sábado, 24 de novembro de 2018

O filme Idiocracia. Uma crítica política


A questão proposta pelo Filme Idiocracia é a seguinte: um mundo onde a falta de inteligência é a regra e a mediocridade intelectual é o máximo da inteligência disponível. Um mundo onde a única informação vem pelos canais abertos de televisão. Uma realidade onde o maior prazer possível é o sexo e o maior poder é o de comprar coisas.       

      Nesse mundo hipotético, a política é a arte de gerir imbecis. Nem os gestores são capazes de fugir da sina criada por eles mesmos e pela sociedade: também os gestores políticos são idiotas. A máxima romana “pão e circo” é elevada ao seu máximo acelerando a imbecilização coletiva. Idiotizar o povo tem como efeito colateral criar administradores imbecis. Ora, não há como destruir o conhecimento sem destruir os seus destruidores.          

      Uma reformulação do sistema construído no futuro começa a se estabelecer quando uma pessoa comum, mediana e simplória para os padrões atuais, passa a ser considerada a pessoa mais inteligente do mundo. Eis a sátira que não nos faz rir, mas nos assusta. 
      

      Não estou pensando o termo idiota no sentido dado pelo dicionário.


      Idiota: Que ou a pessoa que é pouco inteligente ou não tem bom-senso; pateta, parvo(a), estupido(a); imbecil. (Grande dicionário Sacconi. Editora Nova geração.)    

      
      Prefiro no contexto do Professor Mário Sérgio Cortella no seu livro Política para não ser um idiota. O professor nos fala sobre este adjetivo afirmando que da Grécia clássica até agora, acabou invertido o conceito original de idiota. Antes, a expressão idiótes (em grego), queria apontar a pessoa que só vive a vida privada, que recusa a vida política. 

           

      Portanto, é evidente que o substantivo política que utilizo, não se refere apenas a busca e a manutenção do poder no Estado.

          

      Quando uso a expressão política, com certeza me afasto do senso comum. Afasto-me do entendimento que a política é o desejo egoísta travestido de interesse público. Muito, muito menos estou falado de partidos políticos. Na Grécia clássica, a política era entendida como as ações proveitosas à cidade-estado (a polis). Todas as pessoas deviam se entregar às questões políticas. Isto era considerado bom e belo. Gerir a cidade era um problema que deveria ser para todos e não para alguns. Afinal, a cidade era de todos e todos eram responsáveis por ela. A democracia sobrevivia às diferenças de opiniões, às críticas e até à coexistência com escravos. Esse é o contexto que dou a expressão política.

           
                No filme a falta de inteligência, o desejo sexual irrefreado e o desmedido consumo, reduziu a sociedade a indivíduos egoístas, apolíticos (idiótes) e emburrecidos. A liberdade para pensar desaparece num ambiente livre para a satisfação corporal e inóspito para a reflexão. Uma vida para o consumo inviabiliza a capacidade de reflexão e de fazer política. Nesse contexto discutir a cidade, a cultura e a ética não é possível. Nessa sociedade imaginada, as pessoas são seus instintos (a eles se limitam): a autopreservação, o sexo, a alimentação e a fuga da dor. Ora, por consequência, aproximam-se da vida animal. Não refletem, apenas ruminam o que recebem numa busca monótona da satisfação corporal.  São semoventes conduzidos por alimárias.  Lembrando Platão, esse mundo idiotizado é possível por que as pessoas vivem apenas para seus sentidos, limitados pelo mundo material (em oposição ao mundo ideal). Afastando-se do mundo das ideias, permanecem no erro e na ignorância. Animais e idiotas (no sentido grego) vivem apenas para o prazer.
    
