segunda-feira, 29 de abril de 2013

A escola baseia-se na mística e na confiança

Prof. Amilcar Bernardi

Quando os pais escolhem uma escola para seus filhos, na verdade depositam nela fé e esperança. Ambos os sentimentos são “sentidos” antes de frequentá-la. Quem escolhe, escolhe com um pé no presente e o outro no futuro. A escola que escolhemos hoje deve nos deixar seguros na sua estabilidade pedagógica, para que amanhã possamos manter nela nossos filhos. Esses sentimentos bastante irracionais como a fé e a esperança, podem ser resumidos na palavra: confiança.
Se não confiarmos, não poderemos escolher esta ou aquela instituição de ensino. Confiança tem a ver com a manutenção de uma conduta por um determinado tempo.  Uma escola que mude seu plano global, sua filosofia anualmente, com certeza será menos confiável. Da mesma forma, se o quadro de professores não se mantém, é uma preocupação importante. Em ambas as situações hipotéticas a desconfiança cresce. Um “tanto” de estabilidade e um “tanto” de rotina faz com que confiemos mais, ou no mínimo, faz com que nossas escolhas atuais possam se manter no tempo.
A tensão entre a permanência de um jeito de ser da escola e a velocidade das mudanças no sec. XXI, é uma questão chave. Como a escola se posiciona nessa tensão trará a (des)confiança. Se ela ficar petrificada, sem mudanças, morre inerte. Se mudar sem reflexão, rápida, perde credibilidade e... morre também. Escolas são ambientes que se justificam pela confiança, pois educar e confiar são um binômio inseparável.
Portanto, não creio nos que falam que todas escolas são lentas, ainda medievais porque não mudam no ritmo da modernidade. Penso que a velocidade da confiança não é a mesma velocidade da modernidade. Não podemos esquecer que estamos num tempo de inconstâncias, de medos e desconfianças. Caso a escola siga este mesmo ritmo, sofrerá dos mesmos males.
A racionalidade que acompanha a escolha por esta ou aquela escola é muito especial. Escolhemos por uma mística que exala da filosofia que sustenta a instituição escolar, que a faz única. Disse por duas vezes a palavra “mística”, porque ela sugere algo de mágico, misterioso. Ao escolher, antes de tudo acreditamos, mesmo que por caminhos mentais aparentemente racionais. Digo aparentemente porque passamos a confiar, a crer numa proposta e desacreditamos em outras tão racionais e lógicas quanto a por nós escolhida. Esse mistério que nos vincula a uma proposta educacional só se mantém enquanto nela tivermos confiança.
Não podemos igualar a velocidade das mudanças escolares às mudanças tecnológicas e às invencionices metodológicas. Muito da desconfiança que as pessoas nutrem umas pelas outras, tem relação com as mudanças aceleradas que nossa cultura sofre. As escolas não podem sofrer do mesmo mal. O mistério que nos mantém engajados a esta ou aquela instituição educacional é o cerne da educação escolar. A fé e a confiança tem seu tempo próprio. Acelerar é apostar no consumismo e na desconfiança que inspira tudo que é perecível, mutante e, portanto, irrelevante.



sábado, 30 de março de 2013

Saudades antecipadas

 Prof. Amilcar Bernardi

É uma relação de longa data. Sinto especial angústia porque não durará muito tempo. Muitos dizem que essa relação está fadada ao desaparecimento, apesar de ser uma relação já longeva. A tecnologia digital estaria tornando obsoleto o papel.
 Quando leio o jornal impresso, uma eletricidade quase sensual percorre meus dedos. Talvez porque quando eu era adolescente, quase criança ainda, adorava ler a biografia dos grandes poetas brasileiros, os clássicos, como Castro Alves, Fagundes varela, Cruz e Souza. Percebi que na época desses poetas, os jornais alimentavam a vida deles. Os impressos davam vida pública aos escritos deles. Eu então, inspirado por tais biografias, sonhava em ser como eles. Para isso desejava escrever para jornais, ter uma coluna opinativa.
Pois é, meu primeiro emprego foi num jornal de Santa Maria! Estudante ainda, eu era humilde vigia nesse jornal. Não estudava jornalismo, mas sim Filosofia. Meu lugar de trabalho era bem longe da redação! Mas logo comecei a escrever, por gentileza do jornalista responsável, pequenos artigos nos espaços destinados ao leitor. Como eu disse, é uma relação antiga.
Sinto um chamado forte, como se o jornal fosse um diário de adolescente onde eu tenho que escrever algo. Inúmeras vezes nem sei o que escrever, mas o chamado é o mesmo, forte, profundo, obscuro, visceral.  Invejo os escritos nas colunas opinativas. Alguns são de extrema qualidade.  Bicca Larré é um bom exemplo da qualidade a que me refiro.
Assim como um maestro conduz os violinistas da orquestra, observado em êxtase pela plateia; ao ler o jornal imagino-me escrevendo, regendo palavras para o deleite intelectual dos leitores. Acredito que o enlevo é o mesmo, o do maestro e o do escritor que imagino ser.
Sei que minha visão é romântica. Mas se não houvesse um romance nessa relação, ela não seria encantadora e, portanto, não seria merecedora das palavras que estou amorosamente materializando aqui.
Amo as folhas grandes do jornal. Amo seu cheiro específico. Amo seus acertos e deslizes. A história moderna só foi possível pelos jornais, pelos jornalistas e pelos escritores que despejaram tantas ideias nas pessoas através desse encantador meio de comunicação social. Tenho uma relação poética com o jornal, acho-o algo além de um informativo, é uma manifestação artística.
Escrevo agora imaginando que um dia a tecnologia digital substituirá o jornal de papel. Então, já declaro meu amor e saudades antecipadas.

