A palavra apreender* é um enigma para mim. Por
mais que pense sobre o conceito, parece que sempre algo fica de fora. Apenas percebo
que pessoas são X, entram em contato com coisas que não tinham consciência
antes, então se tornam X+Y. É uma questão ontológica: eram algo, agora são algo
mais alguma coisa. Não que sejam coisas somadas, mais parecem um suco onde
muitas coisas se misturam e viram outra coisa, geralmente bem mais gostosa que
as partes separadamente. Penso que a aprendizagem acontece quando fazemos suco
intelectual das coisas que se apresentam aos sentidos. Puxa, não estou sendo nada
científico, mas faz tempo que o ideal de cientificidade foi abandonado por mim.
Gosto mais de sucos gostosos.
Na sala dos
professores observo falas que afirmam: aos
alunos do ano tal, falta base. Com certeza no ano anterior ou o colega não deu
o conteúdo, ou o aluno não aprendeu. Pensando assim, criamos a mais pura lógica:
se não aprendeu ontem, se hoje sem base ele não aprende, com certeza amanhã não
aprenderá! Como eu não entendo muito de aprendizagem, questiono: qual o tempo
para apreender isto ou aquilo? Sempre
o ontem determina o que o aluno pode apreender
hoje?
Na minha ignorância,
penso que apreender não tem tempo
passado ou futuro. Apreender é sempre
para hoje. Não importa o ontem, o que importa é o que hoje o aluno sabe e o que
agora ainda não sabe! Em relação a aprendizagem, o ontem serve apenas
como a história do aprendente, que é útil para entendermos como devemos agir
com ele hoje, sempre hoje. A ligação com os objetos, mesmo os abstratos, em
relação ao apreender acontece nesse momento. Estamos plugados, on-line com a
relação eu e o que pretendo incorporar à
minha consciência. Mesmo quando aluno apreende
a conjugar o verbo no futuro, a conjugação acontece agora!
Ora, se o aprendente
não apreendeu algo ontem, o que
importa? Hoje sempre é o tempo atualíssimo para ele saber o que ainda não sabe!
A “falta de base” do
aluno é meramente a sua história. Ela apenas indica o que o educador deve fazer
nesse momento: o aluno é sempre atual.
Desde que o ontem não signifique alguma lesão neurológica ou trauma
psicológico impeditivo, é apenas história. A “falta de base” não justifica a não
aprendizagem. Ela não impede nada, apenas insinua, inspira o educador a como
agir agora, a como facilitar a incorporação sempre atual do que o aluno ainda
não incorporou à sua consciência. As aprendizagens anteriores, só são “anteriores”
na lógica inventada pelas pessoas, pois se houve aprendizagem ontem, ela ainda
esta “aprendida” hoje. Sempre acontece agora! Se há esquecimento, não está
disponível agora a aprendizagem de “ontem”, então não houve aprendizagem.
Apreender é um suco que está sendo feito e bebido a cada segundo. É um suco que
não segue a lógica temporal. Apreender é
algo que se faz e se consome sem que haja distância temporal entre o fazer e o
consumir.
* Faço a distinção
entre aprender e apreender. Apreender significa apropriar-se de uma informação
em sua complexidade. Após apreender não mais podemos esquecer.
Figura retirada do blog: http://cartasdepaulotarso.blogspot.com.br/2010/01/aprender-e-ensinar.html
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