quarta-feira, 26 de agosto de 2020

A tirania da maioria: um perigo





Historicamente inúmeros intelectuais contra a democracia argumentaram e, muitos ainda hoje, apontam para o perigo sempre presente de os governos democráticos decaírem para a tirania da maioria. A questão numérica é exata: há sempre minorias e maiorias.

A igualdade numérica (empate) entre as pessoas que disputam algo no grupo nada decide, ao contrário, divide-o. A sociedade dividida está sujeita a crises de violência. Só o que decide (e pacifica) é a desigualdade (numérica). A única paridade (paridade de armas, poderia dizer) ocorre nas regras do jogo. São elas que dão iguais limites aos postulantes na assembleia.

A democracia é uma assembleia regrada que tende a evitar empates numéricos.

A maioria popular quer governar através do seu representante. Levam para os cargos eletivos políticos evidentemente vinculados aos seus desejos. Podendo até ser algoz de si mesma. Esta maioria pode ser opressora e cruel exigindo do eleito coisas antidemocráticas. As massas que apoiam o fascismo é uma prova disto.

A população não é a priori uma massa fácil de manobrar. Mas, a história fartamente demonstra que é possível eu e você, nós o povo, sermos manipulados. Apesar de geralmente não sermos inocentes desta manipulação.

O grupo elite que é o dono real do poder político, ama a democracia sob o ponto de vista da lógica matemática de fazer/criar maioria. E ama por que pode/sabe manipular.
  
Este grupo poderoso não pensa no resultado político das suas ações a longo prazo. Pensa apenas em como ganhar o jogo da maioria dentro das regras (se possível) e no menor tempo possível (no tempo do lucro). A intenção é agir de forma a ampliar o retorno favorável para si com o mínimo de esforço que for possível. É um jogo onde o convencimento é uma ferramenta. Lançado o jogo pela criação de uma maioria, a fraternidade e a confiança não são possíveis entre os contendores.

A questão nada ética é: como maximizar os resultados? O jogo é pesado e o empate é o mesmo que perder. Só haverá consenso ou acordo para que um lado tenha maioria.  Manipula-se o adversário e as pessoas. Lembrando que a melhor manipulação é aquela que mais cria adversários, oponentes, inimigos. Evita-se assim qualquer confiança entre os jogadores.

Nesta disputa necessariamente ocorrerá um efeito colateral. Ao manipular a população, esta vai agir de acordo com esta manipulação por muito tempo. Uma espécie de inércia a fará andar na mesma direção da manipulação. Como um imenso trem, cheio de vagões, que quando precisar parar rapidamente não conseguirá.

É a força cinética se deslocando. Quanto maior o peso (ideológico), maior a inércia.

Os argumentos fascistas ganham a maioria e a convencem do fascismo. Então, torna-se fascista. O risco é grande.

Os poderosos, aqueles que realmente comandam a política, como numa maldição, terão que também conviver neste ambiente fascista. O que não é bom nem para estes poderosos.

O mal de hoje se estenderá no tempo.

É como envenenar o rio com agrotóxico hoje e depois, ao navegar nele para pescas futuras, não querer sofrer as consequências da sua insensatez anterior. O navegante agora deverá agir de acordo com as exigências das águas contaminadas. Não tem escolha.

A democracia, como soberania popular, é frágil em sua manutenção. Principalmente onde o desconhecimento político é moeda corrente, onde o desemprego aprisiona o pensamento, onde a mídia dita modas. A democracia pode se tornar uma demagogia fascista de extrema direita.  Mas o ganhador deste jogo sofrerá as consequências das suas táticas empregadas. 

A energia cinética extremista imposta ao povo não há de se dissipar facilmente. Extremistas gerarão mais extremistas. Funcionários públicos, militares, juízes, promotores e professores: sempre haverá alguém nestes espaços representando os extremismos.  É o efeito colateral do jogo jogado desta forma.

Claro que isto não invalida a democracia, mas acresce sérios cuidados com o cultivo das consciências para a importância vital da reflexão sobre a política.

A democracia não é algo que se estabelece sem esforços, muito menos sem preocupações com a sua manutenção. Mantê-la saudável exige muito esforço.

Meu desejo com este escrito é alertar para a necessidade de melhorar a capacidade de discriminação do povo, de dar mais informações de qualidade, de apontar para a potencialização da reflexão.

É necessário fazer uma melhor distribuição social dos bens culturais: oferta de escolas, de livros, de jornais, de arte crítica, de humor, de tudo que incentive o pensamento crítico na política.  É preciso alertar o povo que ele pode ser tirano de si mesmo.

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