Ele ia ao escritório de
transporte público diariamente. O escritório é no centro da cidade, onde não há
mais estacionamento possível. Portanto, deixava o carro em casa e ia ao
trabalho de ônibus. Coisa previsível, chata, rotineira. Pela manhã cedo,
juntava-se a um pequeno grupo de pessoas que esperavam o transporte coletivo.
Todas em silêncio. Olhando o horizonte a espera do surgimento do veículo ao
longe. Quando isso acontecia, uma eletricidade percorria aquelas pessoas.
Ficavam atentas, os corpos retesavam-se como raposas quando veem a caça.
Evidentemente, o mesmo fenômeno acontecia com ele. E assim era diariamente. Não
havia surpresas ou estranhamentos. Tudo simples e direto.
Em uma manhã, ele estava –
como sempre – com o olhar fixado no horizonte a espera do transporte, quando a
moça passou ao seu lado e, como todos, ficou a espera também. Era bem provável que ela sempre estivera ali
próxima a ele, entretanto, os sentidos dele ainda não a tinham captado até este
dia. Era um milagre: ela surgiu no mundo dele naquele momento! Do inexistir ao
nascer nele: um segundo! De dentro do corpo dele, através das vidraças dos olhos,
viu a moça. Morena, altura mediana. Formas arredondadas. Preenchiam cada
centímetro daquelas calças. Rosto de traços suaves e sereno. Como todos ali no
ponto de ônibus, ela cumpria o ritual previsível de esperar o ônibus. Estava
próxima dele, mas estava na infinita distância espiritual dos que se
desconhecem. De dentro dele pensou: que
maravilhoso enigma! Uma moça bonita e graciosa, um mundo humano inteiro a minha
frente. Eu me sinto um astronauta indo a marte. Indo em busca do desconhecido.
Meu corpo é a nave, minha alma o comandante. A moça é o planeta. Ah! Adoro
metáforas!
Rotineiramente se encontravam
no ponto de ônibus. Ele a esperava. Ela comparecia. A moça era sempre uma
esperança de alguma novidade. Quem sabe ele falaria com ela? Quem sabe ela o
veria hoje? Ou ainda, ele hoje poderia ouvir a voz dela?! Mas nada acontecia.
Então, ele ficava na esperança de vê-la novamente e esperava o milagre (re)acontecer.
O milagre dela aparecer para ele: o astronauta que queria pousar no mundo dela.
Mas a moça morena, bela e sedutora, na sua rotação planetária não podia
perceber o ínfimo navegante espacial: um mero fragmento quase invisível. A aparência dele não é de chamar a atenção de
ninguém, muito menos dela. Mas ela, como todo planeta, tem força gravitacional
atrativa. Ele passou a volitar em sua volta, como um humilde satélite.
Viajavam juntos no ônibus.
Ela sentada, ele em pé. Gostava de vê-la. Ele era uma espécie de escritor voyeur.
Os olhos dela nunca cruzaram com os dele.
De dentro do corpo dele, pensava: como ela reagiria se soubesse que era
uma pessoa importante na vida de outra? Como ela se sentiria se soubesse que
era a esperança de alguém? Que era uma visão esperada diariamente por um
desconhecido? Que a beleza dela era observada delicadamente por um cidadão tão
igual aos demais cidadãos? Que ela seria descrita numa crônica? Uma crônica que
ela talvez nunca lesse, e se lesse, não saberia que era escrita para ela?
A moça morena de corpo
bonito diariamente cumpria seu compromisso: apresentar-se para os olhos de
alguém que adorava observá-la. A timidez do observador nunca iria permitir a
aproximação. Ele ficará sempre dentro do seu corpo, observando pelas janelas
dos olhos a bela moça morena. Nunca ele saberá quem ela é, quem ela ama, quem é
sua família. Por outro lado, ela nunca saberá que foi importante para alguém.
Que embelezou as manhãs de uma pessoa tímida. Ela nunca saberá que acrescentou
vida em outra vida. O moço ficou imaginando o milagre que foi tudo isso! Aconteceu
sem que as pessoas percebessem.
A moça desta crônica foi um
milagre para ele. Antes dela, ele ia à parada de ônibus esperar o transporte
público. Depois dela, ele ia à parada para ver a mulher bonita que não sabia da
existência dele. Antes dela ele viajava sozinho no ônibus até o centro da
cidade. Depois que a viu, ela passou a fazer companhia para ele no ponto de
ônibus e no trajeto. Sem que ela soubesse, tiveram muito tempo juntos,
diariamente. Escrevo esta crônica em agradecimento a ela. Obrigado moça por
fazer daquele moço um astronauta viajando para ti. É verdade que nunca ele te
encontrou no final desta viagem espiritual, pois tu és o planeta marte e ele é
apenas um pontinho viajando, um asteroide. Mas que importa? O que valeu mesmo
foi a viagem, o sonho, a esperança e a alegria dele ver-te. Obrigado por este
milagre.
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