quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Sobre aprender e caminhos para aprender

 Prof. Amilcar Campos Bernardi



Aprender é mais que percorrer um caminho. É percorrer e criá-lo simultaneamente. O aprendiz cria porque percorre e percorre porque cria. Se o aprendente não cria seu próprio caminho, fica no aguardo de algum já pronto. Mas não é seu. Portanto, o professor é quem sugere e incentiva. Mas não entrega nada pronto.


Há caminhos mais longos e outros mais curtos. Há os mais fáceis e os mais difíceis. É o aprendente quem vai decidir e saborear (perceber sabores!) suas escolhas e as consequências. Sempre há ônus e bônus nestas escolhas livres. Mas quem vai experimentar/saborear é o caminheiro.


Não há como caminhar pela criança que está aprendendo a dar seus passos. O adulto acompanha, acolhe, incentiva e evita que o aprendiz caia violentamente. Cair pode. Violentamente, não. O professor cuida do aprender, da segurança. O aprendente não pode sofrer acidentes graves na sua peregrinação. Peregrinação para aprender o que quer aprender.


Percebamos que errar não é um erro. É tentativa, experiência, hipótese, dores e consolos. Errar é o melhor acerto para quem quer aprender. Aproveito para acrescentar: é preciso errar para aprender a cooperar (ao errar precisamos do apoio dos outros). É preciso acertar para poder socializar (ao acertar socializo meu acerto para os que não estão ainda obtendo o sucesso esperado). Portanto, é preciso errar/acertar para aprender de forma coletiva e solidária.


Na escola o professor incentiva o aprendiz a criar caminhos e a admirar/contemplar seus erros.


Gosto da hipótese de que o errar é irmão do criar. E acertar é irmão do fazer (novamente) o mesmo.


Lembrei agora do ideal da meritocracia neoliberal: incentivo à competição, à produtividade, ao acerto, à mais valia intelectual. Sob esta perspectiva, se alguém vence é porque alguém perdeu. Aí é a vez de quem perdeu competir novamente. Na (i)moral neoliberal, a liberdade está em poder competir sempre e sempre. Somos eternamente livres para ganhar de alguém, para chegar primeiro (impondo/constrangendo um segundo lugar a alguém) Percebe-se que na aprendizagem isso é um problema!


Devemos aprender juntos, com os outros, em parceria e de maneira solidária (nunca solitária!). Cada um na sala de aula deve (dever moral/pedagógico) dividir seus saberes e seus acertos, assim como deve dividir suas dúvidas com os demais.


Na sala de aula, não há competição. Há solidariedade. Não pode haver ricos de conhecimentos e notas, e os despossuídos de ambos. Na arquitetura pedagógica das salas de aulas não pode haver espaço para esconder os despossuídos. Nem espaços para valorizar os ricos de saberes. Na política arquitetônica das salas de aulas há espaços para todos. E bons espaços. Todos visíveis e honrosos. Não há excluídos.


O professor ao tomar consciência (por si mesmo) da política que aplica na sua sala de aula, conhece empiricamente a si mesmo. Na sua sala há excluídos? Há guetos? Há ricos e pobres de conhecimento? Caso esse ensinante aceite essa realidade, e dê as condições para que ela se mantenha, então ele é um líder político excludente.


Aprender é criar caminhos, percorrê-los avidamente para poder criar (sempre novos) aprenderes. Ser andarilho nos caminhos do saber, isto é ser aprendiz. Por este ângulo, ensinante/professor e aprendente/estudante não se distinguem. São faces de uma mesma moeda. Ambos aprendem, ambos constroem caminhos, ambos são andarilhos nos caminhos dos saberes.

domingo, 6 de agosto de 2023

Tu és o que comes. Odiador, tu comes hoje o que desejas para o futuro.

 

 

Ouvi várias vezes das pessoas que vendem suplementos alimentares: “você é o que você come”. Um tipo de slogan. Com isso afirmando que tua saúde futura depende do que tu ingeres hoje. Ora, se tu comes alimentos gordurosos, as consequências virão talvez na forma de um infarto. Por outro lado, se nada comes, anorexia, as consequências virão, talvez a morte. A premissa “você é o que você come”, traz implícito que quem se alimenta, pode escolher do que se alimenta. As pessoas, pressupõe estes vendedores, tem esta liberdade. 

