quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

A corrupção, o lucro a priori e o desenvolvimento da ética pública.

 


 

Ser contra a corrupção é universal. Pelo menos no discurso. É muito fácil repetir o que já foi dito tantas vezes. Mais fácil ainda é repetir algo que todos acham que sabem o que é.

 

Os simplórios creem que sabem a salvação do país: basta torna-lo um país governado por heróis incorruptíveis. Deixar ao Estado o que é do Estado. Deixar ao privado o que a ele pertence. Basta isso para solucionar tudo. “Dar a Cesar o que de César...”. Então virá a paz social e o crescimento econômico automático. Ilusão!

 

A solução parece tão fácil! Mas a coisa é complexa como veremos no parágrafo abaixo.

 

O cidadão desavisado acredita que caso entreguemos a política aos políticos, a corrupção transbordará (“Todo o político é ladrão”). Caso deixemos a máquina pública aos servidores públicos, a corrupção florescerá (“Todo o servidor público é corruptível”). Se deixarmos o espaço público aos agentes públicos o Estado será destruído pela má gestão. Toda a pessoa tem seu preço! – Dizem. Estas crenças propõem que o povo sofrerá se ficar entregue a seus próprios representantes! 

 

Aceitar estas crenças é afirmar implicitamente que o público deve ser gerido por algo que está fora dele. Seria, então, gerido pelo espaço privado (o out sider do Estado). Então, o administrador privado incorruptível e técnico seria o melhor gestor do Estado mínimo? Evidentemente que não! Vamos contrariar estas crenças.

 

Vamos aos poucos. Primeiro vamos observar o que é a corrupção.

 

A corrupção se realiza por ações ou omissões que pretendem obter vantagens. Algum tipo de “lucro líquido” de A sobre B. Lembrando que este lucro não é sempre quantificável em reais.  Esta vantagem vem em desvantagem do interesse comum. É um comportamento onde um lado ganha algo e o outro lado perde sem obter contrapartida equitativa. Um lado se empobrece ao contrário do outro.

 

A pobreza pode ser material ou espiritual.

 

Na corrupção o público é forçado a ser subserviente ao privado.  A corrupção é algo que não podemos apontar como sendo isto ou aquilo: é um conjunto de práticas imorais e ilegais. Práticas que promovem vantagens privadas em detrimento do público.  É disso que falamos.

 

De onde vem as vantagens que corrompem o gestor público?

 

O espaço público sozinho não corrompe o agente público, óbvio. É preciso acessar dinheiro fácil. Então a sedição/sedução só pode vir da esfera privada. É ela que negocia contratos, que envia valores para bancos no exterior, que compra e vende, que se interessa pelas licitações e que tem os recursos.

 

É o espaço privado o principal incentivador da corrupção pública.

 

Percebamos que se a corrupção sumisse totalmente; ou seja, que a política pudesse gerir o espaço político autonomamente (sem as seduções do espaço privado), que o judiciário fosse totalmente alheio ao que não se refere a justiça, e que os governos fossem totalmente incorruptíveis, mesmo assim não haveria garantia da imediata qualificação da vida dos mais humildes. Não haveria, necessariamente, o pronto crescimento econômico como consequência direta e inevitável de um Estado incorruptível.

 

Insisto: Mesmo na hipótese de um liberalismo máximo num Estado incorruptível gerido por técnicos do mercado, não garantiria a melhoria da vida das pessoas. Talvez de algumas apenas.

 

É necessário equalizar algo que vem antes, bem antes dos atos ímprobos: o desejo de lucro a priori.

 

Lucro é a tendência em obter sempre algum tipo de vantagem líquida sobre alguém ou sobre uma instituição. Portanto, não é uma conduta propícia ao desenvolvimento pleno da dignidade humana.

 

É preciso uma ética pública que pense a cultura do lucro antes da reflexão sobre a corrupção.

 

Uma ética que pretenda ser redutora do desejo a priori de obter vantagem. É Preciso uma reflexão biocêntrica que pretenda a fraternidade, a comunidade e o fortalecimento das ações cooperativadas.

 

Somente a eticidade pública motivada pela cooperação e pela fraternidade trará qualidade de vida para todos.

 

Evitar a corrupção é essencial, mas é apenas o primeiro passo. Entretanto, só há passos eficientes quando sabemos eticamente para onde ir.

 

O desejo de cada um de obter vantagens corrompe o Estado, as escolas e os jovens. Estes, mesmo antes de se tornarem gestores públicos, já terão as almas viciadas no hábito de querer ter sempre mais. Vão por toda a sua vida continuar competindo para vencer. Sempre lutando para obter vantagens e, por fim, morrendo deixando para trás exemplos deletérios para as gerações futuras. E serão estas gerações as novas gestoras públicas com os mais velhos vícios herdados.


 

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Quêm lê muito não faz nada. Verdade?