     

      A capacidade para sermos racionais é inata. Entretanto, é construída também. O homem por esforço próprio pode se imbecilizar. O homem pode decidir investir na satisfação de seus desejos e pronto. Então, o risco de entregar-se à preguiça intelectual é grande. O risco de não desenvolver a racionalidade também é grande. Todos nascemos para sermos inteligentes, mas nem todos podem ou querem desenvolver essa capacidade.  Dá muito trabalho! É exaustivo! Desenvolver nossa inteligência é um ato político. Sair da mediocridade é um ato disruptivo.

     

      Conheci o filósofo e padre Achylle Alexio Rubin. Falei com ele uma vez e encantei-me. Então, acabei comprando o Livro dele, Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia.  No capítulo 7 do livro citado, o padre define a inteligência no contexto da aprendizagem:

            

      "A inteligência nos liberta, ainda que relativamente, dos condicionamentos da materialidade. Não somos como os animais que, desde sempre e para sempre, constroem os seus ninhos da mesma forma, emitem as mesmas vozes, abrigam-se do mesmo jeito, buscam o necessário para sua sobrevivência com os mesmos hábitos.

      Nós, pelo contrário, usamos através dos tempos, de uma simbologia variadíssima para nos expressar e nos comunicar. As línguas e dialetos são quase infinitos, os estilos arquitetônicos, literários, poéticos e musicais surgem com variadíssimas formas de expressão. A dança e o balé são riquíssimos em movimentos criativos”. *

           

      Na (pseudo)democracia vista no filme, não há espaço para a criação, para a linguagem variada e para compreensão do outro. Muito menos para a política. Compreender e fazer política: dois temas que exigem desenvolvimento intelectual, moral e ético. No mundo hipotético do filme, o consumo supera a empatia e a alegria em conviver. Sem convivência desejada e refletida, não há política. Sem política, não há motivos para sermos humanos. Basta consumir, transar e sobreviver sempre mais um pouquinho.    



     



       ·                Rubin, Achylle Alexio. Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia. Santa Maria. Editora Palotti. 2001. Página 38



     



     



     










quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Paradoxo da visão Bolsonarista sobre armas no contexto da legítima defesa.











Art. 25 CP - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (grifos nossos)




Durante toda a campanha do presidente eleito, houve especial incentivo ao porte (e ao uso) de armas. Icônica foi a imagem de uma criança no colo do Sr. Bolsonaro. Ela foi levada por ele a simular com sua mãozinha uma arma letal.



A justificativa bolsonarista para a facilitação do porte (e do uso) é a autodefesa. O presidente eleito faz forte investimento emocional. As pessoas devem perceber a violência exclusivamente como reflexo da ausência policialesca do Estado no dia a dia das cidades. Por consequência, esta ausência justifica a autodefesa letal por armas de fogo.



O conceito de legitima defesa foi extremamente alargado. Alargado para que seja possível o discurso legitimante da possibilidade da autodefesa letal. Segundo os bolsonaristas, o cidadão de bem é vítima da omissão policial do Estado.



É fato que a população em sua grande maioria não sabe o conceito legal da legítima defesa. A imprensa, o político eleito e os apoiadores do Sr. Bolsonaro, não esclarecem à população este conceito tão técnico. Ao contrário do esclarecimento, os apoiadores do porte/uso de armas estabeleceram uma dicotomia artificial e maliciosa:  de um lado há o cidadão de bem. Este cidadão pensa e age de acordo com o conceito popular/prático/eficiente do que seria a autodefesa garantida por lei. Do outro lado, estão os engravatados, os políticos encastelados, os esquerdistas e os teóricos bobos. Estes seriam os que não querem resolver de fato e imediatamente o problema da violência.



A dicotomia é tanta que o simples fato de questionar a solução armada da violência endêmica, já é motivo para ser visto com desconfiança: “Então, adota o bandido e leva para casa!”.



Agora vemos no RJ o futuro governador apoiando a lei do abate de criminosos armados. Grosso modo, seria a aceitação legal de que a pessoa que portasse arma em atitude suspeita (nas favelas!), poderia ser abatida por policiais à distância (Sniper). Esse projeto de lei pretende reduzir a violência armada que tanto mata. Reduzir através da morte por tiros vindos de longe. Armas detendo armas.