sexta-feira, 29 de março de 2013



A realidade da separação corpo e mente

                                                                       Prof. Amilcar Bernardi

Quando penso em separação corpo/mente vem à minha cabeça Platão e Descartes. Tinham eles, e outros é claro, um ideal de separação onde a mente tinha evidente superioridade sobre o corpo. Cheguei a crer que essa separação estava sepultada pelos avanços da Psicologia e da Filosofia. Porém, essa dicotomia atingiu o ápice na proporção em que a tecnologia avançou e tornou possível na prática diária essa divisão corpo (pesado, fixado) e a alma (como conhecimento e informações voláteis e onipresentes).
É do senso comum que hoje o que “vale” é o conhecimento. Pessoas que sabem mais são mais, mesmo que seja pouco provável que saibamos identificar o “saber mais” do “saber menos”. Parece que pessoas mais espertas merecem o sucesso e as almas mais obtusas nada merecem, ou merecem bem menos.
As tecnologias favoreceram e realizam de fato a separação corpo/alma. Hoje, e cada vez mais, as mentes viajam volatizadas, descorporizadas pelo mundo virtual. Elas vão a qualquer parte do planeta, viajam por bibliotecas no mundo, sabem cada vez mais de mais coisas. E o corpo? Fica sentado e obeso em frente ao computador. Inclusive pessoas cada vez mais se apaixonam por outras pessoas virtuais, ou seja, se apaixonam por mentes que se projetam nas redes sociais. Quase que o físico, o corporal não importa mais. O mundo material é cada vez mais um empecilho para a realização da vida sem corpo, da vida virtual.
As discriminações tendem a ser mais pelo que as mentes possuem do que pelos corpos sarados. Corpos cada vez mais tendem a existir apenas para o prazer sexual, e as mentes espertas e perspicazes, tendem a ganhar maior valor social. Mesmos as diferenças sociais baseadas na riqueza, são valoradas diferentemente: riquezas obtidas por proezas da mente (inteligência e mesmo apenas malandragem) são mais consideradas que aquelas vindas do trabalho corporal e do suor. Convém lembrar que até as riquezas são virtuais: já não é mais possível materializar toda a riqueza planetária em notas de dólar. A riqueza só é possível dentro das máquinas virtualizantes nos bancos.
O mundo social está vivendo um momento interessante: cada vez mais investe no ideal de mentes inteligentes desligadas dos corpos. Mentes viajantes nos pelos espaços virtuais onipresentes e oniscientes. Os corpos sarados e lindos, cada vez mais são um produto para consumo rápido, como se fossem de pouco valor, um pequeno deleite entre uma conexão e outra.




Imagem: http://2pass.wordpress.com/2009/11/23/se-eu-fosse-virtual/

quinta-feira, 28 de março de 2013

A impossibilidade de criticar


                                                                       Prof. Amilcar Bernardi



     Quando tu estás numa rodovia tomada por neblina, para tua segurança e para a dos outros, tiras o pé do acelerador. A questão é simples: a ausência de nitidez te deixa inseguro nas decisões. Se não há clareza, se os contornos da estrada não são visíveis, a probabilidade de acidente é muito grande. Neste exemplo, as questões filosóficas que tratam do conhecimento e da verdade, não fazem sentido para o motorista, pois ele tem que andar pela estrada perigosa através de uma prática objetiva. A cada metro rodado, uma decisão tomada. A nitidez, portanto, é vital quando as decisões exigem exatidão.    
A política, por ser uma engenhosidade humana que não quer, nem pode querer por essência a clareza absoluta, é uma rodovia tortuosa e perigosa. Acontece que agora houve um exagero.
Enquanto houve a ditadura no Brasil, as pessoas quase não percebiam a tortuosidade da política numa ilusão que as acalmava. Havia o mal personificado nos militares, na ausência de liberdade. Ser crítico ativo era igual a ser contra a ditadura. Todos sabiam se tu eras da esquerda ou da direita. O simples fato de não opinar já era forte indicio de que tu eras da direita!

     Hoje as coisas estão complicadas demais nas rodovias da política. O nevoeiro está muito denso. Como ter convicções e acelerar em alguma direção se não há mais esquerda e direita perceptíveis? Como objetivamente votar se a oposição é quase situação nas propostas? As plataformas de um lado e de outro se confundem. A oposição já não pode sequer criticar o passado recente da situação, pois a economia em sua gênese foi elaborada por uma e efetivada por outra. O povo está órfão de definições suficientemente claras para poder posicionar-se. Não há propostas diferenciadas. A neblina das indefinições, das inseguranças e das hipocrisias não deixa as pessoas seguras. Pelo menos para poder criticar. Lembrando que criticar, nesse caso, significa avaliar posições.
   
 Estamos num momento de grave crise. Não crise porque os políticos roubam e mentem. Não é uma crise porque a economia mundial está anêmica. A crise está na ausência de nitidez nas posições. Perigosamente tudo ficou igualado na certeza da politicagem de baixo nível. Então não pode haver crítica, pois não há o que avaliar. Restou às pessoas apenas a limitação infantil de falar mal e ofender desmedidamente quem se envolve com a coisa pública.

     A crise no Brasil é a impossibilidade de criticar. Tudo está muito semelhante na estrada das politicagens. Não há placas de sinalização nem nada que nos oriente. E ainda querem que a juventude opine e tenha consciência política.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Temer a vida para voltar para casa vivo

 Prof. Amilcar Bernardi

Ensinamos aos jovens rejeitar estranhos, a andar de olhos abertos para ameaças, não pegar carona de qualquer pessoa, suspeitar de lugares escuros, não aceitar bebida, evitar pessoas oferecendo drogas, enfim, ensinamos que a vida fora do ambiente conhecido é uma selva perigosa. E parece ser verdade tudo isso.  
Estamos num século de contradições nas valorações. Os valores mais cultuados são a liberdade e a felicidade. Porém, contraditoriamente, ensinar a ter medo é uma necessidade imperiosa, mesmo que limitante. Os jovens saem à noite inconscientes dos perigos, então os mais velhos ensinam o medo. Contra a impetuosidade juvenil os conselhos e as admoestações sobre os perigos onipresentes. Também às crianças ensinamos a desconfiança em relação aos adultos e às situações diferentes.
A utopia da confiança no próximo está cada vez mais distante. No lugar da confiança ensinamos a inquietação, a criticidade exacerbada e a escolha do menos perigoso. Não dá para dizer se ensinar a tensão e a desconfiança é algo errado. Talvez a aprendizagem do medo seja algo necessário, uma adequação a um mundo que se modifica rapidamente. Entretanto, fica uma incompatibilidade entre os valores do amor e da solidariedade e o ensino de um estado de alerta, de receio do próximo.
Não é novidade que a sociedade esta adoentada porque não sabe quais valores priorizar. Então, pela simples inércia do movimento capitalista, o que se sedimentou foi a escolha do lucro, da brevidade, da individualidade e da escolha ao culto da liberdade do consumo de bens e de corpos jovens.
Sem tempo e sem querer parar para refletir sobre os valores que nos norteiam hoje, os adultos resolveram estimular a perturbação da fé no outro, substituindo a confiança pelo sentimento de risco: os outros são avaliados como risco real. Então os pais sentem-se mais tranquilos quando conseguem ensinar aos jovens o receio, a apreensão, enfim, o medo. Ensinam, novamente de forma contraditória, que é preciso temer a vida para poder voltar para casa vivo. É isso que queremos?

