domingo, 30 de agosto de 2020

A humildade e a arrogância.




Tive uma experiência interessante com um usuário da rede social. Entramos em um brevíssimo diálogo sobre um tema de viés filosófico.  A expressão “brevíssimo” é um fato. Meu interlocutor não suportou argumentar além de breves linhas. Encerrou a discussão afirmando que eu estava confuso sem ter as condições de sair da minha própria confusão.  O que me chamou a atenção foi a arrogância. Ficou claro nas falas que ele acreditava que sabia e que sabia muito. Sabia tanto que decidiu em sua soberba que não valia a pena me ensinar seu saber.

Não precisamos ir ao Instituto Butantan (principal produtor de imunobiológicos do Brasil) para sabermos que o antídoto para a arrogância é a humildade.

Primeiro vou comentar o que a humildade não é. Ela não é fragilidade ou covardia. Muito menos é submissão a alguma autoridade. Se acalmo minha volúpia por dizer o que acho que sei, não significa que abster-me-ei de dizer o que penso num tempo mais adequado. Quando abrando meu vocabulário para não ser agressivo, quando não saliento meus saberes como se medalhas fossem, ou ainda, quando não trago à luz do diálogo minha autoridade sobre o tema, estou sendo apenas civilizado e cortês.

Agora passo ao que ela é. A humildade é uma virtude cortês. É uma virtude por que é eticamente desejável e é cortês por ser uma atitude polida. A humildade tende a não ofender ninguém.  Ela é irmã da virtude da prudência. Assim como a arrogância é irmã do desconhecimento de si mesmo. A arrogância é arrogar, exigir para si uma preponderância sobre o outro. Arrogar para si sem saber se o outro aceita esta arrogância. Quanta insensatez!

A arrogância é uma armadilha para os incautos. Ao olhar para si mesmo não vê os perigos do caminho. Reconhecer nossos limites e estar atento as qualidades da outra pessoa, é no mínimo, uma atitude que denota inteligência.  

A humildade é uma virtude adquirida no convívio com as pessoas. Toda a cultura tem suas histórias sobre os arrogantes que se deram mal na convivência social. O arrogante sofre muito. Sofre por que quer estar numa altitude que não é real. Acredita estar numa montanha e os mortais lá em baixo.

Mesmo se Pedro em relação ao aspecto “X” tivesse uma tremenda relevância, no aspecto “Y” poderia nada ser. E isto ao mesmo tempo! Exemplifico:  o proprietário do carro de luxo precisa consertar a porta do veículo que, por defeito, não abre remotamente. Apesar de todas as suas posses e delírios de poder, está totalmente dependente de outra pessoa para realizar o conserto. No aspecto “Y” é apenas mais um cliente com uma porta defeituosa.

O mundo é dialético! Para tudo que somos, outro tanto não somos. Para tudo que sabemos, outro tanto nada sabemos.

Arrogar para si relevância, sem se importar com a pessoa que será sobrecarregada com esta soberba, é quase uma psicose! A relação do arrogante com o mundo exterior a si mesmo está falseada!

A humildade é uma força de caráter que é desenvolvida na formação das pessoas, da infância até a morte. É uma virtude que deve ser ensinada. Não só ensinada como um saber, mas entendida como uma qualidade que deve sofrer manutenção diária. A humildade é uma decisão e um hábito saudável. A humildade é uma inteligência emocional que só traz vantagens. É uma força enorme, colossal, que remove montanhas. É uma força que não agride o interlocutor nem diminui quem se expressa. 

A humildade não é uma questão de religião, seita ou moralidade. É uma questão de civilidade, de reconhecimento da dignidade da pessoa humana. E, insisto, é uma questão de prudência.

Vou cair no chavão socrático: “Sei (certeza) que nada sei (incerteza)” – o acréscimo nos parênteses é por minha conta.

O humilde tem certeza que há incertezas. Então, não pode arrogar vaidosamente para si a arrogância. Ela não é permitida e é perigosa. Arrogar para si é um ato grosseiro, petulante e uma aposta que somos algo ou sabemos algo que nos afasta do sujeito que dialoga conosco. Quanta insensatez grosseira e quanta grosseria civilizatória!
 
Sejamos humildes.


sábado, 29 de agosto de 2020

Elite: alguns egocêntricos se unem por algum tempo. Por algum tempo!




Um bando de egoístas juntos tem conseguido, sem transcender ao egoísmo, fundar corporações religiosas e outras mais voltadas à exploração pura e simples da fé do outro e de sua capacidade para o trabalho e a entrega.    (Marcia Tilburi. Delírio do poder) – Grifo meu

Se vamos usar como mote a expressão egocentrismo, é necessário primeiro reparar no seu conceito e nuances. 

Uma boa perspectiva para compreender o egocentrismo é partir da convicção de que o egocêntrico vive uma ilusão: a de que ele é ou merecer ser o centro das atenções. Em uma criança de dois até, talvez, seis anos é aceitável. É uma questão biológica, maturacional do cérebro humano. Até que organicamente chega o momento em que a psiquê percebe que não é o centro de muitas coisas. No máximo e por algum tempo, da sua família. Logo percebe que é apenas mais um humano entre outros tantos.

