segunda-feira, 21 de outubro de 2019
sábado, 19 de outubro de 2019
terça-feira, 15 de outubro de 2019
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
Pai, se o bandido pedir desculpas, a polícia solta ele, né?
Meu filho aos quatros de idade me surpreendeu com a
pergunta: Pai, se o bandido pedir desculpas, a
polícia solta ele, né? Confesso que senti uma angústia muito forte. Não
pude responder ao ingênuo questionador, que pedir desculpas não alivia em nada
a pena do criminoso. O infante acreditava que é possível o arrependimento e o
perdão. Acreditava que todos podem se regenerar. Creio que, em tese, ninguém
consegue defender que todos são irrecuperáveis. Entretanto, poucos se atrevem a
dizer claramente que são a favor da redução da vontade de encarcerar que assola
o Brasil.
Aquele que defende seu horror ao encarceramento massivo e
desumano, invariavelmente ouvirá: Então queres que todo o bandido fique
solto? E a família da vítima? E se fosse teu filho(a)? É preciso dizer que quem julga nunca será o
pai da vítima, amigo ou familiar dela. Se fosse, seria no mínimo um juiz
suspeito. Logo, é irrelevante o argumento “se fosse ou não teu familiar”;
pois tal hipótese impede um julgamento justo. A decisão de quem julga trata-se
de uma questão social e não/nunca pessoal.
Mais raro ainda é encontrar pessoas que defendem a ausência
total de cárcere. Apesar das dificuldades, o tema do encarceramento é por
demais relevante.
O Estado nunca deve se posicionar como se fosse a vítima,
sentir as dores como se fossem suas e deste lugar reagir. O Estado não é a vítima. Não deve tomar para
si a dor que não é sua. Seu distanciamento é essencial. Ele responde pela
justiça no seu sentido mais amplo, uma justiça na sociedade e para todos. O Estado percebe o contexto para aplicar
sanções. E com certeza, a vingança não
faz parte das suas prerrogativas. Evidentemente que a vítima é fator relevante,
mas não transfere sua dor para o juiz. A vítima deve ser atendida pelo Estado
para superar seu sofrimento.
A vítima, neste sentido, é o foco. O foco não é maximizar a
pena do condenado como revanche.
É interessante lembrar o que a imprensa nos traz sobre os
tribunais do crime. Aqueles pseudojulgamentos promovidos por criminosos. Vê-se
que os criminosos se vingam. Levam em conta o dano que seus comparsas ou seus
protegidos sofreram. O resultado é
sempre o mesmo: a condenação e a morte.
O que varia é a quantidade de dor que o condenado sofre antes de morrer. Amigos
meus sem perceberem, inúmeras vezes defendem esta mesma “justiça”, a do
tribunal do crime. A diferença entre
meus amigos e o tribunal do crime, é que aqueles são “cidadãos de bem” e estes
são criminosos.
Creio que a pergunta que devemos fazer em relação ao
encarceramento é a seguinte: É sempre necessário punir? Se sim, a pena sempre é
variações e dosagens do encarceramento de corpos?
Qualquer pergunta sobre o porquê do encarceramento, deve
partir da premissa básica de que, mesmo tendo um caráter retributivo e
punitivo, a sanção carcerária tem que ter como objetivo a ressocialização.
Afinal, quem comete crimes, um dia volta à sociedade. E, é claro, tem que
voltar em condições mentais e físicas apropriadas para retomar sua liberdade
sem recaídas. Ora, o ônus de ressocializar cabe a quem encarcerou, a quem
discriminou a conduta que é considerada crime: o Estado! Ou, enfim, a sociedade.
Lembro de vários casos em que pais e mães esqueceram seus
filhos bebês dentro dos seus carros. As crianças morreram em decorrência do
calor dentro dos veículos. A dor destes
pais e mães em muito superaram a dor do encarceramento. Prender seus corpos era nada se comparado com
o sofrimento de suas almas. Neste caso, cadeia para quê? Ressocializar? Punir?
Também podemos nos referir a pessoas que furtam coisas
gostosas do supermercado. Seja por fome, seja por simples desejo. Ou ainda o
sujeito que furta um carro pela primeira vez. Nestes casos, prender para quê?
Para ressocializar? Punir?
Podemos imaginar inúmeros casos que desautorizam a pena
privativa de liberdade, pela sua inutilidade ou pelo agravamento do problema. Então,
é perfeitamente possível relativizar o mito do encarceramento como solução
única.
É possível defender filosoficamente o encarceramento de
corpos como finalidade terapêutica ou como melhoria da sociedade?
Creio não ser possível. No máximo, a prisão é um mal
necessário enquanto não encontramos nada melhor. Encarcerar é irracional. No Brasil, então, é
óbvio.
Construir e manter presídios é caro. Melhor é construir
escolas e hospitais. Tanto é verdade que
várias cidades pedem mais encarceramento, mas não querem presídios em seus quintais.
Querem escolas e as constroem. Querem
presídios desde que bem longe. Isto indica
a percepção prática que a sociedade tem da irracionalidade do encarceramento.
