Conceituar a Filosofia é uma tentativa milenar. O conceito
de filosofia se mantém uma questão filosófica. Uma questão irrespondível. Não
dá para conceituar, paralisar, o que é essencialmente movimento. Afinal, se é
movimento, a parada o extingue. Parar o movimento para vê-lo é uma contradição.
Assim ocorre com a filosofia. Ela não é, ela está eternamente sendo. Quando
criamos um conceito para ela, estamos imediatamente dando as condições para a
criação de outro. Este é o dilema que me atinge quando perguntam para mim sobre
a disciplina de Filosofia nas escolas. Afinal, para responder sobre este tema, há
uma natural predisposição em defini-la.
A Filosofia é um andar eterno. E ela tem dois pés. Caminha
passo a passo. Quando o pé esquerdo está no chão, o direito está indo para
frente em busca do mesmo: o chão que está sob o pé esquerdo. Mas, quando lá
chega, o chão é outro. Muito similar, mas não é o mesmo. Na sequência, quando o
pé direito toca o chão, o esquerdo já está subindo para logo descer. E quando
toca o solo, já não encontra o outro pé que já está a caminho. É sempre assim.
Movimento, solo, movimento. O movimento é eterno e o solo nunca é o mesmo, mas
sempre similar.
Algum caminheiro apressado pode estar valorando em demasia
o pé que está à frente. Seria este pé avançado o motor, a busca do novo, da
novidade, do futuro. Mas, sem o pé atrás, não é possível o movimento do pé da
frente. Aquele sustenta este. E se o principal é o passo, o movimento, não é
possível identificar o pé atrás e o da frente. Ora um está lá, ora o outro.
Depende em que momento olhamos. Caso
queiramos fixar um dos pés para melhor observa-lo, o movimento cessa. E quando
cessa, já não é mais um caminhar, mas uma parada. Estaríamos observando a
parada e não o movimento.
A Filosofia é o caminhar, as passadas. Ela é verbo. Digo
que é verbo porque gramaticalmente ele é movimento. Apesar de um verbo ser uma
palavra escrita e fixada nos dicionários, continua sendo essencialmente
movimento. O verbo é feito para ser conjugado, não para ser conceituado. E
mesmo quando vamos conceitua-lo, usamos verbos. Ele é, portanto, movimento
sempre. Para definir o verbo usamos verbos. Para definir a filosofia,
filosofamos.
Por consequência, a disciplina de filosofia nas escolas,
existe para que mantenhamos os aprendentes em estado de
crítica. Afinal, a Filosofia não tem serventia em sala de aula. Ela não
serve para nada, nem serve á ninguém. Como ela anda sempre, não dá tempo para
fazê-la serva. Por isso, ela mantém os estudantes em estado de crítica. A
Filosofia não serve para fazê-los críticos. Ela os mantem nesse estado. Os
mantém em movimento. Quando acreditam, descreem. Quando descreem, voltam
acreditar em outras coisas. Estão engajados em um movimento, mas prontos a
engajarem-se em outro. A Filosofia só aceita a fé na dignidade da pessoa humana
e no seu direito universal de ser feliz. Essa fé é inabalável. É a energia que
faz o passo, o movimento do filosofar. Afinal, sem fé no homem, filosofar (que
é para o homem) não faz sentido. Seria um passo caro demais para lugar nenhum.
Na sala de aula, talvez o pé atrás seja o conteúdo
programático. O pé à frente a reflexão crítica sobre a atualidade. E no segundo
em que pensamos a atualidade, este pensar passa a ser o pé atrás para o passo
seguinte. O passo seguinte buscará novamente o conteúdo histórico da filosofia,
o solo para pisar e sustentar o outro pé que já está a caminho do futuro. Caso
o caminheiro fixe um dos pés, ele para ou cai. Se para, não filosofa. Se cai,
causa prejuízo a si e aos outros que o acompanham na sala de aula. O professor
cai quando se prende a preconceitos. Mesmo os bonitos e justificáveis.
A briga entre o filosofar na escola e a obrigatoriedade dos
conteúdos programáticos (história da filosofia), são também os passos, o pé
ante pé do filosofar legítimo. Ao questionar o conteúdo versus o filosofar, estão
os professores filosofando porque estão andando. É uma questão dialética. Na
sala de aula não é possível filosofar sem a história da filosofia. Não é
possível a história da filosofia sem o filosofar. Assim como não é possível que
todos amem a filosofia em sala de aula. Há os que a odeiam. Basta ao professor
que filosofem contra ela e já está muito bom. Neste caso, a negativa dela é a sua
afirmação: filosofar para justificar o não filosofar!
O pé esquerdo prepara o andar. O pé direito à frente
suporta o impacto do solo contra si. Então, é a sua vez de preparar o andar
para o pé esquerdo colidir contra o solo. A Filosofia é isso, o andar crítico.
Não podemos ser como o walking dead, o andarilho morto. A sala de aula é um
lugar para caminhar. É o lugar perfeito para manter os aprendizes no estado
de critica. Cada momento escolar é um passo. Cada capítulo do livro didático
é um passo. Cada reflexão é um passo. Até lembrei-me de um antigo brocardo: até
a mais longa caminhada começa com o primeiro passo. Portanto, andemos.
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