com seu calor. É fato.

sábado, 22 de maio de 2021

Abovinamento, linearidade, verdade e crença. Mito: na versão contemporânea é uma mentira

 

 


 


 

Quando eu era criança acreditava que a verdade estava em meus pais. A questão era simples. Assim como os gregos clássicos iam aos oráculos na esperança de falarem com os deuses, eu ia até meus pais. Eles diziam diretamente o que era verdadeiro ou falso. Também profetizavam sobre o futuro dizendo sobre verdades que ainda iriam acontecer.  Eu, criança, acreditava.

 

Como era apaziguador ter em casa quem sabia a verdade!

 

Quando adolescente, a objetividade juvenil mandava avaliar empiricamente os fatos. Quente ou frio? Lá ia o jovem colocar a mão e queimá-la... ou não. Na sorte. Beber faz mal! Será? Após o porre podia avaliar por mim mesmo a bebedeira. Mais que meus pais, os meus cinco sentidos tendiam a resolver as questões do dia a dia.

 

Pensava: fora dos fatos nada há.

 

Entretanto, as questões metafísicas – e inverossímeis sob o ponto de vista da empiria – em mim conviviam perfeitamente. Minha objetividade primitiva e juvenil (experimentação pessoal das coisas) convivia bem com os mitos.  Era possível me emocionar com o longínquo e falecido Gandhi. Minha alma se aquecia com a sua fé na não violência, mesmo sem poder tocá-lo ou sequer conhecer pessoalmente o indiano. Contradições que podemos ainda perceber em vários adultos. Vemos hoje pessoas tão envolvidas por explicações metafísicas longínquas e inalcançáveis, que perderam o contato com a ciência e a racionalidade.

 

São exemplo destas contradições os médicos cloroquineiros!

 

A minha inocente busca pela verdade, no final da adolescência, levou-me aos bancos universitários. Calouro (novato) no curso de Filosofia, sentia-me pronto para compreender o mundo e o sentido absoluto da vida humana! Eis que a Verdade brilharia!

 

Evidentemente a verdade não estava à minha espera, apesar de estudar o mais radical dos saberes: o filosófico!

 

Logo percebi quão utópico (e esperançoso) é o desejo de encontrar alguma verdade verdadeira! No máximo convivemos bem com verdades passageiras. Algumas tão confortáveis quanto difíceis de desacreditar: queremos que sejam eternas! Já outras tão desagradáveis que queremos nos livrar logo!

 

As versões da realidade que são agradáveis acabam por virarem mitos veneráveis. Criam-se cultos para elas.

 

Ao jovem que virou adulto, foi difícil aceitar que não há oráculos confiáveis para consultas certeiras. O que temos de melhor é a ciência. Compreendi que a ciência é confiável justamente por que ela desconfia, por que trabalha com hipóteses (e não com certezas). Hipóteses sempre refutáveis por novas. Percebi que tudo aquilo que tende a criar crenças (e raízes dogmáticas) é para se desconfiar. Aprendi que a pergunta é mais eficiente que a resposta! Melhor é perguntar eternamente pela verdade do que encontrar alguma para venerar!

 

A veneração impede a mudança, a pesquisa, a descoberta do novo. A veneração mente.

 

Hoje encontro pessoas a procura de uma verdade para venerar. Querem de preferência verdades amenas, confortáveis e conservadoras.  Mas não nos enganemos: eles querem é a própria veneração, o conforto da não mudança.  Todo o conservador é um defensor do que já experimentou como bom para si mesmo. Pensa ele: Se foi bom para mim, também será para meus iguais. Logo, há de se manter assim para todos. Toda a crença que ratificar este pensamento, será validada e acreditada.  E se for ruim para os outros? Responderão: Os outros ainda não perceberam a veracidade do que dizemos!

 

O conservador quer uma verdade que corrobore com suas experiências agradáveis. Quer uma verdade afável para chamar de sua. Verdades afáveis mentem.