A prisão no Brasil tem a função simbólica de silenciar. Os
criminosos são postos embaixo do tapete. Ninguém quer vê-los. Ao contrário,
melhor seria esquecê-los. E por que o desejo de desaparecimento? Por que as
causas da criminalidade são duras demais para serem pensadas. Encarcera-se os
corpos e junto as reflexões sobre as causas dos crimes. A luta justa não é contra a criminalidade,
mas contra suas causas.
As pessoas não gostam de refletir sobre este tema. Preferem
serem dicotômicas: se é culpado; não é em nenhum grau inocente. Se é culpado
será preso na esperança de nunca ser solto. Se é culpado uma vez, será bandido
para sempre. Não é por acaso que somos um dos países que mais encarcera
pessoas. Mesmo assim, ouvimos todo o dia que a impunidade é nosso mal maior!
Creio que a desigualdade social é o nosso mal maior.
Entre os extremos de presos e soltos, há uma miríade de
possibilidades. Antes das celas, há o que chamamos de restrição de direitos.
São limites impostos ao sujeito que cometeu o crime, em substituição a pena de
encarceramento. Pode ser prestações pecuniárias, prestação de serviços à
comunidade entre outras. São sanções de fato, pois suprimem ou restringem
direitos do condenado. Não são brincadeiras! Primeiro o juiz fixa a pena
restritiva de liberdade (prisão), para depois substituí-la. Veja que estas
restrições não são pensadas para maximizar a dor de quem infringiu a lei. Na
verdade, a restrição quer evitar a prisão (por ser sansão imoderado em vários casos)
e quer salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos do réu e da
vítima.
Para encerrar proponho que antes da satisfação da sanha
punitiva e carcerária, resolvamos as questões sociais que predispõem as pessoas
à violência. Da desigualdade à marginalização, da falta de escolas à violência
familiar. A questão é social é bastante evidente. Só não vê quem prefere
encarcerar para encerrar as pessoas e estes assuntos.
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
A importância da disputa ética entre os desejos e os interesses pessoais do julgador.
Não é incomum
as pessoas pensarem que o cientista é um sujeito objetivo ao observar os
fenômenos. Algo como um peixe fora do aquário a observar seus irmãos lá dentro.
O vidro do aquário seria suficiente para que o peixe alienígena pudesse
observar sem sentimentos nem interpretações, o que ocorre no interior daquele
ambiente. E mais: quando contar o que
viu e pesquisou, o senso comum acredita que a linguagem consegue expressar
exatamente o que a mente do peixinho investigador captou.
A distância
entre os peixes do aquário e a mente do peixe que observa é enorme. A distância
entre as conclusões mentais do peixe observador e a sua expressão na linguagem,
é outra distância enorme. E por fim, do ouvido de quem ouve o relato até a
imagem mental que se forma, há distancias planetárias! Estas distâncias são
preenchidas pelas vivências e preconceitos de cada um. A objetividade plena não
é possível.
Podemos dizer
que o observador faz parte do observado. Ele não pode deixar de ver a si mesmo
quando vê o fenômeno. Seus conceitos já feitos em sua mente, e tão apreciados,
são uma lente que transforma o visto.
A (auto) busca pela nitidez da visão do investigador faz
parte do processo investigativo.
Se o fenômeno
em estudo for um crime, tudo é mais complexo.
Todo o crime já aconteceu, já morreu no tempo. O que vive ainda são as
consequências. O que está ao alcance dos sentidos são objetos, documentos e
testemunhas. Reflexos, portanto. O julgador, por consequência, faz perguntas ao
passado. Quer que o que já se foi se apresente pela boca de quem viu e pela
materialidade das provas do que já passou.
O que já passou
deixa apenas vestígios e interpretações.
A questão é que
os vestígios e as interpretações estão sujeitos ao tempo social. Tanto é verdade que não é possível julgar um
crime passado, quando a lei já não reconhece mais o evento como crime. Inúmeras
vezes o hoje absolve o ontem. Só há
crime quando alguém pergunta por ele e a sociedade o aponta. O crime é uma construção social. O mais interessante é que quem pergunta pelo
crime, já tem ideia dele, já tem uma interpretação sobre o fenômeno. Só por
isso pode perguntar por ele, só por isso pode reconhecê-lo. Não raro, o
julgador pergunta pelo crime e a sociedade não o aponta, não o reconhece
mais. É o caso do conservador num
ambiente liberal.
O observador
está presente no objeto observado. Eis a luta pela objetividade do julgador.
Percebe-se que
o julgador não é neutro. Ele é alguém que tem história, que se constituiu numa
cultura. Entretanto, há salvaguardas processuais que o orientam e o mantém
equidistante das partes. Mas não é, a equidistância, algo natural no ser
humano. É preciso empenho e disciplina. Cabe ao julgador precavido se manter
dentro das normas processuais.
O magistrado
que quer ser imparcial, busca nas provas uma certeza. A certeza de que fez o
possível para interpretar os fatos com a objetividade possível, para se
convencer sem se basear em favoritismos. O juiz faz o seu melhor para se manter
equidistante das partes. Ele deve convencer os envolvidos na lide e também a
coletividade. Convencer da sua genuína vontade de ser imparcial e justo.