domingo, 23 de dezembro de 2012

PESSOAS DESPREZÍVEIS



Prof. Amilcar Bernardi



É de uso comum a afirmação que estamos no mundo da informação. Tudo é comunicação de idéias. O mundo não é algo tátil, mas algo comunicado, significado. Chego a dizer que só existe aquilo que pode ser significado, que pode ser informado de alguma forma. É possível a seguinte máxima: ser é ser expressado, significado.
Tanto é verdade que sem sairmos de casa conhecemos e valoramos outros países e culturas (damos significado ao que não conhecemos). Em frente a nosso computador viajamos por galáxias e sonhamos com vida em outros planetas. Nos sites de relacionamento conhecemos pessoas, tornamo-nos amigos e, não raro, nos apaixonamos e casamos. Conhecemos coisas e pessoas através de sons, imagens e contatos físicos falados... se for possível tal contato, pois não é necessário.
Antes de trabalharmos em uma empresa, ela quer saber do nosso conhecimento. Lê nosso currículo, avalia testes e entrevistas com psicólogos. Quer a informação sobre nossa pessoa para aferir a quantidade e qualidade de informações/conhecimentos que temos a oferecer à empresa. Caso essa avaliação seja negativa, somos impedidos como pessoa de pertencer ao quadro funcional da instituição. Na nossa vida pessoal, quando amamos alguém, a amamos porque o que ela sabe/pensa/conhece é agradável para nós. Então a aceitamos como pessoa amada. Não a amamos pelo corpo ou pela beleza.... é muito pouco! Afinal, amamos o que a pessoa significa (informação) para nós.
Na Grécia clássica ser escravo era não ter voz. Aquele que era escravo não era ouvido, não tinha como expressar-se. Não informava, logo, não era ninguém, não podia ser avaliado. Imagina hoje! Quem não pode ser informação, nada é... ou é pior que um escravo grego!
Penso que o pior que podemos fazer na atualidade é tornar uma pessoa desprezível (de desprezar, menosprezar). Melhor dizendo, tornar o que a pessoa sabe uma informação sem valor cognitivo. Esquecendo deliberadamente que toda a informação é importante. Cruelmente é possível menosprezar o que uma pessoa informa, podemos diminuir o que alguém sabe e diz... isso a ponto de tornar a pessoa uma persona menos, desprezível, não audível! Algo como nos tornarmos surdos para quem fala o que desprezamos. É uma tentativa de tornarmos a pessoa algo sem significado! Isso é horrível. Ainda mais numa sociedade da informação!
Fico pensando sobre o aluno que “não aprendeu”. Os instrumentos avaliativos afirmam que o aprendiz não tem nada a informar sobre os conteúdos trabalhados, ou que o que ele tem a informar é desprezível. E quando o aluno avaliado desfavoravelmente demonstra sua insatisfação, a sua expressão pessoa(al) é desprezada. O que quer comunicar (ele mesmo é uma informação) não é ouvido... são informações tornadas ignóbeis pela autoridade. Fico refletindo... a avaliação mal sucedida é apenas o desprezo dos infinitos saberes que o aprendiz tem? E a avaliação “nota dez”? Seria apenas a supervalorização de alguns saberes sobre outros? Portanto, o “dez” é 100% a exclusão dos saberes ignóbeis (tornado ignóbeis)?
Evidente que não tenho respostas. Porém tenho uma convicção: não podemos tornar conhecimentos pessoais desprezíveis ou de segunda classe. Se assim o fizermos, pessoas serão menos, serão desprezadas e não ouvidas. Toda a pessoa tem informações, toda a pessoa sabe (sabe algo). Ninguém tem o direito de tornar desprezível alguém porque informa o que não quer ouvir em algum contexto. Sei que o contexto escolar exclui muitas informações/saberes/pessoas. E isso não é bom.

(imagem da internet)

sábado, 10 de novembro de 2012

A escola do futuro tem que ser justificada eticamente


Prof. Amilcar Bernardi
 

As forças sociais que produzem uma guerra, por exemplo, só são explicadas eficientemente após a guerra. Antes dos eventos tais forças são inexplicáveis e imprevisíveis.  Se fosse possível plenamente entendê-las antes, grandes impérios talvez não ruíssem. Creio que o antagonismo indivíduo (egoísmo) X Coletividade (altruísmo) é o que move as pessoas, as sociedades. Quanto mais o indivíduo tem esperança que a vida em sociedade é melhor que o individualismo, mais dócil ele será aos limites que a ele é imposto pelos demais. Se a desesperança cresce, decresce a civilidade. Esse antagonismo e essa esperança criam colisões e coesões entre si imprevisíveis. São forças tão colossais que tornam impossível a exata previsão do futuro das relações humanas. Imprevisibilidade, já mencionada no início do parágrafo, semelhante ao que acontece nas grandes guerras e quedas de impérios.

