quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Jusfilósofo Pedro






Pedro é um filósofo paupérrimo muito conhecido na cidade. Ele é um radical seguidor de Antístenes e de Diógenes (aquele que morava em um barril).  Certo dia Pedro sem cerimônias, furtou um notebook de um cidadão que almoçava em um restaurante ao ar livre. Todos presenciaram o fato.



Coisa simples: Pedro maltrapilho, alcança o aparelho e sai com ele tranquilamente. A polícia é chamada. Em minutos, o já conhecido maltrapilho e filósofo, é levado à delegacia. O delegado, um tanto condescendente, pois o acusado já é figura folclórica na cidade, pergunta o por quê dele ter feito aquilo. O delegado avisa que não haverá a comunicação formal do crime, pois a comunidade já está acostumada com suas maluquices.

         Sendo Pedro um despossuído, acredita ser poderoso. Nada tendo a perder, nada é possível contra ele. Então, assume papéis (personas) estranhos que assombram as pessoas. Vive Pedro para assombrar.

            Seu novo papel: uma pessoa desejosa de ter coisas e que, portanto, as furta.


Pedro – filósofo cínico e chato – faz sua justificativa:


Ora, afirma o andarilho, o bem jurídico (principal) em questão é o direito de ter e manter a propriedade privada. As pessoas não podem ser impedidas de terem coisas, desde que sejam lícitas. Tomar de assalto essas coisas ou impedir alguém de tê-las ( nesse momento específico ele aumenta um pouco o tom de voz), viola o direito fundamental à propriedade. Não é assim por aqui?

Na verdade, continua Pedro, eu tomei de assalto o objeto daquela pessoa, no intuito de ressaltar a injustiça de impedir alguém de ter coisas (neste caso impedir-me, pois não posso adquirir o objeto) . Ter é direito fundamental. Delegado, eu peguei furtivamente algo para ressaltar que também eu tenho direito de ter coisas. E o Estado tem a obrigação de me  proteger, proteger este meu direito! Meu direito de ter não pode ser impedido. Reconheço que errei ao furtar. Foi uma licença filosófica. 

Quero fazer uma queixa-crime jusfilosófica! Vamos esquecer meu furto para ver o caso de forma diferente. Veja que quero trabalhar, mas ninguém me contrata. Quero ter dinheiro para poder exercer meu direito constitucional à propriedade, mas ninguém me dá dinheiro. Quero ter as condições para ter coisas. Ora, por consequência lógica, alguém (ou todos nessa cidade) está me impedindo de exercer meu direito fundamental à propriedade. Então, se o Direito Penal me atinge quando eu impeço alguém de manter/ter sua propriedade, quero que de alguma forma, ele proteja meu igual direito de ter coisas! Simples assim: eu não furto se deixarem eu obter licitamente. Se é crime eu pegar coisas, também deve ser crime qualificado o impedimento de eu obtê-las de forma socialmente aceita. Acredito, delegado, que tanto eu quanto minha vítima não questionam o nosso direito fundamental de ter propriedade, nem que é absurdo alguém ser impedido de obtê-las de forma legal.



O jusfilósofo cínico termina perguntando ao delegado: Posso fazer agora meu jusboletim de ocorrência?

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