terça-feira, 9 de outubro de 2012

Aberta a temporada de caça



Prof. Amilcar Bernardi


Há milhares de anos atrás os homens, ou pré-homens, caçavam nas planícies ou florestas. Tinham os instintos à flor da pele no que se refere a captura e ao extermino de criaturas. O principal motivo: alimentação e sobrevivência. Evidentemente as qualidades exigidas para tal atividade eram mais a (crescente) astúcia e menos a velocidade, a boa visão e a força muscular. Os animais eram vencidos pelo conjunto destas habilidades. Os bichos podiam ter velocidade e força, mas perdiam em astúcia desequilibrando a luta pela vida.

Hoje já não temos florestas nem grandes planícies desabitadas com caça abundante. Sequer precisamos caçar. Já não há tantos animais que se escondem nas vegetações, que desaparecem nas imensidões naturais. Hoje a caça é de homens por homens. As florestas com grandes árvores e precipícios foram substituídas pela floresta de concreto e seus viadutos. Pelas entranhas das cidades homens rastejam para assaltar e matar. Outros homens se escondem em bandos para caçar os que rastejam.

Antes os animais não eram rastreados como indivíduos. Eram caçados simplesmente porque eram animais e podiam ser comidos. Não importava mais nada, sequer a raça. A caça era democrática e livre. Antes qualquer homem podia caçar qualquer animal que pudesse matar. Os bichos caçados pouco revidavam. Não eram inteligentes, morriam às dezenas.

Hoje homens caçam homens. Mas não há mais democracia na caça. Só pessoas especiais autorizadas pelo Estado podem caçar homens. Os caçadores oficiais possuem alta tecnologia para rastrear presas específicas. Armas possantes e eficazes. A caça não é livre. A tecnologia precisa identificar antes a caça. Saber quem é, onde se esconde, quem são seus pais e quais as pessoas que andam com ele. Já não é possível caçar qualquer um. Os homens do Estado podem caçar apenas alguns. Inclusive capturam os homens que, sem autorização, caçam outros homens para roubar ou apenas para matar. O ladrão que caça pessoas às escuras, escondido e rastejante, será caçado pelos caçadores autorizados. 

Na pré-história matar era corriqueiro. Ninguém era caçado porque matou alguém ou algum animal. Ninguém saia apenas para passear. Afinal, todos representavam algum perigo e sofriam alguma ameaça. As saídas eram para prover alimentos. A caça não era predatória. Matava-se para comer ou para se defender (ou defender seu território mínimo).

Hoje alguns homens passeiam apenas para pegar sol. Outros saem para trabalhar. Fazem de conta que não há uma caçada acontecendo. A caça é predatória. Hoje homens caçam homens não mais para comer ou para defender território. Caçam sem razão, por ganância, porque a lei manda ou porque é divertido. A temporada de caça de homens por homens há séculos está aberta. Caça-se com tiros, com pauladas, com facadas, com poder, com valores morais excludentes, pela fome e miséria. Hoje sobreviver é mais por sorte e menos por juízo.
 
 
 
Imagem da internet

 

Um comentário:

  1. Amilcar, há pessoas que caçam utilizando como arma letal a PALAVRA. Ela é uma arma poderosíssima, deixa a presa sem ação e pronta a definhar, o que leva à morte mesmo estando respirando. Não conheço arma mais eficaz para neutralizar qualquer que seja a presa. E para nos precaver precisamos ter coragem, acreditar em nós mesmos e prosseguir caminhada rumo aos nossos ideais.

    Maravilhoso texto, rico em detalhes que reflete os tempos atuais em sociedade.

    Abraços!

    Sonia Salim

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