Em determinadas regiões e quando usadas por determinadas pessoas, o porte de arma de fogo levaria à pena de morte legalmente permitida. Penalidade imposta sem julgamento, sem nada. Novamente, a tese ampliada da legítima defesa ressurge, agora no Rio de Janeiro. Mais ou menos assim: se o sujeito está armado ilegalmente, por consequência se presume que vai matar alguém. Então, em defesa desse alguém, é morto o futuro agressor (morto antecipadamente ao crime). A premonição de um crime permitiria uma morte imediata. Novamente, não há preocupação em entender o conceito legal de legítima defesa. É necessário apenas agir, apertar o gatilho à distância.



A tese dos bolsonaristas: Alguns podem/devem portar/usar armas e outros terão pena de morte se portá-las (mesmo que não as usem).



Podemos resumir imaginando: uma pistola na mão de um cidadão de bem será permitida. O policial atirador, numa distância de um quilômetro, vai decidir a qualidade do cidadão (se é um cidadão de bem). Caso a pessoa não for considerada confiável, poderá ser abatida á distância. Qual o critério? Se falamos de atiradores distantes, o referencial será a aparência externa das pessoas. Então, pela aparência e pelo lugar, o policial vai abater... ou não.



O paradoxo:



Afinal, os bonsonaristas querem ou não armas? Se sim, é para todos os cidadãos e em todos os lugares? Ou para uns a arma será possível e para outros não? A autodefesa por armas só será legítima para o cidadão visivelmente de bem ou para todos os brasileiros? Tanto o MST quanto o militante contra o desmatamento, terão o mesmo acesso ao porte/uso de armas? O indígena e o madeireiro, idem?



Importante e fundamental:   Não falo de forma dicotômica: bandidos x mocinhos. É obvio e já superado que delinquentes não podem portar armas. Preciso soletrar?



Imagina agora o perfil do presidiário brasileiro. Qual sua cor? Onde mora? Qual sua escolaridade?  Agora imagina o Sr. Silva. Ele tem as características visuais do presidiário padrão. Entretanto, ele é trabalhador e tem família (família tradicional). O Sr. Silva está armado (pois agora é permitido). Houve tiros. Vê gente correndo. A polícia está por todo o lugar. Silva tem medo e saca a arma. Ele imagina que ao ver o bandido vai atirar e matá-lo. Ajudará a si mesmo e à polícia. Imagina que nem vai ter problemas com a justiça. Afinal, a legítima defesa está escancarada! Tese fácil. Acontece que o atirador de elite ao ver aquela pessoa com aquelas características, numa região conflagrada, com uma arma na mão, não hesita. Atira e o mata na distância de mil e quinhentos metros. É a arma do policial querendo deter a arma “do bandido”. É a construção aloucada (criada pelo senso comum) de um conceito espúrio de legítima defesa.



O paradoxo das armas. A arma do Estado policialesco que tenta desarmar. O porte/uso de arma permitida pelo Estado pondo em risco o cidadão. O Estado cada vez mais violento para reduzir a violência.



O paradoxo bolsonarista fica evidente no Estado do Rio de Janeiro. Logo será evidente no país inteiro.




quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O silêncio pitagórico











Há muito ruído em volta de nós. Imagens, cores, sons e tecnologias brilhantes. Tudo grita a nossa volta. O silêncio é uma exceção num tempo de informações que ululam o tempo inteiro.



Se nossa vida fosse um aquário, a água seria as expressões todas!



Dentro de nós também não há silêncio. Nossos pensamentos têm asas e voam o tempo inteiro. Nem sempre coincidem no mesmo espaço nosso corpo e nossos pensamentos. Ficar atento por vários minutos é muito complicado. Nossa mente fala o tempo todo, quer sempre mais.