Quando vejo intelectuais prevendo com certeza a escola do futuro olhando para trás, ou olhando o que está passando pelos seus olhos agora, sorrio incrédulo. Isso me faz lembrar a recente comprovação da partícula de Bóson (Partícula elementar que representa a chave para explicar a origem da massa das outras partículas elementares.). Partícula que abre um mundo tão amplo para a ciência, que não é possível prever as consequências dessa comprovação. Faço uma relação com a escola. Uma instituição criada ontem (sob o ponto de vista da história da humanidade) e já tem milhares de teóricos predizendo seu destino! Como se o futuro da escola fosse algo menos complexo que a previsão do que acontecerá após a confirmação da existência da partícula de Bóson!

Respeitando a complexidade dessa instituição, a escola, digo que estamos num vácuo ético em relação ao futuro dela. Já foi dito muito sobre o que a escola não deve ser observando sua história. Já foi dito muito sobre o que a escola deve ser, aí sem olhar sua história, buscando uma utopia que não se encaixa na nossa sociedade. Uma sociedade que muda impelida pela ciência, que muda impelida pela tecnologia, que avança vencendo barreiras culturais e que ao mesmo tempo quer ser bairrista, quer validar sua cultura em detrimento das outras, que quer lucro sem se importar com o país vizinho. Onde o ideal de escola se encaixa nisso? Sinto dizer: não se encaixa ou quando se encaixa, temos vergonha dos resultados desse encaixe. Digo vergonha porque a instituição de ensino encaixada, forma inúmeros profissionais mesquinhos, egoístas, que vivem com valores antissociais até. Igual a sociedade que a sustenta.

O vácuo ético se apresenta quando queremos ver a escola do futuro como uma escola que moralmente seja justificável. Então surgem as questões: Por quais valores queremos que a escola do futuro se paute? Ou não queremos saber disso? Escola para quê? Para quem? Uma escola regida sob o ponto de vista do capitalismo poderá um dia ser justa? Um lugar onde se aprende pelo amor ao aprender é possível num ambiente competitivo e de poucos empregos? É possível o amor ao próximo num ambiente de ensino excludente, onde, na melhor das hipóteses, vence quem sabe mais ficando para trás quem sabe menos? É possível uma escola num ambiente de desesperança na própria permanência do homem na terra? Teremos a coragem (e honestidade) de dizer que queremos sim uma escola excludente que prepare nossos filhos (e não o dos outros) para o sucesso? Teremos a força moral de afirmar uma escola no futuro que prepare uns para bons empregos, outros para empregos ruins e outros tantos para o desemprego? Criticar é fácil, desestimular os educadores é fácil, justificar o futuro escolar moralmente é difícil e para poucos.

O vácuo está aí no futuro ético da escola, tanto quanto na incerteza do que faremos com a confirmação da partícula de Bóson. Não sabemos o que fazer eticamente porque não damos conta moralmente nem da escola que temos hoje. Não sabemos dizer claramente o que queremos dela. Num futuro incerto onde não sabemos o que vai acontecer, pois tudo muda, alguns intelectuais querem colocar (prever) uma escola fora de contexto. Na verdade sempre estaremos fora de contexto quando falamos de futuro, pois não há como prever o que acontecerá moralmente.  Alguns pensadores querem explicar uma futura derrocada da educação antes que tal derrocada aconteça. Nada aprenderam com a história do mundo, uma história que explica os fatos somente após acontecerem. Não temos que explicar uma escola que ainda não nasceu. Temos que afirmar corajosamente (e fora do contexto futuro) como a queremos, que valores queremos que a norteie e lutar por isso.  Será como um filho. Uma criança sempre é imprevisível e inexplicável. Porém, os pais amorosos e esperançosos antes de tudo, que não tiverem elencado valores plausíveis que o formarão, com certeza, terão um grande problema nas mãos. Projetar moralmente e responsavelmente um filho, mesmo que tudo dê errado, deixa os pais com a consciência tranquila. Isso porque tudo tentaram e projetaram moralmente na esperança de um adulto eticamente melhor. Façamos isso com as escolas do futuro.
 
 
 
 

 

 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

As escolas devem dizer o que querem e o que são claramente.


Prof. Amilcar Bernardi 

Prevejo que logo, muito logo mesmo, a escola será a única instituição a estimular o pensar ético. Afinal, as religiões estão sendo minimizadas, excluídas dos espaços públicos. As famílias cada vez mais não dão conta delas mesmas nos conflitos morais que as consomem. Os partidos políticos estão agindo em proveito próprio. Os cidadãos mais antigos, os avós, que antes falavam para seus netos do certo e do errado moral, hoje ainda trabalham para sustentarem-se e, não raro, sustentarem seus filhos adultos. Então a educação escolar está assumindo o papel de ensinar as crianças a pensar nos outros e num futuro moralmente bom para todos. É visível que a sociedade cada vez mais esta abandonando os espaços cedidos para que o certo e o errado sejam contados para as crianças e, por outro lado, entregam aos professores a formação moral e cidadã das crianças.

A escola pública não tem partido político, nem segue religiões. Seus professores devem respeitar as diferenças e a pluralidade cultural. Não devem posicionarem-se cada vez mais  em questões de escolhas subjetivas. Afinal, a escola pública tem que aceitar igualmente todos os posicionamentos que não firam a lei. Convém salientar que ensinar as ciências e as letras não é suficiente para educarmos moralmente. Como então educar nesse sentido as crianças e jovens iniciando suas consciências na reflexão ética? Como trabalhar o certo e o errado moral num espaço onde se deve evitar tal discussão?  Como posicionar-se enquanto educador, se sempre a posição adotada vai afrontar alguma outra que tem igual permissão política de conviver? E se todas as posições são cabíveis, como o educador poderá ensinar/ensaiar a escolha moral? Como posicionar-se como modelo moral se a visibilidade da escolha do educador está prejudicada por um ideal estatal/social de tudo ser aceitável, desde que seja legal?  É bem mais fácil no ambiente escolar público evitar inúmeros posicionamentos, notadamente os polêmicos. Por consequência, o espaço da escola pública é preferivelmente a opinião incontroversa ou cientificamente confirmada? Se a resposta for afirmativa, quanto empobrecimento da reflexão sobre o moralmente controverso! A escola pública já não pode sonhar em ser a ágora grega.

