A palavra servidão nos lembra algo a ser evitado.
Quem quererá ser servo de alguém? Não parece viável que uma decisão livre aceite
a escolha da servidão (que é negação de liberdade). Em princípio, são ideias
contrárias e excludentes: liberdade e servidão.
Pela lógica deste parágrafo, é perfeitamente entendível que a servidão
só seja suportável quando os povos se submetem por serem temporariamente fracos,
ou por temerem uma vingança muito maior em quantidade de dor do que suportam
agora, na servidão.
Na obra Discurso da servidão voluntária, Étienne de La Boétie nos remete aos
povos que não só aceitam a servidão, como colabaram com ela. Evidentemente que
o escritor pergunta o por quê disto. Não é comum ao escravo escolher livremente
a sua própria escravidão. La Boétie entende que há motivos para tal
submissão. Se pensarmos que o preço da servidão é a ausência de liberdade, os
motivos para perde-la deveriam ser muito, muito possantes! Mas o que choca é
que os motivos se referem menos à força do príncipe e mais ao costume, a covardia
e a hierarquia social.
O governante age como se não percebesse que seu poderio
todo vem da submissão autoimposta dos povos. E que o dia em que esta imposição não
for mais consentida, o governante cairá em desgraça. Afinal, seus mil ouvidos
que tudo prescrutam, não são os seus. São dos delatores, dos traidores e dos que
querem bajulá-lo. Seus mil pés que tudo esmagam, não são os seus. São dos
próprios vassalos que querem também usufruir um pouco das benesses de serem próximos
do ditador. Sequer as mãos que acionam as armas, são suas! Outros acionam os
gatilhos em nome do fascista. Logo, é previsível que, se o príncipe nada tem, é
totalmente dependente e frágil. Tudo o que o governante acha que é seu, é do
povo que o sustenta.
Basta um sopro e o tirano cai. Afinal, é o mais frágil na
relação povo e governo de um povo. Basta a população nada fazer, nada dar, nada
consentir e o tirano vira pó. Caso ninguém plante para ele comer ou traia os
amigos para mantê-lo sabedor de tudo. Caso todas as suas armas não tenham mãos
para acioná-las ou sua guilhotina não tenha carrascos. O que o soberano de
coisa nenhuma poderá fazer? Nada. É preciso, diz Étienne de La Boétie: que o povo apenas não ceda ao tirano. Não
é necessário revoltas nem mortes. Simples assim. E por que não ocorre esta
rebelião pacífica e terrível ao tirano?
Principalmente, eu aponto após ler o texto de Étienne: o
costume (sempre foi assim, dizem) e o desejo de também usufruir das benesses da
tirania. Segundo Étienne, todos somos tiranetes. O que me lembra Paulo Freire que dizia que
dentro de cada oprimido há um opressor. Acrescento ao Paulo: é só dar uma
chance e o bicho aparece.
Podemos concluir que todo o mal político que hoje nos
oprime, é sustentado e permitido por pessoas comuns. Estas pessoas, inúmeras, anônimas e
insignificantes, são as mãos, os olhos e os pés de quem nos governa de forma
fascista. Fascistas sustentam o fascismo. Alguns por covardia, outros por que
acreditam que sempre foi assim e, a grande maioria, por sonhar participar das
benesses de um governo tirano.
Entretanto, convém lembrar: todo o tirano não confia em
ninguém. Sabe que faz as pessoas sofrerem e que aquelas que se aproximam (mesmo
sofrendo como as outras) querem apenas usufruir do poder. Então, se elas traem seus iguais, por que não
trairiam o governante? Por consequência, assim que puder, o governante há de se
livrar de seus asseclas não por maldade, mas por saber a verdade: todos os que
o apoiam são tiranetes que apenas esperam a sua vez de assumir o poder. Simples
assim.
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