domingo, 18 de dezembro de 2022

Alunos, informação e pessoas tornadas ignóbeis

 



Alunos, informação e pessoas tornadas ignóbeis*.

                                                                       Prof. Amilcar Bernardi

 

É de uso comum a afirmação que estamos no mundo da informação. O que não é informado, não é. Tudo é comunicação de ideias (tudo é, de certa forma, virtual*). O mundo não é algo tátil, mas algo comunicado, significado.

 

É possível a seguinte máxima: de um lado ser é ser expressão. Por outro, ser é ser percebido e (re)significado.

 

Tanto é verdadeira essa máxima, que sem sairmos de casa conhecemos e valoramos outros países e culturas (damos significado ao que pessoalmente não conhecemos). Nas redes sociais contatamos pessoas, tornamo-nos amigos e, não raro, nos apaixonamos e até nos casamos. Conhecemos coisas e pessoas através de sons, imagens e, não necessariamente, por contatos físicos (e estes mediados pela fala – sempre!)

 

É fato: inúmeras vezes sequer o contato físico é necessário para conhecer.

 

Antes de trabalharmos em uma empresa, ela quer saber do nosso conhecimento. O administrador – sem nos ver - lê nosso currículo, avalia testes e entrevistas com psicólogos. Ele quer nos conhecer (virtualmente) para aferir a quantidade e a qualidade das informações/conhecimentos que temos a oferecer à empresa. Caso essa avaliação à distância seja negativa, somos impedidos como pessoa real de pertencer ao quadro funcional da instituição.

 

Na nossa vida pessoal não é tão diferente. Quando elegemos uma pessoa para amarmos, a escolhemos porque o que ela sabe/pensa/conhece é agradável para nós. Após ouvir o que ela expressa, só então a aceitamos/rejeitamos como candidata a ser pessoa amada. Não a escolhemos pelo corpo ou pela beleza.... é muito pouco! Afinal, ficamos encantados com o que a pessoa nos informa (informação!) que é.

 

Na Grécia clássica ser escravo era não ter voz (nada informava à Polis). Aquele que era escravo não era ouvido, não tinha como expressar-se. Não informava, logo, não era alguém na política, não podia ser avaliado como cidadão.

 

Imagina hoje! Quem não pode ser/ter informação, nada é... ou é pior que um escravo grego!

 

Penso que o pior que podemos fazer na atualidade é tornar uma pessoa ignóbil. Melhor dizendo, tornar o que a pessoa sabe (e ela é o que sabe) uma informação ignóbil. Podemos menosprezar o que uma pessoa informa, podemos diminuir o que alguém sabe e diz. E isso a ponto de tornar a pessoa uma persona menos, desprezível, não audível! Neste caso nos tornarmos surdos para quem fala o que desprezamos. Tornamos a pessoa (que se expressa) algo sem significado! Isto é horrível. Ainda mais na sociedade da informação!

 

Fico pensando sobre o aluno que “não aprendeu”.

 

Os instrumentos avaliativos, neste caso, afirmam que o aprendiz tem pouco (ou nada) a informar sobre os conteúdos trabalhados em sala de aula. O que ele tem a informar é desprezível (em relação ao ambiente acadêmico). E mais: caso o aluno avaliado desfavoravelmente demonstre sua insatisfação, a sua expressão/pessoa(al) é desprezada (tornada irrelevante). O que ele quer comunicar (ele mesmo é uma informação) não é ouvido: são informações ignóbeis (tornadas ignóbeis pela autoridade escolar). Então fico refletindo...

 

A avaliação mal sucedida é apenas o desprezo pelos infinitos saberes (extraescolares) que o aprendiz tem? E a avaliação “nota dez”? Seria apenas a supervalorização dos saberes escolares sobre outros (já pré-valorizados)? Portanto, o “dez” é a exclusão dos saberes (tornados) ignóbeis?

 

Se eu sou o que expresso, o que sobra de mim se minha expressão é desprezada?

 

Evidente que não tenho respostas. Porém tenho uma convicção.