É uma questão
de ser e parecer ser.
Não concordo
que o juiz se coloque acima das partes como órgão desinteressado. Entendo que
sendo parte tanto quanto os réus o são, é um cidadão igual aos demais.
Entretanto, o Estado e a sociedade
exigem do julgador mais do que exige dos demais.
O juiz é um
igual com poder/dever desigual.
Não há juiz
naturalmente imparcial, como se depreende dos parágrafos anteriores. O juiz que
é ético e domina sua técnica, sabe-se em constante luta para se distanciar do
fenômeno que julga. Quanto mais se aproxima afetivamente do caso, mais a luta
se intensifica. Imparcialidade significa
manter esta luta. Portanto, não há juiz imparcial sem esforço. É uma luta. Nela
não pode haver paz nem descanso.
Percebe-se que
a segurança jurídica se encontra nesta questão ética. Não está tão ligada assim
ao resultado da demanda. Liga-se mais na confiança da sociedade no esforço do
julgador em se manter imparcial. O julgador deverá transparecer seu esforço
neste sentido.
A sociedade que
julga favoravelmente o julgador é uma sociedade saudável e confiante.
A sociedade é
feita de partes, de grupos, de interesses e preconceitos. Ela pode ser parcial
e preconceituosa. O que não pode acontecer é ela perceber que é julgada por
alguém que tenha comportamento similar ao seu. Ao cidadão é lícito e aceitável
lutar por seus interesses egoísticos, e só o fará de forma segura se souber que
o limite a esta sua luta é o juiz (sempre à procura da sua própria
imparcialidade).
Portanto,
lembremos aos julgadores a importância da sua manifesta e evidente luta contra
suas parcialidades. Se por um lado não
cabe afirmar que o juiz é inumano e absolutamente isento de preconceitos e
afetos, por outro lado, é imperioso trazer à luz a importância da disputa ética
entre os desejos e os interesses pessoais do julgador.
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
quinta-feira, 3 de outubro de 2019
Pobre Estado, risível poder tão fraco que se limita apenas a prender corpos.
Imaginemos a seguinte situação. Em um quarto em nossa casa
há um recipiente de vidro com uma fragrância muito boa e muito forte. O poder
do seu conteúdo de exalar perfume é impressionante. Tu queres conter o perfume
que já tomou conta da casa. Entretanto, para conter a fragrância só possuis o
recurso de portas feitas de grades e de cercas de arame. É fácil imaginar o
problema que se impõe. Com grades e cercas é possível impedir o acesso ao
frasco e também impedir que ele saia do quarto, mas é totalmente impossível
confinar o perfume. Os meios são inúteis para a finalidade a que tu te propões.
Com grades e cercas prendemos o frasco, mas nunca o perfume. A casa vai
continuar perfumada. Os meios impedem os
fins.
O Estado inúmeras vezes está diante de problema similar. Ou
seja, pode prender corpos físicos, mas não as almas dos apenados. Estas
continuam livres, apesar dos seus invólucros corporais estarem sob a tutela
estatal. Nestes casos, o Estado pode pouco, muito pouco. Eis o limite das prisões: elas prendem corpos
apenas. Como exemplo, entre tantos
outros, temos Gandhi, Mandela e Martin Luther King. Prender corpos é o limite
estatal. Pobre Estado, medíocre Estado.
Na metáfora do primeiro parágrafo, quero dizer que se o
Estado quer impedir ideias com grades, torna-se uma instituição inútil enquanto
meio para tal fim. Há almas que são maiores que seus corpos. Encarcerar estes
não isola aquelas. Se uma pessoa é mais que seu invólucro corporal, se uma
pessoa se torna uma ideia, não serão grades os instrumentos adequados para
impedir a liberdade. Almas não podem ser presas.
Gradear o pote que contém o perfume, não impede a
fragrância. Da mesma forma prender alguém por questões políticas não impede
seus ideais de fluírem. Com certeza,
inúmeras vezes prender o continente volatiza ainda mais o conteúdo.
Pobre é o Estado e medíocre são seus agentes quando o corpo
aprisionado se recusa a sair da cela, quando o calabouço mais exalta seu
espírito e sua fala. Ridícula é a
situação de um judiciário quando mantém entre grades inúteis o que se exala
pelo ar. É vexatório quando a politização do judiciário cria a situação fática em
que manter na cela o corpo apenado, apenas aclara a própria incompetência
estatal.
Eis o limite indiscutível: ao mísero Estado resta apenas a
possibilidade de prender corpos nada podendo contra seus conteúdos, suas almas,
seus ideais.
Incrível é o caso em que o preso ao querer se manter na
cela, mais livre é.
Incrível é o caso em que ao querer manter o preso
encarcerado, encarcera a si mesmo o judiciário.
Quando a prisão é política, quando o medo é da voz e da
ideia as grades são inúteis.
É imperioso soltar o corpo injustamente preso, pois esta
alma sempre foi livre, nunca conheceu nem conhecerá limites físicos. Pobre
Estado, risível poder tão fraco que se limita apenas a prender corpos.
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