sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A importância da confiança. A razão como árbitro social que deve ser evitado.

 

 

Pretendo fazer algumas reflexões sobre a importância da confiança uns nos outros. Levamos milhares de anos para desenvolver este sentimento que nos une. Este sentimento, apesar de ser a “cola” social, é tão pouco valorizado que está desaparecendo.

 

Quando falo em confiança lembro da esperança: aquela não existe sem esta. Percebamos que, tanto a confiança quanto a esperança, são crenças. Acreditamos que se sempre deu certo nosso comportamento com alguém, o mesmo acontecerá amanhã e com outras pessoas também. Basta as condições serem similares. Será?

 

Apesar de não ser imediatamente punível o “crime” de desesperançar e de promover a desconfiança, continuamos nos sentindo confiantes como se houvesse alguma garantia acima de nós. Entretanto, não há uma necessária reciprocidade entre minha aspiração e o resultado previsto como consequência! Posso sorrir para meu vizinho na esperança de ser retribuído. Mas ele pode virar a cara e pronto. Quebrou impunimente minha expectativa de equanimidade!

 

Explico para ir aprofundando.

 

O que garante esta relação equitativa entre a ação e a reação entre as pessoas? A garantia é apenas esta: a repetição, o hábito, a crença e, portanto, uma credibilidade autoimposta.

 

Ingenuamente cremos que as pessoas são honradas e íntegras. Por isso cumprimentamos nosso vizinho na certeza da igual retribuição. Pelo mesmo motivo nos habituamos a esperar que as promessas sejam cumpridas, que o transeunte desconhecido não nos agredirá. Uso a expressão ingênuo no sentido de inocente. Como é uma criança.

 

Vamos nos afastar das experiências bem sucedidas do dia a dia para acrescermos um novo elemento: a razão.

 

O que aconteceria se a situação A quando contraposta a B, não tivesse a conclusão esperada contrariando as expectativas habituais?  Exemplifico: Maria sai de casa com sua sombrinha. Então Paulo que a vê sair com a sombrinha nas mãos, acredita que está chovendo. Ao questionar Maria por sair em um dia chuvoso, ela responde: Nada a ver com chuva. Saio com ela porque o sol hoje está muito forte!  Escancara-se que não há uma consequência lógica necessária entre a sombrinha e a chuva! Há apenas um hábito que sugere a ligação entre ambos. Chamada a razão para intervir, ela conclui que o hábito quer dizer pouca coisa.

 

A razão não crê.

 

A razão tende, quando bem conduzida, a destruir mitos e esperanças infundadas. Dói, sei, mas é verdade. O uso da razão interfere drasticamente nas relações humanas.

 

A razão limita as crenças sociais. Logo, limita a confiança. A razão é desejável, mas é perigosa para toda e qualquer crença como liame social. O que não significa que ela seja melhor ou pior. Ela é outra esfera da vida humana, a do julgamento.

 

Como fica então a confiança e a razão? Continuemos.

 

É fato que só vivemos em sociedade por que vivemos entre acordos dependentes da confiança. Acordos geralmente inconscientes: quase um atavismo.  Respiramos dentro das águas da cultura, da moral, das crenças e das esperanças. E tudo isso só foi possível por que desenvolvemos as linguagens. Com isso quero dizer que levamos milhares de anos para nos comunicarmos e na sequência, passarmos a ter esperanças compartilhadas.

 

Eis a fórmula: eu creio se tu crês.

 

O que nos sustenta enquanto sujeitos políticos e sociais são estes contratos não ditos, mas sempre presentes. A racionalidade apenas acompanha de longe. 

 

A racionalidade é uma espécie de árbitro que só interfere se provocado por uma das partes; quando há litígio entre os crentes sociais.

 

A confiança mútua garante a civilização. Entretanto, a razão a atrapalha. É a razão que nos mostra a vantagem imediata de ludibriar (mesmo que a desconfiança seja um mal social).  Evidentemente que não quero excluir a racionalidade das nossas vidas! É que este texto quer tratar mais da confiança e de sua vital importância para a sociedade fraterna.

 

Mas há outro exemplo que nos fará avançar mais um passo.

 

Imaginemos. A Maria está sozinha numa rua escura. Seu carro quebrou. Já pediu ajuda pelo celular. Nervosa, após um tempo, vê outra pessoa se aproximando na escuridão. Não dá para distinguir bem  quem se aproxima. A pessoa parece sinistra nas sombras. Maria não percebe que é Paulo que vem em sua ajuda. Então, ela totalmente em alerta e desconfiada, ao ver a figura estranha se aproximar espera o pior. Fecha os punhos e pretende lutar pela vida. Logo percebe que não há perigo.

 

Na emergência a razão preponderou. Ela calculou os riscos e indicou a desconfiança como melhor solução.

 

O que aconteceu?  Neste contexto não usual, a razão fez seus cálculos e disse à Maria que havia riscos. Que ela deixasse de lado a confiança. Não havia razões para confiar, para manter a crença habitual que as pessoas geralmente não agridem umas às outras! A moça cedeu à razão e esperou o pior. Desacreditou, desesperançou, desconfiou. A sensação, como podemos imaginar, não foi boa. Basta desconfiar para esperar o pior.

 

Todos os séculos de aprendizagem nos contratos sociais e nos acordos habituais, em segundos desapareceram.

 

O contexto e o instinto de sobrevivência acionaram a razão. Ela, maximizando vantagens e minimizando riscos,  avaliou os altos custos de manter a confiança naquele contexto assustador.

 

Teorizemos. Se nosso país se tornar um contexto assustador. Se as pessoas que não são probas assumirem as rédeas da sociedade. Se a mentira e o medo se estabelecerem motivados por discursos de ódio, desacreditando nos laços sociais. Se as teorias das conspirações malditas se tornem dignas de crédito. Então, teremos a desconfiança máxima e, obviamente, a confiança mínima!

 

Será o fim da confiança e o início da descrença. A razão será o único árbitro confiável. Lembrem: a razão não crê, ela calcula.

 

A razão será chamada a intervir. Então ela desconfiará. Fará cálculos dos riscos. Seremos sujeitos desconfiados, descrentes e precavidos. Cada pessoa será alvo de avaliação do custo e do benefício do contato. Será sempre necessário salvaguardas, fianças, cuidados e guarda-costas (caso estes merecerem confiança!)

 

Eu prefiro um mundo de pessoas de boa-fé, de sujeitos probos e confiáveis. A racionalidade é boa em outras circunstâncias, não nas relações fraternas e confiáveis.

 

Não deseje um mundo que seja uma rua escura, perigosa e cheia de pessoas desconfiadas. Ilumine tudo. Estenda a mão. Creia que há gente boa sim. Fica a dica: evita quem quer a escuridão e o medo. Creia em mim: não vale a pena!


 

 

 


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