 

Não podemos tornar conhecimentos pessoais desprezíveis ou de segunda classe. Se assim o fizermos, pessoas serão menos, serão desprezadas e não ouvidas. Toda a pessoa é informação e tem informações. Toda a pessoa sabe (sabe algo). Ninguém tem o direito de tornar ignóbil alguém porque informa o que não é esperado para um contexto específico (no caso, a escola). Sei que o contexto escolar exclui muitas informações/saberes/pessoas. E isso não é bom.

 

*A expressão “ignóbil” é utilizada no sentido do que é tornado “não nobre”, do que é desprezado.

* A expressão “virtual” é utilizada tanto no sentido dado pela  informática, quanto no sentido do que não existe no momento, mas que tende a existir.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A filosofia e a qualidade de vida

 

Quando vamos à academia de musculação malhar, não importa com o que vamos nos exercitar. Importante é a própria atividade muscular, sua qualidade e eficácia. Os aparelhos são apenas meios.
 
 
 
Manter a capacidade de aprender é algo semelhante. O que mais importa é a atividade intelectual que os diversos saberes impõem à mente. Claro que, no sentido da ética, é fundamental o valor acrescido ao conteúdo que aprendemos. Mas, para o desenvolvimento da reflexão, o que é fundamental é a atividade intelectual (ela é a finalidade das ações em sala de aula).
 
Por esse viés podemos responder a questão: por que ensinar filosofia nas escolas? O filosofar é uma excelente atividade para desenvolver a capacidade de aprender refletindo. A filosofia passa a ser, nas escolas, um meio (e não um fim em si mesmo) para o desenvolvimento intelectual.
 
Outro aspecto importante: o estudo e a reflexão sobre as correntes filosóficas têm também como efeito prático o disciplinamento dos desejos juvenis. Estudar os grandes pensadores que tanto falam sobre a virtude, a razão, a política e sobre os motivos das ações humanas, tendem a leva o aprendiz a melhor gerenciar seus desejos.
 

                Filosofar também é um refletir sobre as ideias no contexto do mundo. A filosofia alimenta as ideias para um pensamento mais qualificado. O saber filosófico retira o aluno do centro do seu mundinho. Esse saber o faz imergir nos contextos, na vida política e social. O adolescente entra em contato com outras verdades tão possíveis quanto as suas e, não raro, mais coerentes e  complexas.

 
Ensinar filosofia é reconhecer que a vida é um problema sem solução, portanto, é a complexidade da vida que fascina. Filosofar é reconhecer que viver é pensar e viver com saúde mental é bem pensar. O jovem precisa saber que sua qualidade de vida é dependente do que aprendeu, ou melhor, da sua capacidade de aprender e refletir sobre o aprendido.
 

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Crônica paradoxal de um excepcional covarde.

 

Sempre foi um covarde apesar de ninguém perceber.

 

Quando recebeu a faixa preta, quem pensaria que praticou tanto por medo de apanhar? Quem poderia imaginar que levanta cedo para correr por puro medo de doenças cardíacas? Quando se formou em Direito, disparadamente o primeiro da turma; quem suporia que foi por medo do fracasso? É primeiro em tudo por medo das desvantagens do segundo lugar! 

 

Paradoxo. O medo leva ao sucesso.

 

É um ótimo advogado. É admirado. É um profissional disputado por empresas, mas o medo da novidade o fixa no mesmo trabalho.  Preza demais a estabilidade! 

 

Ele atua na retaguarda. Outro advogado aparece em público ou nas audiências. Ele não. É uma espécie de ghost writer jurídico. Cria a cena e o script onde o colega atua. Nunca perdeu uma causa. Por medo de errar tortura-se ao máximo para estar sempre correto.

 

Não tem amigos nem têm romances: medo de se decepcionar. Não fala com os vizinhos. Medo de fofocas e mal-entendidos. Não vai a reuniões de condomínio. Medo de fazer inimizades. Nunca negou um pedido de favor. É aterrador negar algo a alguém. Então é admirado por ser tão discreto e amável. 

 

Gosta de fotografar. Registra moças aleatoriamente nas ruas. Algumas porque aparentam ingenuidade. Outras tantas porque usam vestidos curtos como ele gosta. Um voyeur inofensivo com uma câmera fotográfica de alta qualidade. Por que faz isso? Por medo de falar com elas. Quem vê as fotos elogia o fotógrafo.