A velocidade é mais empolgante que o tempo da leitura e da compreensão. O tempo de vociferar é mais rápido que o tempo do ouvir. Vociferar parece ser mais eficiente que ouvir. Dizer o que pensamos parece ser mais transformador do que ouvir. Ler títulos, pequenos rótulos e slogans parece ser muito mais esclarecedor que ler os textos longos, densos, chatos. Usei a palavra “parece” intencionalmente.  Como diz o ditado popular: nem tudo que parecer ser, é de fato.



Lotados de preconceitos, de paradigmas corriqueiros e de ruídos informacionais de todos os tipos, opinamos o tempo inteiro. Opinamos tanto que passamos a ser ruído também. Impedimos outras pessoas de curtirem o silêncio. Temos dentro de nós barulhos e nos tornamos barulho para os outros. Há, inclusive, certo orgulho quando dizemos: falo o que quero, quando eu quero. Quem não gostar que não ouça! Pois e´, mas quando falamos o tempo todo, sempre atingimos pessoas: como todas fugirão de nós?



Quando uso o verbo falar, quero trazer a ideia de expressão. Pode ser a voz, a cor, a música, a expressão facial e corporal.



Imaginemos o cidadão X. Ele é da classe média e é medianamente informado. O sr. X lê todos os títulos dos jornais impressos. Ama o twitter. Ouve os jornais das tvs comerciais. Locupleta-se com as mensagens que recebe no whatssap e no messenger. Lê todas elas o tempo todo.  Seus amigos são similares. Nos finais de semana se encontram e dizem as mesmas coisas, os mesmos bordões. Falam o tempo todo. Ninguém ouve bem, todos se expressam muito.  O cidadão X comanda esses encontros e não tem amigos discordantes. Ele adora aqueles ruídos que lhes é tão familiar. Não há espaço para o silêncio interno, muito menos o externo.



Creio que o Sr. X representa a grande maioria de nós.



Lembrei nesse instante de uma das primeiras lições que os discípulos de Pitágoras aprendiam: o silêncio. Por algum tempo diariamente o discípulo deveria aquietar-se e apenas ouvir o mestre. Não podia questionar. Talvez, sendo um discípulo antigo, pudesse questionar o mestre nestes momentos de silêncio. Mas era exceção à regra. Sendo este filósofo e matemático uma figura famosa por sua inteligência, não posso crer que o silêncio imposto significasse a aceitação passiva dos seus ensinamentos. Entendo que Pitágoras percebia que saber ouvir em silêncio interno facilita a aprendizagem. Ruídos atrapalham. Permitem que algo se perca do ensinamento precioso.



Hoje não temos momentos de silêncio interno.  Estamos locupletados de verdades falantes dentro de nós. Os espaços para aprender é cada vez menor.  Zygmund Bauman fala de um tempo líquido. Eu creio no tempo dos barulhos. Todos se expressam. Poucos se entendem. Mas quem se importa? A pessoa mediana acredita que seu direito de se expressar é em muito superior a obrigação de entender!



Concordo com Pitágoras. Precisamos de um tempo para ficar em silêncio e apenas ouvir. Ouvir e aprender. Após aprender, então expressar o que pensamos. Isso com o cuidado de nos expressarmos para quem fique quieto o tempo suficiente para nos entender.  Caso contrário, não vale a pena.



Espero que tenham lido esse texto silenciosamente.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Das pedras, paralelepípedos e ruas informacionais



Quando penso no mundo da informação hoje, imagino vários caminhos sobre pedras/paralelepípedos. Cada pedra é uma informação. No conjunto fazem uma rua de piso irregular. Cada pedra não se encaixa perfeitamente na outra. Individualmente são aleatórias, jogadas no chão. Só podem ser consideradas rua no seu contexto. Assim são as informações jogadas por onde intelectualmente andamos. Tropeçamos nelas se não estamos atentos. A caminhada de quem (re)pensa os caminhos da informação não são fáceis. Pior é para os caminhantes que não se preocupam com a qualidade do seu andar. Nas ruas das informações, andam aos tropeções!