Apesar das dificuldades apontadas nos parágrafos anteriores, há a necessidade da experiência da discussão moral (e posteriormente ética) sobre o mundo. Não uma discussão cidadã/política apenas, mas refiro-me a discussão sobre o certo e o errado moral. Toda criança e jovem precisam dessa experiência. Penso que as escolas confessionais tornaram-se a melhor opção para tal discussão. Afirmo isso porque estas escolas têm bastante definidas suas opções. Exercendo a liberdade de escolha, os responsáveis pela educação moral da criança e do jovem, poderão optar por esta ou aquela escola confessional. Isso sem dúvida sobre o que acredita a instituição escolhida. A criança e o jovem poderão adultecer dentro de um espaço pedagógico anteriormente conhecido.

As escolas confessionais, ou qualquer outra escola não religiosa que se permita dizer o que professa de forma clara e inequívoca, tem a vantagem de ser criticada, amada ou excluída pelo que é, pela sua coerência moral. Penso que melhor é pertencer a uma escola religiosa que respeita minhas críticas (respeitosas também) do que pertencer a instituições que tenham dificuldade de dizer quem são além do pensar científico, cidadão e político. Prefiro um lugar que diga antes de eu entrar que é a favor ou contra o aborto (por exemplo). Pior para a formação das consciências é deixá-las em lugares ambíguos onde tanto faz ser a favor ou contra, “antes pelo contrário”.
 

sábado, 13 de outubro de 2012

As normas disciplinares e a moral escolar

Prof. amilcar Bernardi 
Tradicionalmente o certo e o errado dentro das instituições escolares são vistos como nas antigas cidades gregas.  Nelas, os cidadãos pensavam as necessidades de suas cidades, e não refletiam sobre as outras ou sobre o reflexo de suas escolhas sobre a natureza. O cidadão era aquele que vivia e pensava na sua cidade. Hoje quando há conflito no colégio, o contexto também não é levado em consideração.
É uma miopia pensarmos apenas numa moral escolar interna. Isso não é possível. Expulsar um aluno, similar ao o ostracismo grego, pode ser uma ação boa para a unidade escolar e má para o contexto social. Por outro lado, criticar as escolas ou dar atribuições que não são exequíveis para ela, pode parecer ser bom para a sociedade, mas é péssimo para os colégios. Na relação sociedade/ escola, com certeza o que é ruim para um é ruim para ambos!
As questões disciplinares não podem ser vistas como algo que diga apenas respeito aos sistemas de ensino. Diz respeito a todos. Cada pai que, quando em conflito com a norma disciplinar da escola, advoga em proveito próprio (do seu filho) está cometendo um equívoco contra a sociedade. Por outro lado, o egoísmo do pai é reflexo de como ele aprendeu a sobreviver nessa mesma sociedade. Portanto, as normas de conduta escolares são algo sério, que devem ser respeitadas tanto dentro quanto fora dos muros das instituições de ensino. Da mesma forma que, as equipes que pensam as normas disciplinares, precisam saber que são reflexo de um contexto social e nele provocam efeitos.
A sociedade precisa fazer uma reflexão ética sobre as escolas. O que queremos mesmo delas? A serviço de quais valores elas estão?  Ao querermos escolas laicas, neutras e sem preconceitos, quais valores são possíveis? Quando valorizamos a competição e a vantagem em tudo, quais regras de conduta podemos afirmar nas escolas? Ao desqualificarmos o estudo tradicional e ao criticarmos diariamente professores e instituições educacionais, o que queremos dizer com isso? Não são os colégios que estão em crise, é a visão ética do mundo que está.
Não dá para fazer crítica a um ou outro aspecto do fazer prático desta ou daquela escola. O que temos que saber é o que queremos eticamente delas todas. Ao abandonarmos os valores tradicionais, ao abandonarmos a política partidária, ao optarmos pelo capitalismo e pela liberdade de opinião e de fazeres; o que queremos que a escola ensine no âmbito ético? Afinal, é impossível ensinar conteúdos específicos sem imiscuí-los com uma crença moral. O professor, o diretor, enfim, as pessoas são gente; não são assépticas!
Caso a sociedade não repense uma ética para a educação e a afirme, cada educador (e cada instituição) estará liberado para agir de acordo com sua visão moral particular. Então a crítica ao fazer da escola será impossível, pois nela toda a ação moral estará justificada pela liberdade de opinião.
Preciso fazer uma exceção às escolas confessionais. As instituições verdadeiramente religiosas, dizem claramente seus valores. Afirmam como vão valorar os conteúdos acadêmicos e o que vão ensinar além dos currículos para as crianças e jovens. Quem matricula seus filhos nelas, sabe o que esperar e o reflexo que isso terá nas normas disciplinares.
As regras disciplinares serão sempre algo para a reflexão escolar. Porém, temos que decidir o que queremos ensinar (eticamente) em nossas escolas. Afinal, ao discutir exclusivamente o caso do meu filho ou da minha escola, estou sendo egoísta e alunocêntrico. Sabendo que cada vez mais as instituições de ensino serão as responsáveis pela educação moral, temos que pensar no contexto social e no papel que este ensinar tem nos dias de hoje.


Imagem obtida na internet





terça-feira, 9 de outubro de 2012

Aberta a temporada de caça



Prof. Amilcar Bernardi


Há milhares de anos atrás os homens, ou pré-homens, caçavam nas planícies ou florestas. Tinham os instintos à flor da pele no que se refere a captura e ao extermino de criaturas. O principal motivo: alimentação e sobrevivência. Evidentemente as qualidades exigidas para tal atividade eram mais a (crescente) astúcia e menos a velocidade, a boa visão e a força muscular. Os animais eram vencidos pelo conjunto destas habilidades. Os bichos podiam ter velocidade e força, mas perdiam em astúcia desequilibrando a luta pela vida.

Hoje já não temos florestas nem grandes planícies desabitadas com caça abundante. Sequer precisamos caçar. Já não há tantos animais que se escondem nas vegetações, que desaparecem nas imensidões naturais. Hoje a caça é de homens por homens. As florestas com grandes árvores e precipícios foram substituídas pela floresta de concreto e seus viadutos. Pelas entranhas das cidades homens rastejam para assaltar e matar. Outros homens se escondem em bandos para caçar os que rastejam.