 

Os crentes ideológicos procuram algo para crer. Crendo, querem mais estabilidade. Querem oráculos para que possam prever o futuro. Querem sábios que digam coisas que se adaptem à sua necessidade de crer. Querem respostas e evitam as perguntas (tão incômodas!). Não buscam a racionalidade ou a ciência. Buscam a estabilidade de uma crença. Então, nada melhor que seguir um mestre mitômano (ou vários). Nada melhor que aceitar teorias improváveis de conspirações mundiais, comunismos comedores de gente e grupos internacionais anticristãos homicidas. Teorias que, justamente por serem improváveis, são mais fáceis de crer e de criar grupos que normalizam suas próprias crenças:  fraternidades que se autocuidam e se autojustificam.

 

Estabilidade. Linearidade. Terra plana. Uma maravilha. O outro é o inimigo.

 

Estas almas desejosas de crer acabam seduzidas e morrem pelo sedutor. Dão a vida em troca da fé em mitos e em explicações alucinadas. Para manter a estabilidade do abovinamento, vale até morrer. A democracia não é ambiente saudável para os ruminantes de crenças ideológicas. A democracia é complexa demais, pois há inúmeras (e cansativas) variantes.

 

A estabilidade das crenças não é o ponto forte da liberdade democrática. A estabilidade das crenças mente.

 

Já o fascismo é perfeito para os crentes ideológicos: há regras, distribuição moral do poder, punição e linearidades previsíveis. O fascismo diz do certo e do errado. Diz do amigo e do inimigo. O fascismo tem a verdade. E a explica inúmeras vezes criando e ratificando uma narrativa. Mesmo com explicações contraditórias.

 

Para o crente ideológico, a contradição não é problema. Assim como no mundo jurídico a última lei revoga a anterior; uma explicação mítica nova prevalece sobre a mais antiga! Desfaz-se a contradição automaticamente.

 

O crente que quer uma verdade explicável e definitiva, acredita na hierarquia. Portanto, se há vários profetas, sempre procurarão o mais importante. Isto numa gradação de valores morais ou numa hierarquia institucional (o cargo mais alto). Em consequência desta visão vertical, ficam felizes quando também sobem na hierarquia do conto mítico. Ao ascenderem, percebem que há outros abaixo de si e que, por serem “menos”, acolhem e seguem quem está subindo hierarquicamente.

 

Admira-se o superior. Subjuga-se o inferior.

 

Nessa hierarquia o crente ideológico se entende sempre como classe média. Sente-se um tanto abaixo dos de cima. Entretanto, percebe-se como mais acima dos de baixo. Desta forma tem sempre mais um degrau para subir. Também haverá sempre alguém abaixo para satisfazer a vaidade de quem sobe. A crença na meritocracia satisfaz a vontade de ter sempre algum poder sobre o outro. A crença na meritocracia mente.

 

Mito! Mito! Mito! – Gritam

 

Esquecem que mito é uma narrativa apenas. Uma narrativa que tenta trazer ao presente heróis passados. O mito é uma história requentada que agrada apenas a alguns, mas é contado como se fosse uma verdade universal. Mito, mentira e crença hoje se confundem.

 

Amigo leitor, proponho menos crenças. A busca é melhor que o que encontramos. A pergunta é melhor que as respostas. A coragem de descrer em mitos é essencial aos corajosos.

 

Sabe-se que a verdade absoluta é uma utopia. O que não invalida os esforços em busca-la. É a busca que nos aperfeiçoa. Entretanto, o motivo que me fez escrever não é discutir a questão filosófica sobre a verdade. O que aponto é que o sonho humano de encontrar respostas para tudo foi envenenado. O veneno foi a implantação de uma busca por mitos para se crer. A busca pelo que está à frente e no futuro, mudou para a busca pela manutenção do passado e pela estabilidade conservadora.

 

A estabilidade conservadora mente.