Décadas atrás as informações de qualidade vinham principalmente em livros. Os livros têm o cuidado de contextualizar o leitor. Nele há uma introdução e notas explicativas.  Muito comum os livros terem outra pessoa que faz a sua apresentação.  Sem falar na pequena biografia do autor. Há inúmeras notas de rodapé! Essas obras querem se explicar. Não querem ser apenas pedras aleatórias nos caminhos dos leitores. Pretendem explicar onde se encaixam. Ao caminheiro das informações, fica mais fácil o caminhar.

As informações (os dados) no século vinte e um abundam. Menos em livros que se (auto)contextualizam. Estão jogadas pelas ruas da vida. São pedras desalinhadas, descontextualizadas. São dados soltos. Dessa forma, o caminheiro desavisado vai escolhendo-os de qualquer jeito. Ao recolher os dados jogados, tem o alforje pesado.  O peso é tanto, que a pessoa se sente completa. Pensa já ter dados suficientes. Entretanto, não se encaixam. Cada um deles tem sentido próprio, mas junto aos demais não fazem sentido. Contradizem-se.  Mas o caminheiro não pode perceber, pois não percebe o contexto. Não avalia o caminho. Apenas junta as pedras (dados informacionais) como lembranças por onde andou.

Muitos caminheiros andam em grupos pelas ruas informacionais. Juntam dados atraídos pela mesma simpatia pelos formatos das pedras. Colecionam entre si, trocam os dados coletados como quem troca figurinhas.  Não pensam em contextos, mas em preferências. Nos caminhos da informação, estão mal orientados. Colhem seus paralelepípedos informativos ao sabor das opiniões, das mídias, das vontades, dos ventos.

A internet tem de tudo. Pedras de todos os tamanhos, formas e cores. Basta ir ali e pegar quantas quiser. Não há critérios no mundo virtual. Mas são tantos dados que quase impossibilitam a escolha. Os desavisados apenas colhem o mais que puderem: armazenam em seus alforjes mentais. Ufa! Quanto peso. Lá vai o caminheiro com suas pedras desconexas, sem sentido. Acham que quantidade é qualidade.

A internet não é como são os livros. Não há introdução nem contextos. As informações desconectadas estão nela jogadas. São como cascalhos por onde andamos.

As pessoas estão cheias de dados desconexos. Cada informação é uma unidade. Cada pedregulho está pronto para ser jogado na cara de quem discorda.  Atiram com força os dados coletados desconexamente, para ferir. Sem contexto, os dados não servem para trocar ideias.  São úteis para ferir de morte o oponente. Os descontextualizados trocam pedradas como faziam os nossos ancestrais pré-históricos.

Não há trocas de sentidos. Há pedradas. Isso explica muito por que as pessoas não mudam de ideias. Elas se jogam ideias como quem dá um tiro.

É preciso hoje muito mais estudo da história que ontem. Hoje, Filosofia e sociologia são essenciais. A área das humanas tem que brilhar. São estas ciências que trazem o contexto para que as pedras façam sentido e se tornem pavimento bom para ruas tranquilas, fáceis de caminhar. Assim poderemos caminhar com segurança nos caminhos das informações. Estudar para compreender. Estudar não é coletar pedras para joga-las em alguém.  Não é preciso um alforje tão grande assim. Pedras pesam muito. Contextos são leves.

Exegese. Hermenêutica. Contexto. Sentidos. Isso a internet não dá. A internet é exposição de dados. O trabalho de fazer sentido é da pessoa. Coletar é fácil. Qualquer chip faz.