 

Sempre usa impecáveis ternos. Tudo combinando. Sapatos brilhantes. Da onde vem tal empenho nas roupas? Do medo de ser ridículo. Quando fica assustado ao ter que escolher um terno novo, faz a roupa no estilista de sua confiança. Evita riscos. É admirado por seu bom gosto.

 

Paradoxo. Seu acovardamento, no final das contas, sempre faz com que seja admirado!

 

O único contato íntimo com mulheres é desempenhado pelos serviços de uma bela prostituta. Tão bela quanto cara. O contrato informal é simples. Quando ele quer os serviços dela, manda mensagem solicitando. Informalmente acordaram, pelo hábito, que a preferência é sempre dele. Caso a moça bela tenha outros compromissos, ela os descumprirá em favor dele. Em nome dos lucros cessantes da profissional, ele a recompensa fartamente. 

 

Com o tempo perdeu o medo dela. Ela sempre diz sim. Não questiona nem é agressiva nas suas falas. Já se conhecem bem. Então vem sempre de vestidos curtos e de saltos altos, como ele gosta. Ela aprendeu com o olhar dele. O olhar a elogia quando vem desta forma vestida.

 

Nem sempre os serviços são sexuais. Quando ela desenvolveu o hábito de leitura, incentivado delicadamente por ele, passaram a discutir livros. Ele adora dar romances clássicos para ela. Compra em dose dupla. Cada um em sua casa desfrutam da leitura. Discutem depois. Ela é inteligente e alegre. Um doce.

 

Trata-a como uma namorada amada. Todo o desvelo por ela é pouco. Dá presentes, flores e tudo mais que um enamorado à moda antiga dá. Não está no contrato informal. É um bônus, uma gratificação pelos excelentes serviços prestados pela moça.

 

Quando percebe o interesse dela por alguma coisa bonita, compra para presenteá-la no encontro seguinte. Dar presentes é um prazer para ele. Principalmente por que não está nas cláusulas consensuais do contrato de serviços. Presentear é uma inovação agradável. É o momento dele se doar sem receber sexo pago em troca.

 

Ele é sozinho. Então cuida da moça. Tenta adivinhar os gostos dela. Por medo de ser considerado um bobo, maneira nos presentes. O limite é o medo. Seu coração gostaria de dar a ela um carro, um apartamento, um iate! Mas não. Mantem-se no limite na normalidade!

 

Paradoxo. O medo é sobriedade.

 

Tem muito medo que a sua prostituta tão meiga e querida perceba sua fraqueza e peça coisas. Ele daria por medo de dizer não. Mas então, perderia a graça. Cada presente deve ser uma surpresa. Uma surpresa para ela sorrir.  

Sexta à noite manda uma mensagem para a moça. Quer contar com ela no final de semana. Deseja desfrutar da beleza dela. Tê-la nua andando pelo apartamento. Mas não só isso. Também gostaria de discutir com ela o último romance que ambos leram. 

 

Para este encontro compra um par de brincos lindos para ela. Joia personalizada. Mandou fazer especialmente. São tão delicados quanto ela. Fica temeroso de exceder o limite da prudência e cair no erro da ostentação.

 

A contratada quebra o contrato! Não responde imediatamente!!!!!! 

 

Vem o terrível medo de ter cometido alguma grosseria com a doce prostituta. A covardia o faz tremer. Não tem coragem de ligar, nem de mandar nova mensagem. Maldita covardia! – Murmura. Quer tanto ser corajoso. Não que a coragem faça falta. Sua vida, quando organizada, não necessita de coragem alguma. O problema é as disrupções, os imprevistos.

 

Algumas horas depois vem a resposta. Ele pensa - Ufa! Que alívio! Ela virá!

 

Ela diz que sofreu um acidente. Não pode sair de casa. Fraturou o tornozelo. Não pode ainda levantar. Ela põe na mensagem uma carinha triste.

 

Ele sente coisas estranhas. Preocupações que dão medo. Covarde como é, ficou assustado com os pensamentos afetivos motivados pela curta mensagem.

