segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A máquina do ódio da Patrícia Campos Mello. Tentativa de resenha

 


 

 

Pretendo comentar o livro Máquina do ódio, escrito pela jornalista Patrícia Campos Mello; editora Companhia das Letras. Uso o termo comentar porque não consigo me ater aos limites das resenhas literárias.  A obra se torna para mim uma inspiração que me faz excedê-la. Entretanto, tento não fugir do que li, mas o risco é grande!

 

Quando li o título do livro da Patrícia, chamou a atenção a expressão máquina. Máquina é um objeto feito de partes menores que se inter-relacionam de forma harmônica. Potencializam-se. A máquina é um dispositivo que transforma energia em trabalho. E o trabalho existe para obter um produto.

 

Procurei na obra elementos que justificassem o termo máquina.  Então encontrei ideias que, de fato, justificavam a palavra. O Brasil vive um tempo de fábrica industrial de falsas narrativas. Há uma campanha fabril de desinformações. As redes sociais estão infectadas por células da extrema direita. Estas células funcionam como engrenagens na máquina para fazê-la funcionar bem.

 

Acredito que estas ideias (negritadas) justificam o título. O ódio não vem disto ou daquilo. Ele vem de um conjunto de peças que, quando azeitadas e acopladas, produzem exponencialmente este sentimento.

 

A ideologia dos candidatos populistas reduz/empobrece a linguagem para melhor manipula-la. Veja que o governo federal brasileiro reclama da mídia. Mídia no singular. A reduz a uma coisa única, palpável, identificável e unívoca.  Por consequência o senso comum crê identifica-la aqui ou ali e a agride.

 

Ora, sabe-se que não há uma única mídia! São inúmeras. Rádios, canais de TV, jornais escritos e virtuais, blogues, revistas e etc. Algumas mídias são conglomerados. Outras tem um dono só. Algumas são profissionais, outras nada profissionais. Temos as patrocinadas por empresas (anúncios, por exemplo) e outras por doações se tornando membro (pelos coletivos  Catarse e  APOIA.se no caso dos canais do YouTube).

 

Percebe-se que esta unificação do termo mídia é um momento da manipulação pela linguagem da opinião pública. Quer-se a deslegitimação das mídias, mas não só delas, das ciências também (leia-se aqui o negacionismo oficial da pandemia).

 

Ora, são estes dois elementos (as mídias sérias e as ciências) que podem se contrapor ao populismo destes governos. Então, são os mais atacados por eles.

 

No Brasil, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) registrou 208 agressões físicas ou verbais a veículos de comunicação e jornalistas em 2019. Bolsonaro foi o responsável por 58% dessas agressões — 121 dos 208 ataques.

 

A ordem é evidente: Ataquem a mídia (no singular). Subliminarmente há outra ordem: Os meios que nos apoiam são outra coisa que essa mídia aí. Saliente-se a confusão deliberada sobre o que são as mídias e para que elas servem.

 

O livro não fala em governo de extrema direita. Refere-se a governo populista.  Eu usaria o termo fascista de extrema direita.

 

Para que a máquina de ódio funcione, estes governantes que manipulam a opinião pública, tentam driblar a mídia, pois esta está corrompida (sic) pela mentira, afirmam. Por consequência, o governante populista fala diretamente como o povo. Melhor dizendo, com seus apoiadores. Lembram-se do “cercadinho” da Alvorada?

 

Para isso usam (diretamente e indiretamente) as redes sociais. Geralmente o twitter e o whatsapp . Com recursos públicos fortalecem os canais no Youtube e os blogs que os apoiam. E, é claro, também as TVs que são favoráveis aos seus discursos. Então, mídia boa é a subserviente. Seus apoiadores não percebem o conflito lógico deste apoio: afinal, a mídia (que o populista diz que é uma coisa única) é boa a ponto de patrociná-la ou má a ponto de odiá-la?

 

Sabe-se que para o líder populista, as perguntas lógicas não são bem vindas. E, caso se refiram às suas ideologias, pior ainda!

 

As mensagens dos populistas são virais, tóxicas e simplistas. São curtas e facilmente inteligíveis.  São agressivas, violentas e sonoras. É isso daí porra! As mentalidades agressivas e violentas são cooptadas rapidamente. Está feito o estrago. Estas mensagens não pretendem atingir um público altamente letrado (e leitor) e reflexivo.

 

A mídia mente. O comunismo está aí. A corrupção é isto aí. A pandemia é coisa de maricas, porra. Cada micro ideia é um tiro.

 

As principais engrenagens que movimentam esta máquina do ódio são virtuais e mitológicas. Invisíveis, mas onipresentes. A energia que as move são humanas. São pessoas que dão vida aos robôs, aos youtubers e às manipulações das informações. A tecnologia, os chips, as câmeras e os microfones são apenas instrumentos. Manipuladores e manipulas criam falsas narrativas. As narrativas organizam os fatos. E se não for possível manipulá-los, são substituídos, (re)inventados.

 

Uma vez “impulsionada”, a narrativa é então propagada naturalmente pelas redes orgânicas, que são as pessoas de carne e osso que acreditam naquilo que está sendo veiculado.

 

O que é um fato que ninguém viu? O que nos é contado. O que é fotografado. O que é descrito. O que é comentado. Então, o que é um fato mesmo? O que o populista e seus apoiadores definem que são. E há sempre quem acredita!

 

“Nossa visão é: não entre nesses grupos grandes, com gente que você não conhece. Saia desses grupos e os denuncie.” A maioria dos grupos públicos de WhatsApp era de apoio a Bolsonaro.

 

Todos sentimos na pele a quantidade de informação que nos rodeia. Não há como assimilar tudo. Muito menos checar tudo. Tirando da imprensa séria e profissional toda a credibilidade, fica mais difícil ainda. O líder populista sabe disso. Mantém tudo hiperfragmentado. Aí residirá a desinformação. Então o populista dirá: Perguntem para mim diretamente sobre a verdade, eu respondo.

 

Não somos os únicos. Nas Filipinas, na Índia ou nos Estados Unidos, políticos recorrem a exércitos de trolls e bots para construir narrativas que os favoreçam. É este o novo mundo em que vivemos: fatos são moldáveis.

 

Há que não deixar as pessoas refletirem. É preciso dizer muito para não facilitar o conhecimento. Lembremo-nos que a informação é um conjunto de dados ou de notícias. Já o conhecimento é quando relacionamos as informações, formamos ideia própria através de um relativo domínio sobre o assunto.

 

Assustador é quando a autora alerta que os políticos moderados, de “mensagens mornas”, tendem a desaparecer. E porquê? O contexto atual favorece o discurso violento, que chame a atenção, que berre nos nossos ouvidos.

 

O próprio modo de funcionamento das redes sociais atua de forma a não favorecer políticos — e ideias — moderados. Na política da velha guarda, quem quisesse atingir o maior número de eleitores tinha de recorrer a mensagens moderadas, com ideias que pudessem ser abraçadas pela maior parte das pessoas. No tecnopopulismo, o jogo é outro.

 

Estamos num tempo pior que aqueles em que pão e circo eram suficientes. Agora é grito e porrada. Tá ok?

 

 

 

 

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