Antes os animais não eram rastreados como indivíduos. Eram caçados simplesmente porque eram animais e podiam ser comidos. Não importava mais nada, sequer a raça. A caça era democrática e livre. Antes qualquer homem podia caçar qualquer animal que pudesse matar. Os bichos caçados pouco revidavam. Não eram inteligentes, morriam às dezenas.

Hoje homens caçam homens. Mas não há mais democracia na caça. Só pessoas especiais autorizadas pelo Estado podem caçar homens. Os caçadores oficiais possuem alta tecnologia para rastrear presas específicas. Armas possantes e eficazes. A caça não é livre. A tecnologia precisa identificar antes a caça. Saber quem é, onde se esconde, quem são seus pais e quais as pessoas que andam com ele. Já não é possível caçar qualquer um. Os homens do Estado podem caçar apenas alguns. Inclusive capturam os homens que, sem autorização, caçam outros homens para roubar ou apenas para matar. O ladrão que caça pessoas às escuras, escondido e rastejante, será caçado pelos caçadores autorizados. 

Na pré-história matar era corriqueiro. Ninguém era caçado porque matou alguém ou algum animal. Ninguém saia apenas para passear. Afinal, todos representavam algum perigo e sofriam alguma ameaça. As saídas eram para prover alimentos. A caça não era predatória. Matava-se para comer ou para se defender (ou defender seu território mínimo).

Hoje alguns homens passeiam apenas para pegar sol. Outros saem para trabalhar. Fazem de conta que não há uma caçada acontecendo. A caça é predatória. Hoje homens caçam homens não mais para comer ou para defender território. Caçam sem razão, por ganância, porque a lei manda ou porque é divertido. A temporada de caça de homens por homens há séculos está aberta. Caça-se com tiros, com pauladas, com facadas, com poder, com valores morais excludentes, pela fome e miséria. Hoje sobreviver é mais por sorte e menos por juízo.
 
 
 
Imagem da internet

 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Elogio ao medo

Prof. Amilcar Bernardi


Ao  imaginar como seria a humanidade sem medo, veio à minha mente o filme Wall-E. O filme é uma animação feita em 2008, da Pixar Animation.  Em determinado momento da animação, surge uma nave espacial nos moldes da arca de Noé, onde os humanos vivem há séculos. Se movimentam através de cadeiras de rodas (na verdade sem rodas, porque flutuam). Robos servem às pessoas que não precisam sequer levantarem-se para se alimentarem. Não há medo, pois tudo é programado, previsível e limpo. Esta animação mostra como resultado disso sujeitos obesos, com a vontade enfraquecida e hipomuscalares.

O medo é um estado emocional de alerta, é a consciência de perigo imediato ou não, real ou imaginário. Presumo que em excesso é contraproducente e estressante; negativo, portanto, para a saúde. E na situação do filme Wall-E, como seria? Na hipótese da ausência total do medo, o que seria de nós? O que nos estimularia? Ou melhor, existe estímulo maior à ação do que o medo? Não creio. Alguns pensarão que o amor é um forte impulso à ação. Eu digo que a tensão do medo de perder esse amor é o que nos move, o que faz de cada dia de convivio uma conquista nova da pessoa amada.

Quando falo do medo, evidentemente não estou referindo-me ao terror, a paralização oriunda da cosnciência da morte violenta e iminente, por exemplo. Estou falando do estado de alerta, da forte espectaviva do inesperado.

Quando imagino uma situação paradisíaca, sem estímulo forte como o medo, vem a minha mente uma não ação, um não tentar. Sem o estado de alerta não há desejo de busca. Não refiro-me, deixo claro, ao sentimento de covardia, que em tudo difere do medo. A covardia é uma fraqueza, uma desistência de uma luta. O covarde não tem confiança em si mesmo. Este sentimento vil nos fazendo pensar unicamente  na dor, não nos deixa realizar, nos faz fugir do sofrimento sem esperança alguma. Este sentimento pusilânime não é medo, é paralização, é imobilidade, é desesperança.

Quando separo o medo da covardia, torno inseparável o medo da valentia. Só os valentes tem medo. Os covardes tem paralizia e terror. O covarde é imediatamente um desesperançado, um desistente imediato. O sujeito pusilânime coloca seu prazer e sua incolumidade acima de tudo e de todos. Este sujeito desprezível viveria bem na nave do Wall-E. Seria um obeso desistente de todo o movimento, um sujeito que aspira só o prazer de ser servido sem a dor de correr atrás dos seus desejos. O covarde é um hipotônico.

Eu sinto-me valente  justamente porque tenho muitos medos. São tantos que nem sei contá-los. Porém, não sucumbo, não desespero nem desisto imediatamente. Eu amo e temo perder o que amo, então amo muito mais. Temo não ser mais útil no que faço, então estudo sempre mais e procuro utilidade. Sou corajoso por que sei que felizmente não há paraíso por aqui. Sou corajoso porque supero cada temor que assalta-me para encontrar outros e superá-los novamente. A vida é isso: superação dos medos.
 
 
 
 

domingo, 2 de setembro de 2012

O caso da aluna Isadora


Prof. Amilcar Bernardi 

Eu sei que o diálogo é o melhor caminho. Os monólogos são uma insanidade, pois não há neles a abertura para o outro. Pior é quando o monólogo arregimenta milhares de pessoas. Se alguém é criticado desta forma, é bastante provável que será linchado. Os grandes meios de comunicação usam várias vezes esta estratégia infame.  A mídia fala utilizando um monólogo que, não raro, destrói muitas pessoas.