 

Sendo a moça uma prestadora de serviços, provavelmente sem nenhum tipo de seguro contra acidentes, muito menos um seguro médico, como se sustentará? Sem seus clientes, como manterá a rentabilidade das suas atividades? Passará necessidade? Quem estará ajudando? Quem está cozinhando para ela? Terá recursos para comprar analgésicos? E se cair da cama, quem a levantará? E se chorar de dor, quem a acalmará? Ele é um cliente tão presente que seria imoral ignorar o infortúnio da moça. Seria uma indelicadeza!

 

A covardia aconselha aos gritos: Não se meta com isso! Todo o empreendedor assume o risco do seu negócio! Não se meta! Ela que se vire! Ela é uma prestadora de serviços. Tu és apenas o cliente lesado com a interrupção dos serviços! Talvez até caiba um passivo jurídico aí: ela terá que indenizar a interrupção dos serviços. Tu pagas adiantado! Mesmo o contrato sendo informal, é um contrato tácito plenamente válido! Ele não dá ouvidos.

 

Sente algo parecido com coragem. Algo inusual que não se repetiria, com certeza! Mandou uma mensagem perguntando o endereço dela. Caramba! Um ato impensado! Só ocorreu por um lapso, uma falha da sua covardia.

 

Os minutos passam sem resposta. Com certeza ela está hesitante - ele pensa. Continua refletindo - Dar o endereço significa uma visita. Visita com ares de afetividade. Íntimo demais numa relação de prestação de serviços. Ela está ensaiando uma resposta negativa. Uma negativa diplomática para não perder o cliente. E se ela se negar? Isso, eticamente, o libertaria do dever autoimposto de ajuda-la? Ou o faria ter que insistir? Mas, insistir significaria ter coragem! Estes pensamentos são amedrontadores.

 

Então bipa o celular. A resposta chega, brilha na tela. Na mensagem o endereço.

 

Agora a questão é: ir à casa da moça? Enfrentar o imprevisível desta aventura? Como enfrentar tanta imprevisibilidade?

 

Amedrontado resolve enfrentar a quebra da rotina. Temeroso de ser indelicado compra lindas flores. Aterrorizado a ponto de tremer, toma um táxi.

 

Paradoxo. O medo traz gentilezas.

 

O prédio onde ela mora é simples. Ele toca o interfone. A voz dela indaga quem é. A alma dele treme assustada. Sua alma murmura - E se ela está esperando outro homem? E se ele é tão insignificante entre os clientes que sequer merece entrar no apartamento dela? E se está interrompendo algo entre ela e alguém? 

 

            - É o Carlos...   -  Sua covardia interna o interroga - Tu és o único Carlos na vida dela? E se ela te confundiu com o outro Carlos? Serás expulso quando ela perceber o erro!

 

A porta estala e se abre remotamente. Sente-se um babaca com um buquê de flores nas mãos. Não é um namorado adolescente!  Imagina o rir dela ao vê-lo como um idiota segurando flores. Será um buquê exagerado? As flores são do gosto dela?  

 

           Carlos sabe que ela merece a gentileza do buquê. As flores combinavam com o jeito dela. Ambas, as flores e a moça, são cheirosas, delicadas e bonitas.  Então vem pensamentos tenebrosos: O que ela pensa dele? Ela o acha bonito e gentil? Ou um babaca bom pagador dos seus serviços? Ela o vê como uma pessoa de bom coração, ou o vê como um bom cliente apenas? E o sexo que fazem? Ela acha bom ou faz pelo pagamento apenas? Quanto medo!

 

               Aciona a campainha do apartamento. Ouve a voz feminina tão conhecida dizendo: Pode entrar, está aberta!

 

Entra na sala de visitas. Ela está no sofá. A perna machucada está sobre uma cadeira. Está usando o tipo de vestido que ele gosta. Será intencional?  Ao lado dela está o último romance que ele deu. 

 

O sorriso da jovem prostituta é encantador. É um sorriso diferente dos anteriores. Um sorriso oferecido com especial prazer. Então o jovem percebe que os olhos dela contemplam mais as flores do que ele.

