Estava realizando uma videoconferência com uma pessoa
amiga. Eu no centro do Rio Grande do Sul. Ela em outro estado da federação. Como era de se esperar, o tema polarização da
política nacional assumiu o controle sobre nós. Tornamo-nos sujeitos dominados
pela temática. Entretanto, logo percebi
que era uma espécie de monólogo. A pessoa falava e não assimilava os contra-argumentos.
Quando percebia alguns fragmentos do meu discurso, os transformava em pedras e
jogava-os contra mim. Rapidamente
percebi a situação, desconversei e pronto; desconectei-me. Esse fato me lembrou que no início dos anos
dois mil, o assunto acadêmico da moda era a sociedade em rede, a globalização e
a mundialização. Enfim, as pessoas pensavam sobre como o mundo era pequeno e
como tudo se interligava. Os acadêmicos falavam
do “efeito borboleta”. Ainda gosto deste tema, por que ele não morreu.
Caro leitor, veja que no início do parágrafo anterior eu
falei em videoconferência. Portanto, estava conectado, estava em rede, estava
globalizado, mundializado. A pessoa com a qual eu falava estava a minha frente,
mesmo estando a centenas de quilômetros distante. Próximos, muito próximos! Ah!
Maravilha tão comentada no início do século vinte e um. Entretanto, a conexão
era falsa. A pessoa do lado de lá não estava conectada comigo. Não queria
ouvir. Não queria conectar. Não queria a empatia. Então, onde a sociedade em
rede? Onde o fluxo de informações? Onde a sociedade do conhecimento? Tudo isso não está fora do ser humano. A conecção está na alma. Na mente. No espírito. No sentimento.
A pessoa que monologava comigo on line, não estava
conectada. Defendia um personagem/candidato que não se conectava. A pessoa
argumentava com “não-argumentos”. Não queria rede, não queria conecção, muito
menos dicção. A pessoa estava necrosada, pois não deixava fluir sangue nas
veias da rede comunicacional. Ela queria cortar laços com o mundo para poder
ter e ser a verdade. Se a rede fosse um tecido humano, esta pessoa seria um
conjunto de células morrendo por não comunicar-se com as demais. Anestesiada
pela fé no cidadão/candidato, morria sem dor. Uma espécie de suicídio assistido.
Afinal, outras pessoas provavelmente a incentivavam a desconectar-se, a morrer
sem fluxo de vida.
Vivemos num mundo tecnológico que permite a existência de
uma rede, de uma fluência de informações e de pessoas. Entretanto,
especialmente este candidato, quer o inverso. Cada pessoa que nele crê,
desconecta-se. Não pensa a história. Não pensa no outro. Não pensa no futuro.
Não pensa no vizinho negro. No sobrinho homossexual. Na mãe e na irmã. Não lê
notícias críticas. Ameaça quem pensa diferente. Não quer o fluxo de
informações. Morre por asfixia. Morre por deixar a rede. Morre por desconexão. Estes
sujeitos são necromantes. Sofrem (e gostam da) de necrose. Não se ligam. Não
ligam para ninguém. Para estes, a sociedade não pode estar em rede.
Os necromantes não dialogam. Eles comunicam verdades. Por
isso não entendem nem se entendem. Brigam. Morrem. Insultam.
Os necromantes são insidiosos. São como um vírus de
computador. Entram nos sistemas e deletam dados. São cavalos de Tróia nos sistemas.
São robôs que obrigam o sistema a fazer tarefas que destrói seus próprios dados.
Estas pessoas não podem deixar as informações passarem. Para elas não pode
haver história. Não pode haver reflexão. São necromantes parmenídicos. A
mudança é ilusão. Só a violência e a irracionalidade são verdadeiras para estes
sujeitos quase-mortos. Evidentemente, a violência e a irracionalidade necrosam
a rede, cortam fluxos. Os necromantes provocam entupimentos nas veias dos
tecidos. Para estes, a sociedade não pode estar em rede! Não pode estar viva!
Os seguidores deste candidato mórbido odeiam a comunicação,
a fluidez, a vida em rede. Que caiam os sistemas! Que as trevas se façam! Que a
comunicação nada comunique! Que venha a barbárie! Um mundo apocalíptico cheio
de necromantes: nunca uma sociedade em rede!
Tenho certeza que um mundo assim, desconectado e
desamoroso, não perdurará muito tempo. É autofágico. Se passarmos por isso,
será talvez libertador. Provaremos o amargo remédio contra a necrose: a
experiência da violência que nos fará desejar a paz, a concórdia e o diálogo.
Então, retornaremos ao início do século vinte e um revisitando os conceitos de sociedade
em rede, de mundo conectado.
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