A aluna Isadora Faber enquadra-se nesta situação. Ela usou a mídia virtual para criticar sua escola e seus professores. A adolescente fotografou os problemas e emitiu opinião sobre o que acontece por lá.  Rapidamente internautas se aliaram à aluna. A imprensa noticiou o fato e a escola virou notícia. Evidentemente críticas criam audiência, ainda mais por ser de uma menina e por um meio tão moderno: o monologo nas redes sociais. Houve mudanças para melhor na escola. Porém, insisto no peso do monólogo porque, o colégio e os professores não podem fazer o mesmo. Quero dizer, tirar fotos dos alunos e dos problemas que eles trazem. Não podem registrar os pais dos alunos que vem diariamente à direção agredindo. Muito menos podem registrar o que os políticos fazem contra ela. Qualquer tentativa de reação do colégio pelo mesmo tipo de mídia será mal entendida. Então será novamente soterrado em críticas. Se esta Instituição de Ensino errar por um milímetro, será acusada de impedir a livre manifestação de uma adolescente. Concluo que não haverá diálogo. Pelo menos um diálogo público, no mesmo nível midiático da aluna.

Não acuso a Isadora de montar uma estratégia ardilosa. Nem digo que não deveria ter agido assim. Digo apenas que os professores e a direção foram enredados de tal forma que apanharão quietos. Talvez uma escola particular tenha uma equipe com jornalistas que sabem o que fazer num caso destes. Com certeza não é o caso desta instituição que, sabemos, é publica. Também sabemos que o real dirigente desta escola é um secretário de educação. Um cargo político. Portanto, está preso à opinião publica. Justo esta opinião mutável e mutante foi cooptada pela aluna. Penso que não há o que fazer. A escola está julgada e condenada.

Insisto: a aluna tem o direito inegável de se manifestar. Porém, a escola sempre estará cerceada nesse mesmo direito, pois ela foi criada para ensinar e não para defender-se nas redes sociais.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Para quem não tempo para aprender

          Prof. Amilcar Bernardi

A palavra apreender* é um enigma para mim. Por mais que pense sobre o conceito, parece que sempre algo fica de fora. Apenas percebo que pessoas são X, entram em contato com coisas que não tinham consciência antes, então se tornam X+Y. É uma questão ontológica: eram algo, agora são algo mais alguma coisa. Não que sejam coisas somadas, mais parecem um suco onde muitas coisas se misturam e viram outra coisa, geralmente bem mais gostosa que as partes separadamente. Penso que a aprendizagem acontece quando fazemos suco intelectual das coisas que se apresentam aos sentidos. Puxa, não estou sendo nada científico, mas faz tempo que o ideal de cientificidade foi abandonado por mim. Gosto mais de sucos gostosos.

Na sala dos professores observo falas que afirmam: aos alunos do ano tal, falta base. Com certeza no ano anterior ou o colega não deu o conteúdo, ou o aluno não aprendeu. Pensando assim, criamos a mais pura lógica: se não aprendeu ontem, se hoje sem base ele não aprende, com certeza amanhã não aprenderá! Como eu não entendo muito de aprendizagem, questiono: qual o tempo para apreender isto ou aquilo? Sempre o ontem determina o que o aluno pode apreender hoje?

Na minha ignorância, penso que apreender não tem tempo passado ou futuro. Apreender é sempre para hoje. Não importa o ontem, o que importa é o que hoje o aluno sabe e o que agora ainda não sabe! Em relação a aprendizagem, o ontem serve apenas como a história do aprendente, que é útil para entendermos como devemos agir com ele hoje, sempre hoje. A ligação com os objetos, mesmo os abstratos, em relação ao apreender acontece nesse momento. Estamos plugados, on-line com a relação eu e o que pretendo incorporar à minha consciência. Mesmo quando aluno apreende a conjugar o verbo no futuro, a conjugação acontece agora!

Ora, se o aprendente não apreendeu algo ontem, o que importa? Hoje sempre é o tempo atualíssimo para ele saber o que ainda não sabe!

A “falta de base” do aluno é meramente a sua história. Ela apenas indica o que o educador deve fazer nesse momento: o aluno é sempre atual.  Desde que o ontem não signifique alguma lesão neurológica ou trauma psicológico impeditivo, é apenas história. A “falta de base” não justifica a não aprendizagem. Ela não impede nada, apenas insinua, inspira o educador a como agir agora, a como facilitar a incorporação sempre atual do que o aluno ainda não incorporou à sua consciência. As aprendizagens anteriores, só são “anteriores” na lógica inventada pelas pessoas, pois se houve aprendizagem ontem, ela ainda esta “aprendida” hoje. Sempre acontece agora! Se há esquecimento, não está disponível agora a aprendizagem de “ontem”, então não houve aprendizagem.

Apreender é um suco que está sendo feito e bebido a cada segundo. É um suco que não segue a lógica temporal. Apreender é algo que se faz e se consome sem que haja distância temporal entre o fazer e o consumir. 

* Faço a distinção entre aprender e apreender. Apreender significa apropriar-se de uma informação em sua complexidade. Após apreender não mais podemos esquecer.





Figura retirada do blog: http://cartasdepaulotarso.blogspot.com.br/2010/01/aprender-e-ensinar.html

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Einstein e Heráclito não podem ser professores hoje.

Prof. Amilcar Bernardi

Os entendidos em educação há bastante tempo estão alertando os educadores que tudo está em mudança. Afirmam que a ciência cada vez mais produz cataclismos no nosso jeito de ver o mundo. Einsten “deu nos dedos” do Newton dizendo que tudo é relativo. A velocidade da máquina de escrever é impensável para as pessoas do século XXI, assim como o pensar religioso monolítico dos tempos medievais, desapareceu sob o ponto de vista das inúmeras religiões de hoje. Os tempos hodiernos estão mais para Heráclito, que partia do princípio de que tudo é movimento, e que nada pode permanecer estático, do que para os dogmas inquestionáveis.

Nesse contexto heraclítico os valores são questionáveis e mutáveis, as leis oscilam entre abrandamentos e recrudescimentos, as famílias são agrupamentos de pessoaas sem conceito definitivo, a política um jogo onde a única coisa que não se questiona é o desejo de poder. Nas escolas o termo “ensinar” sugere tempos passados. Hoje o professor é um mediador , um incentivador do aprender. A própria palavra aprender, sofre também desgaste, pois hoje aprender significa tanta coisa que as definições são múltiplas.  “Acreditar” não é mais possível, pois acreditar em que, se rapidamente o que era possível de fé já mudou?

