Alunos, informação e pessoas tornadas ignóbeis*.
Prof. Amilcar Bernardi
É de uso comum a afirmação que estamos no mundo da informação. O
que não é informado, não é. Tudo é comunicação de ideias (tudo é, de certa
forma, virtual*). O mundo não é algo tátil, mas algo comunicado, significado.
É possível a seguinte máxima: de um lado ser é ser expressão. Por outro, ser é ser
percebido e (re)significado.
Tanto é verdadeira essa máxima, que sem sairmos de casa conhecemos e
valoramos outros países e culturas (damos significado ao que pessoalmente não conhecemos). Nas redes sociais
contatamos pessoas, tornamo-nos amigos e, não raro, nos apaixonamos e até nos casamos.
Conhecemos coisas e pessoas através de sons, imagens e, não necessariamente,
por contatos físicos (e estes mediados pela fala – sempre!)
É fato: inúmeras vezes sequer o contato físico é necessário
para conhecer.
Antes de trabalharmos em uma empresa, ela quer saber do nosso
conhecimento. O administrador – sem nos ver - lê nosso currículo, avalia testes
e entrevistas com psicólogos. Ele quer nos conhecer (virtualmente) para
aferir a quantidade e a qualidade das informações/conhecimentos que temos
a oferecer à empresa. Caso essa avaliação à distância seja negativa,
somos impedidos como pessoa real de
pertencer ao quadro funcional da instituição.
Na nossa vida pessoal não é tão diferente. Quando elegemos uma pessoa para
amarmos, a escolhemos porque o que ela sabe/pensa/conhece é agradável
para nós. Após ouvir o que ela expressa, só então a aceitamos/rejeitamos
como candidata a ser pessoa
amada. Não a escolhemos pelo corpo ou pela beleza.... é muito pouco! Afinal, ficamos
encantados com o que a pessoa nos informa (informação!) que é.
Na Grécia clássica ser escravo era não ter voz (nada informava à
Polis). Aquele que era escravo não era ouvido, não tinha como expressar-se.
Não informava, logo, não era alguém na política, não podia ser avaliado como cidadão.
Imagina hoje! Quem não pode ser/ter informação, nada é... ou é
pior que um escravo grego!
Penso que o pior que podemos fazer na atualidade é tornar uma pessoa ignóbil.
Melhor dizendo, tornar o que a pessoa sabe (e ela é o que sabe) uma informação
ignóbil. Podemos menosprezar o que uma pessoa informa, podemos diminuir o que
alguém sabe e diz. E isso a ponto de tornar a pessoa uma persona menos, desprezível, não audível! Neste caso nos tornarmos
surdos para quem fala o que desprezamos. Tornamos a pessoa (que se expressa) algo
sem significado! Isto é horrível. Ainda mais na sociedade da informação!
Fico pensando sobre o aluno que “não aprendeu”.
Os instrumentos avaliativos, neste caso, afirmam que o aprendiz tem pouco
(ou nada) a informar sobre os conteúdos trabalhados em sala de aula. O que
ele tem a informar é desprezível (em relação ao ambiente acadêmico). E
mais: caso o aluno avaliado desfavoravelmente demonstre sua insatisfação, a sua
expressão/pessoa(al) é desprezada (tornada irrelevante). O que
ele quer comunicar (ele mesmo é uma informação) não é ouvido: são
informações ignóbeis (tornadas ignóbeis pela autoridade escolar). Então fico
refletindo...
A avaliação mal sucedida é apenas o desprezo pelos infinitos saberes (extraescolares)
que o aprendiz tem? E a avaliação “nota dez”? Seria apenas a supervalorização dos
saberes escolares sobre outros (já pré-valorizados)? Portanto, o “dez” é a
exclusão dos saberes (tornados) ignóbeis?
Se eu sou o que expresso, o que sobra de mim se minha expressão é
desprezada?
Evidente que não tenho respostas. Porém tenho uma convicção.
Não podemos tornar conhecimentos pessoais desprezíveis ou de segunda
classe. Se assim o fizermos, pessoas serão menos, serão desprezadas e não
ouvidas. Toda a pessoa é informação e tem informações. Toda a pessoa sabe (sabe
algo). Ninguém tem o direito de tornar ignóbil alguém porque informa o que não é
esperado para um contexto específico (no caso, a escola). Sei que o contexto
escolar exclui muitas informações/saberes/pessoas. E isso não é bom.
*A expressão “ignóbil” é utilizada no sentido do que é tornado “não nobre”, do que é desprezado.
* A expressão
“virtual” é utilizada tanto no sentido dado pela informática, quanto no sentido do que não
existe no momento, mas que tende a existir.
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