 

Carlos apressa os passos e entrega o buquê e a caixinha com os brincos. Ela sorri largamente. As mãozinhas tão delicadas dela pegam os presentes. Cheira as flores. Deixa a caixinha sem abrir na mesinha ao lado do sofá. Agradece e pede para que Carlos sente a sua frente. No início falam amenidades. Angélica conta como foi o acidente. Caiu no banheiro. Tomava banho e pronto, estatelou-se. Algo banal. Pede desculpas por não oferecer nada ao visitante. Não pode levantar-se.

 

O jovem advogado estranha o tratamento que recebe. Um tratamento fora das cláusulas contratuais do contrato de prestação de serviços. Amabilidade imprevista. São apenas duas pessoas que se tratam afetuosamente, sem vínculos clausulados. Esta nova situação amedronta Carlos.  Angélica age fora do previsto. Fora do contrato o domínio está nas mãos dela. Entretanto, por medo de passar vergonha, mostra confiança.

 

Paradoxo: demonstrar coragem por medo!

 

Ele olha ao redor. O apartamento é muito simpático e banal. Não encontra sinais da profissão de Angélica.

Vence o temor de parecer intrometido e pergunta se a moça precisa de algo, pois está sozinha. Teme ser inoportuno ao demonstrar sua preocupação com a falta de clientes. 

 

Angélica compreende do que o jovem advogado fala. Hesita. Por fim, diz que não precisa de nada. Ele não acredita. 

 

Após conversarem bastante, Carlos se despede. Ele deposita uma boa soma em dinheiro na conta da moça. Afinal, pensou ele, Angélica precisa se alimentar bem, comprar remédios, pagar suas contas. Os demais clientes não teriam esse carinho todo. Seu coração se aquece. Pensa: Como é bom ter alguém para se preocupar.  

 

No final de semana volta a vê-la. Desta vez inova nos presentes. Traz um diário com capa de couro. Tem o cuidado de mandar colocar o nome dela em letrinhas delicadas e douradas. É para ela perceber que é um presente pensado, preocupado, desejoso de ser apreciado. Ao oferecê-lo, já foi informando que é para ir anotando seus pensamentos após a leitura dos livros. Angélica gosta da ideia. Ela está em pé, apoiada na muleta. Abre os braços e o abraça. 

 

Ele sente o impacto. É assustador estes contatos físicos extracontratuais. Assusta-o tanto!

 

O corpo dela longilíneo, cheiroso e macio se oferece. É o presente personalizado dela. Retribuição puramente afetiva! Quanto terror ao aceitar o contato físico não clausular! 

 

Quando a beija fora do previsto, sente que está numa terra desconhecida cheia de perigos. Beijá-la assim é um ato perigoso. Treme. Não sabe o que fazer. Este tipo de intimidade ilimitada, fora das alíneas e parágrafos de um contrato, não é bom para um covarde.

 

Paradoxo: a covardia é uma fonte de afeto.

 

Confuso ao medir as vantagens e as desvantagens desta nova relação, assume a aventura e faz amor com a moça. Agora ela é diferente. É outra. Uma mulher livre não clausulada. 

 

O pânico de perder esta nova mulher se sobrepõe ao medo da aventura afetiva. 

 

Fóbico, pensa se merece tão bela mulher. Aterrado reflete: ser só minha é responsabilidade excepcional! Não há contrato que dê conta de tal risco. Será uma vida inteira de acontecimentos imprevisíveis, ações baseadas somente no amor e no afeto. Uma vida de incertezas. 

 

Tenta contar para Angélica que é um miserável. Um sujeito sem fibra. Um covarde. Ela não quer ouvir nada. Conta das alegrias dela ao receber os preciosos mimos.  Conta que ama as flores e os sorrisos dele. Que adora os livros e as conversas sobre eles. Confessa que tudo aquilo que ele faz além do contrato de prestação de serviços sexuais, a deixa maravilhada. Cada pequeno cuidado que ele tem com ela, fez com que o amasse.

 

Paradoxo. Por excepcional medo de perdê-la, aceitou corajosamente que estava apaixonado.  E por medos sucessivos em cada dia juntos, nunca a decepcionou. 

 

Como num conto de fadas viveram felizes para sempre. Novamente o paradoxo: felizes por pura covardia!