Livros. Depois os dados. Livros. Depois a internet. Livros. Depois o debate. Livros. Depois mais livros. Enfim, menos pedradas. Mais contextos.



quinta-feira, 25 de outubro de 2018

O ódio na política? Freud explica




Freud nos falava de um inconsciente.  Esse espaço mental reprimido está em nós e nos dá as referências para as nossas ações. Ao mesmo tempo em que guarda nossas memórias (mesmo as que não nos lembramos), a todo o momento nos dá insights (capacidade de compreender os próprios motivos).



A todo o momento o inconsciente, mesmo sem ser consultado, nos dá caminhos sequer solicitados. Faz-nos interpretar o mundo antes de lê-lo. O inconsciente é uma energia vital que flui através de nossas escolhas e, por consequência, pelas nossas ações. Faz-nos compreender sem necessidade de ser compreendido por nós. Há quem ache isso uma crendice, quase uma religião: a fé no inconsciente seria superior à necessidade de compreendê-lo. Toda a crítica é bem vinda. Traz à luz da consciência o que pensamos.


Quando falo em inconsciente, associo à vontade de poder de Nietzsche.  O inconsciente do Freud é uma vontade de prazer; um prazer amoral.



As pessoas que defendem o fascismo, a tortura e a morte de gente, não estão refletindo criticamente sobre sua simpatia ao horror. Creio que estão entregues a motivações interiores não identificáveis e injustificáveis de forma consciente. A aceitação do poderoso discurso de ódio reflete a incapacidade de fazer uma autorreflexão.  São dominados pela pulsão de morte (pulsão de agressão ou de destruição quando se exterioriza). Esse apreço pelo ódio vem de um espaço mental de difícil acesso à consciência. 





Conscientemente (e publicamente mais ainda!) é muito difícil aceitar o apreço pelo ódio. Se as conversas amistosas entre amigos que pensam diferente tendem a expor esse tema (o apreço ao ódio), é desencadeado sentimentos inconscientes e pouco racionais. A discussão ofensiva e acalorada que surge, protege a consciência de explicar para si mesma e para os outros a sua simpatia pelo ódio.





Similar ao que ocorreria no consultório psicanalítico. Quanto mais o terapeuta chegasse próximo ao entendimento compartilhado do profundo apreço pela dor e pelo ódio, os mecanismos de defesa do “paciente” explodiriam. O mecanismo de defesa dos que defendem o ódio, se manifesta pelo discurso de mais ódio. Para não entender o que sentem, passariam a odiar o interlocutor. Transferência pura, ancestral.



Quando estamos em terapia psicanalítica, o diálogo com o terapeuta alivia as resistências e os sintomas. Vai até o ponto da superação dos traumas e a extinção total dos sintomas. A talking cure é bem isso, a cura pela fala, pela expressão e pela audição da fala do outro. A fala cura por que ressignifica o que expomos, o que vem do inconsciente. A fala é terapêutica quando a fala quer “ouvir”. O ouvir é terapêutico quando o ouvir quer “falar”. O diálogo é isso. O contrário do diálogo é a resistência à mudança, à ressignificação. Isso explica por que os seguidores do ódio, não conseguem/não podem dialogar. Isso por que se dialogarem, vão ter que explicar. Explicar faz sofrer. Explicar é assumir o apreço ao ódio. E mais difícil ainda: transformar esse apreço. Mas o seguidor do ódio não pode transformar nada, só pode impor. Se houver trocas, haverá a possibilidade de cura. E isso o seguidor não pode suportar. Então seus mecanismos inconscientes de defesa impedem a fala.



 Portanto, este sujeito adoentado, pode apenas odiar. Está limitado a urrar verdades tão alto que não possa mais ouvir os outros.





Entretanto, podemos apostar que estes indivíduos, expostos a ambientes amorosos e democráticos, poderão aprender a dialogar. Sentindo-se seguros, poderão começar a cura pela fala. Mas, expostos a ambientes antidemocráticos e violentos, vão piorar pela ausência da fala terapêutica.