Os jeitos de fazer educação estão  lançados nos ares seguindo dois princípios; o do Einsten (tudo é relativo) e o do Heráclito (tudo muda, menos a lei que diz que tudo muda). Também eu, motivado por estes princípios, não posso dizer que o pensamento contemporâneo está errado ou é ruim, nem que é bom ou que é melhor. Sem padrões não posso opniar, ou opino temporariamente. Nunca Sartre esteve tão certo quanto agora, quando afirmou na sua juventude que somos totalmente livres. Claro que sujeitos totalmente livres, na mesma proporção, são totalmente responsáveis pelo que escolhem, pois não sofrem limite algum ao optar.

Já que tudo muda, escrevo este texto ouvindo meu coração. Espero que também ele não mude até eu terminar este escrito/desabafo. Meu argumento “cardíaco” baseia-se nas angústias do meu dia a dia como educador. Meu intelecto maravilha-se com a liberdade nunca antes sentida. Rejubila-se com as teorias libertárias sobre o mundo da informação  cambiante, dos espaços fluidos e das relatividades morais. Porém a dor “cardíaca” surge no dia a dia, quando o professor é conclamado a renegar tal mobilidade. Tudo é real e estático demais quando o educador é chamado a responsabilidade pelo seu fazer em sala de aula, responsabilidade irrecusável e intransferível.

Fico imaginando onde está a  mudança e a fluidez contemporânea, quando o professor tem que responder as seguintes e complexas questões: o aluno reprovou ou não? Jorginho colou ou não? Quando Pedrinho caiu, tu estavas com ele ou não? Meu filho aprendeu ou não a tabuada? Bater porque foi agredido antes, é certo ou errado? O Onofre rodou ou não nos exames da OAB? Mário morreu na mesa de cirurgia, o médico aprendeu ou não a técnica? Fulano matou aula, a escola sabia ou não? Se sabia, foi incompetente? Se não sabia, foi omissa? Os cadernos de chamada foram entregues ou não nas datas determinadas? E por aí vai.

Penso que Einstein e Heráclito não podem lecionar. Na escola nada é relativo, tudo é “sim” ou “não”. E se assim não for, quem - de fato - vai ensinar que nem tudo é relativo?


terça-feira, 10 de julho de 2012

Certo X errado

Prof. Amilcar Bernardi 

Ao ouvir o comentário de uma mãe que falava sobre o número de acertos na prova do seu filho, pensei fortemente na palavra “certo”; por que a senhora valorizava positivamente os “certos” na avaliação e, coerentemente, valorizava negativamente os erros. Mas podemos ficar saboreando a palavra “certo”. Como sinônimo aparecem na minha mente: indubitável, regular, evidente, algo fixado com antecedência, algo exato. Fiquei impressionado com o que significava estar “certo”. O que seria então o antônimo disso? Vamos pensar: dubitável, desregrado, inexato, desvio de um padrão anterior. Também me impressionei com o peso psicológico e social que o erro tem. Dá até medo.

Lembrei-me de uma pergunta que fiz a um aluno que eu atendia como psicopedagogo. Perguntei ao adolescente: quem errava mais, o aluno ou o cientista? Evidentemente que ele afirmou que o aluno. Respondeu com enfado, pois para ele, a resposta era óbvia demais! Seguindo minha conversa, questionei: quantas vezes errou o cientista que procura a cura do câncer? Lembra que ainda não temos a cura em cem por cento dos casos! O jovem ficou espantado. Refletiu e disse que provavelmente, o cientista esta errando muito, pois o dia em que “acertasse”, essa doença terrível seria curada em todos os casos. Repeti então a pergunta:  quem erra mais? O rapaz com quem eu falava ficou em dúvida, pois no mínimo, ambos, o aluno e o cientista erravam muito. Um grande avanço nessa conversa foi o rapaz ter conseguido questionar o valor do erro e o próprio conceito do erro.

Se, conforme o primeiro parágrafo, o certo é o indubitável, o regular, o evidente, o que é fixado com antecedência, eu, como educador, prefiro o erro. Errar, sob este ponto de vista, é muito mais divertido, criativo e mais afeito a hipóteses. Estar certo, portanto previsível, além de ser impossível na vida, é uma chatice só. Estar certo é encontrar o fim da história, o ponto final, a morte provavelmente. Se estar certo é encontrar a exatidão porque encontrou o que já estava determinado, Einstein errou feio. Afinal, aquilo que ele falou para nós, nunca será encontrado/aferido. Pois não estava determinado antes, não cabe no conceito de “certo”, de exato; não há parâmetros para aferir. Adoro o sucesso e a inteligência, mas tenho certeza que passam longe de estar sempre certo.

Um poema bem legal é um poema errado. Sim, porque desconcerta quem o lê e também porque não tem nenhum modelo para que possamos aferir seu afastamento do correto. Uma piada só é boa quando erra, ou seja, pensamos no desfecho “x” e o resultado é muito mais (ou muito menos) que “y”. Só assim podemos rir.  Os artistas são sujeitos estranhos, diferentes, desregrados e inexatos. São sujeitos errados por essência. O verdadeiro cientista é um errador: procura o novo e as hipóteses, procura até o inquantificável (como a física quântica) e o inverossímil
» Grafia no Brasil: inverossímil. .

Ops! Eu queria falar da mãe que comentava a prova. Eu diria a ela para conversar com a professora ou professor. Crianças que acertam são tão interessantes quanto as que erram. Tenho certeza que a professora ou professor, vai sinalizar que o erro é uma hipótese, é um jeito bem interessante de entender o problema. Errar é posicionar-se também, é expressar algo importante. Eu adoro o erro criativo, aquele erro que me faz (re)pensar e a sorrir! É bastante provável que essa mãe tão dedicada, perceba que errar ou acertar não importa. O que importa é aprender a querer aprender mais e mais. Pena que alguém inventou a reprovação. Creio que talvez Isaac Newton  reprovasse Albert Einsten. E nós professores, reprovamos quem?

Pauta dos costumes. Vamos falar sobre ela?