Caso o sujeito permaneça focado em si mesmo e deste ponto trace as referências para submeter o mundo a ele mesmo, radicalizará sua dificuldade em se colocar no lugar do outro. A vivência com outras pessoas deve forçar este desfoque de si. Não ocorrendo, a visão de mundo deste sujeito egocentrado sofrerá sérias anomalias. 

As pessoas que não conseguem pensar o social saindo de si mesmas, que não conseguem se pôr no contexto de ser uma pessoa igual a tantas outras, permitem a si mesmas defender o racismo, a morte de alguém (mesmo que considerado bandido) e a competição social pela sobrevivência.

Somente sujeitos que se acham de alguma forma especiais, e especialmente merecedores das benesses sociais, conseguem defender o capitalismo neoliberal, onde o capital é reservado para alguns. E, claramente, o defensor destes itens relacionados, se considera parte destes “alguns”. Nunca se sente uma pessoa comum. Ele credita ser merecedor das benesses do capital. 

Os demais, caso não tenham algum privilégio é por que não são merecedores.  Simples assim.

Estes “alguns” sempre tentam se sobressair, mesmo entre eles mesmos. Percebem-se como merecedores natos de serem tratados como melhores. Uma espécie de atavismo seletivo. Entretanto, sofrem de uma maldição egocêntrica:  mesmo filiados a um grupo que represente seus interesses, querem sempre ser os especiais entre os especiais.

Daí sentem muita inveja, são melindrosos (e agressivos), arrogantes e espetaculosos. Espetaculosos por que exaltam seus atributos, posses, amizades ilustres e sua riqueza (verdadeira ou imaginária- lembremos a figura caricata do “pobre de direita”).

A inserção do indivíduo egocêntrico na plêiade de amigos egocentrados sempre é difícil e, provavelmente, impossível em plenitude. São egocêntricos entre egocêntricos: repelem-se mutuamente. São como imãs que deveriam se ligar, mas cada sujeito é polo igual aos demais sujeitos. E polos iguais se repelem.

São da extrema direita por que se acham extremos. Ou seja, se percebem como diferentes das demais pessoas. Mesmo entre seus iguais ideológicos, continuam se sentindo mais merecedores que os outros. Como todos se medem por seus egocentrismos, o jogo de permanecer no grupo é duro, muito duro.

Percebam que se todos se sentem merecedores do máximo de benesses, não haverá máximas benesses suficientes para todos. Haverá uma disputa eterna, um jogo excludente sempre em execução. Que nome poderíamos dar a este jogo? Quem pode mais, chora menos.

É a lógica da meritocracia entre aqueles que acreditam terem mais méritos que os demais.

E por que se mantém juntos? Ora, primeiro por que seus interesses são similares. Associados tudo fica mais fácil, afinal, sabem que são minoria no contexto social brasileiro. Não que serem minoria seja um problema para estes egocêntricos. Ao contrário: o desejo de serem únicos e especiais os fazem orgulhos de serem poucos. Em segundo lugar por que sem os outros egocêntricos, não haveria com quem demonstrarem suas qualidades especiais.

Seria como jogar o jogo de ser melhor que o outro, sem ter oponentes para ratificar a excepcionalidade do vencedor.

O problema fundamental não se resolve: Como cada egocêntrico vê o mundo através de suas próprias aspirações e desejos, não há mundo suficiente para o grupo destes indivíduos.

Quero dizer, parafraseando a Professora Tilburi, que os egocêntricos se unem e até cooperam entre si. Mas, nenhum abre mão de ser mais e fazer os outros serem menos. Por isto esta reunião é uma reunião paranoica. Sentam-se uns ao lado dos outros. Sempre próximos e visíveis entre si não por que se sintam iguais, mas por que temem serem enganados uns pelos outros. Cada um é um enganador e possível enganado.

Nada estranhável: é um grupo de sujeitos em que cada um se percebe como mais inteligente que o outro, mais astuto e mais perigoso que seus companheiros.

Até na periculosidade vale a meritocracia: que vença o mais perigoso.

Não há fraternidade ou simpatia neste grupo. Há interesses a serem defendidos. Convivem, toleram-se. Ritualizados se cumprimentam e sorriem. Nos bolsos gravadores de voz. Nos celulares as provas dos conluios. Cada um é o centro de tudo e tudo é centralizado nos interesses individuais.

Portanto, egocêntricos também se reúnem e colaboram entre si. Mas de maneira paranoica.

Vemos esta realidade não só nas altas esferas do governo Federal. Também percebemos o mesmo comportamento nos seguidores e apoiadores destes poderosos da extrema-direita.  

Todos se ajudam e se apoiam. Cada um acreditando que está apoiando e ajudando a si mesmo.

Falo de fatos. Basta acompanharmos as peripécias do presidente, dos ministros de governo e seus apoiadores no Congresso. E caso o leitor conheça grupos de “amigos” da extrema-direita que acreditam fazer parte de uma elite, perceberá as mesmas característica aqui descritas.