 

Mais que isso. Se Jorginho quer ser um maratonista famoso, caberá a ele decidir como alimentará seu corpo na máxima medida do que sua mente idealiza. Se Mariazinha quer ser fisiculturista, caberá a ela buscar alimentos adequados. De certa forma a inteligência, a imaginação, vai à frente escolhendo o combustível adequado ao seu projeto de futuro.

 

Concluo que é o desejo que acontece primeiro. A alimentação é consequência dele.

 

Então eu mudaria a premissa já citada acima. Eu diria: “você é o que você deseja, e por consequência disto, o que você se alimenta”. Pois bem, e se tu não queres nada além do que já tens? Ou se teu sonho é passar despercebido pela existência? Nestes casos, comerás pelo prazer de degustar segundo os apetites corporais, nada além. Então, é provável que arrisques a saúde, ganhes peso, tenhas aquela barriguinha além da média. Mas, perguntarias a ti mesmo: Qual o problema? Como dizia minha avó: mais vale um gosto que um desgosto.

 

Estou falando realmente de alimentação e boa forma? Não!

 

De que alimento minha alma? Estou imaginando que as palavras do dia a dia que leio, ouço, repito e introjeto, são o meu arroz com feijão espiritual. Posso ingerir o mínimo, dando à minha alma apenas o básico. Faço dela, portanto, o mínimo que uma alma pode ser. Faço dela apenas uma alma sobrevivente, pois a mantenho com o mínimo. Isso é ruim? Não dá para dizer a priori. Ora, caso eu deseje uma alma mínima, alimentada com poucas palavras, o arroz com feijão léxico é o suficiente, faz-me feliz. É claro que com esta alma magérrima, não poderei ser o ganhador de um prêmio de oratória. Mas, se não quero ser ganhador, não desejo isso, então sou uma pessoa feliz. Entretanto, como regra geral, se quero ser um escritor, por exemplo, o arroz com feijão léxico não dará as condições para tal desempenho. É preciso bem mais!

 

Vamos refazer o slogan dos vendedores de suplementos alimentares. “Você é o alimento que dá à sua alma”. E mais: “na medida do que você planeja ser no futuro.” É uma questão de escolha (mais ou menos livre).

 

 Em relação aos desejos de futuro de cada um, podemos fazer as reflexões a seguir.

 

Almas alimentadas inadequadamente de palavras, não aguentarão a maratona que os palestrantes se impõem. Almas sem leituras densas, espiritualmente magérrimas, não aguentarão o fisiculturismo dos argumentos pesados! Não é possível à uma alma pobre de esforços de leitura diários, ser palestrante sobre literatura.  Mas, nem todos querem ser argumentadores ou palestrantes! Evidentemente que, para quem não quer atividades que exijam boa alimentação de palavras, na sequência não importará o alimento léxico que dão às suas almas.

 

Percebamos que nossos desejos futuros e nossas utopias, modelam nossa alimentação espiritual.

 

Desconsiderando as exceções, desejar no futuro ser uma pessoa esbelta comendo em demasia, ou desejar ser um poeta não se alimentando de palavras, é, no mínimo, uma insensatez!

 

Quando ouvimos alguém falando impropérios chulos, grosserias e palavrões, podemos imaginar o seu tipo de alimento espiritual. Similar a questão de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, podemos nos perguntar: este sujeito não tem vocabulário por que não tem ideias complexas, ou não tem ideias complexas por que não tem vocabulário?

 

O que nos lembra o “imbrochável” discurso de ódio que assola o país.

 

Os odiadores agem como quem quer ser um modelo fitness comendo hambúrgueres, ou como alguém que quer ser um Rui Barbosa, tendo aulas de oratória em botecos de má fama. 

 

Qual o desejo que motiva a (não)alimentação léxica dos odiadores? O que eles querem ser quando crescerem? Se são espíritos anoréxicos, sem boas palavras e parcos de inteligência, seria porque seus desejos de futuro são anoréxicos e pouco inteligentes?  

 

Por fim digo aos leitores: Cuidado com teus desejos de futuro. Eles podem hoje estar estragando tua alimentação léxica. Cuidado, as consequências podem ser espiritualmente fatais.