sábado, 24 de novembro de 2018

O filme Idiocracia. Uma crítica política


A questão proposta pelo Filme Idiocracia é a seguinte: um mundo onde a falta de inteligência é a regra e a mediocridade intelectual é o máximo da inteligência disponível. Um mundo onde a única informação vem pelos canais abertos de televisão. Uma realidade onde o maior prazer possível é o sexo e o maior poder é o de comprar coisas.       

      Nesse mundo hipotético, a política é a arte de gerir imbecis. Nem os gestores são capazes de fugir da sina criada por eles mesmos e pela sociedade: também os gestores políticos são idiotas. A máxima romana “pão e circo” é elevada ao seu máximo acelerando a imbecilização coletiva. Idiotizar o povo tem como efeito colateral criar administradores imbecis. Ora, não há como destruir o conhecimento sem destruir os seus destruidores.          

      Uma reformulação do sistema construído no futuro começa a se estabelecer quando uma pessoa comum, mediana e simplória para os padrões atuais, passa a ser considerada a pessoa mais inteligente do mundo. Eis a sátira que não nos faz rir, mas nos assusta. 
      

      Não estou pensando o termo idiota no sentido dado pelo dicionário.


      Idiota: Que ou a pessoa que é pouco inteligente ou não tem bom-senso; pateta, parvo(a), estupido(a); imbecil. (Grande dicionário Sacconi. Editora Nova geração.)    

      
      Prefiro no contexto do Professor Mário Sérgio Cortella no seu livro Política para não ser um idiota. O professor nos fala sobre este adjetivo afirmando que da Grécia clássica até agora, acabou invertido o conceito original de idiota. Antes, a expressão idiótes (em grego), queria apontar a pessoa que só vive a vida privada, que recusa a vida política. 

           

      Portanto, é evidente que o substantivo política que utilizo, não se refere apenas a busca e a manutenção do poder no Estado.

          

      Quando uso a expressão política, com certeza me afasto do senso comum. Afasto-me do entendimento que a política é o desejo egoísta travestido de interesse público. Muito, muito menos estou falado de partidos políticos. Na Grécia clássica, a política era entendida como as ações proveitosas à cidade-estado (a polis). Todas as pessoas deviam se entregar às questões políticas. Isto era considerado bom e belo. Gerir a cidade era um problema que deveria ser para todos e não para alguns. Afinal, a cidade era de todos e todos eram responsáveis por ela. A democracia sobrevivia às diferenças de opiniões, às críticas e até à coexistência com escravos. Esse é o contexto que dou a expressão política.

           
                No filme a falta de inteligência, o desejo sexual irrefreado e o desmedido consumo, reduziu a sociedade a indivíduos egoístas, apolíticos (idiótes) e emburrecidos. A liberdade para pensar desaparece num ambiente livre para a satisfação corporal e inóspito para a reflexão. Uma vida para o consumo inviabiliza a capacidade de reflexão e de fazer política. Nesse contexto discutir a cidade, a cultura e a ética não é possível. Nessa sociedade imaginada, as pessoas são seus instintos (a eles se limitam): a autopreservação, o sexo, a alimentação e a fuga da dor. Ora, por consequência, aproximam-se da vida animal. Não refletem, apenas ruminam o que recebem numa busca monótona da satisfação corporal.  São semoventes conduzidos por alimárias.  Lembrando Platão, esse mundo idiotizado é possível por que as pessoas vivem apenas para seus sentidos, limitados pelo mundo material (em oposição ao mundo ideal). Afastando-se do mundo das ideias, permanecem no erro e na ignorância. Animais e idiotas (no sentido grego) vivem apenas para o prazer.
    
     

      A capacidade para sermos racionais é inata. Entretanto, é construída também. O homem por esforço próprio pode se imbecilizar. O homem pode decidir investir na satisfação de seus desejos e pronto. Então, o risco de entregar-se à preguiça intelectual é grande. O risco de não desenvolver a racionalidade também é grande. Todos nascemos para sermos inteligentes, mas nem todos podem ou querem desenvolver essa capacidade.  Dá muito trabalho! É exaustivo! Desenvolver nossa inteligência é um ato político. Sair da mediocridade é um ato disruptivo.

     

      Conheci o filósofo e padre Achylle Alexio Rubin. Falei com ele uma vez e encantei-me. Então, acabei comprando o Livro dele, Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia.  No capítulo 7 do livro citado, o padre define a inteligência no contexto da aprendizagem:

            

      "A inteligência nos liberta, ainda que relativamente, dos condicionamentos da materialidade. Não somos como os animais que, desde sempre e para sempre, constroem os seus ninhos da mesma forma, emitem as mesmas vozes, abrigam-se do mesmo jeito, buscam o necessário para sua sobrevivência com os mesmos hábitos.

      Nós, pelo contrário, usamos através dos tempos, de uma simbologia variadíssima para nos expressar e nos comunicar. As línguas e dialetos são quase infinitos, os estilos arquitetônicos, literários, poéticos e musicais surgem com variadíssimas formas de expressão. A dança e o balé são riquíssimos em movimentos criativos”. *

           

      Na (pseudo)democracia vista no filme, não há espaço para a criação, para a linguagem variada e para compreensão do outro. Muito menos para a política. Compreender e fazer política: dois temas que exigem desenvolvimento intelectual, moral e ético. No mundo hipotético do filme, o consumo supera a empatia e a alegria em conviver. Sem convivência desejada e refletida, não há política. Sem política, não há motivos para sermos humanos. Basta consumir, transar e sobreviver sempre mais um pouquinho.    



     



       ·                Rubin, Achylle Alexio. Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia. Santa Maria. Editora Palotti. 2001. Página 38



     



     



     










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