Concluo dizendo que votemos em quem propaga o bem, o diálogo e a democracia. Isso só traz saúde mental e física. Apostar na solidariedade e no amor ao próximo só traz... solidariedade e amor. É tão bom que fará o bem inclusive aos odientos. O bom voto só traz o bem. Simples assim. Complexo assim.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

A necromancia e a sociedade em rede.







Estava realizando uma videoconferência com uma pessoa amiga. Eu no centro do Rio Grande do Sul. Ela em outro estado da federação.  Como era de se esperar, o tema polarização da política nacional assumiu o controle sobre nós. Tornamo-nos sujeitos dominados pela temática.  Entretanto, logo percebi que era uma espécie de monólogo. A pessoa falava e não assimilava os contra-argumentos. Quando percebia alguns fragmentos do meu discurso, os transformava em pedras e jogava-os contra mim.  Rapidamente percebi a situação, desconversei e pronto; desconectei-me.  Esse fato me lembrou que no início dos anos dois mil, o assunto acadêmico da moda era a sociedade em rede, a globalização e a mundialização. Enfim, as pessoas pensavam sobre como o mundo era pequeno e como tudo se interligava.  Os acadêmicos falavam do “efeito borboleta”. Ainda gosto deste tema, por que ele não morreu.



Caro leitor, veja que no início do parágrafo anterior eu falei em videoconferência. Portanto, estava conectado, estava em rede, estava globalizado, mundializado. A pessoa com a qual eu falava estava a minha frente, mesmo estando a centenas de quilômetros distante. Próximos, muito próximos! Ah! Maravilha tão comentada no início do século vinte e um. Entretanto, a conexão era falsa. A pessoa do lado de lá não estava conectada comigo. Não queria ouvir. Não queria conectar. Não queria a empatia. Então, onde a sociedade em rede? Onde o fluxo de informações? Onde a sociedade do conhecimento?  Tudo isso não está fora do ser humano. A conecção está na alma. Na mente. No espírito. No sentimento.



A pessoa que monologava comigo on line, não estava conectada. Defendia um personagem/candidato que não se conectava. A pessoa argumentava com “não-argumentos”. Não queria rede, não queria conecção, muito menos dicção. A pessoa estava necrosada, pois não deixava fluir sangue nas veias da rede comunicacional. Ela queria cortar laços com o mundo para poder ter e ser a verdade. Se a rede fosse um tecido humano, esta pessoa seria um conjunto de células morrendo por não comunicar-se com as demais. Anestesiada pela fé no cidadão/candidato, morria sem dor. Uma espécie de suicídio assistido. Afinal, outras pessoas provavelmente a incentivavam a desconectar-se, a morrer sem fluxo de vida.



Vivemos num mundo tecnológico que permite a existência de uma rede, de uma fluência de informações e de pessoas. Entretanto, especialmente este candidato, quer o inverso. Cada pessoa que nele crê, desconecta-se. Não pensa a história. Não pensa no outro. Não pensa no futuro. Não pensa no vizinho negro. No sobrinho homossexual. Na mãe e na irmã. Não lê notícias críticas. Ameaça quem pensa diferente. Não quer o fluxo de informações. Morre por asfixia. Morre por deixar a rede. Morre por desconexão. Estes sujeitos são necromantes. Sofrem (e gostam da) de necrose. Não se ligam. Não ligam para ninguém. Para estes, a sociedade não pode estar em rede.



Os necromantes não dialogam. Eles comunicam verdades. Por isso não entendem nem se entendem. Brigam. Morrem. Insultam.



Os necromantes são insidiosos. São como um vírus de computador. Entram nos sistemas e deletam dados. São cavalos de Tróia nos sistemas. São robôs que obrigam o sistema a fazer tarefas que destrói seus próprios dados. Estas pessoas não podem deixar as informações passarem. Para elas não pode haver história. Não pode haver reflexão. São necromantes parmenídicos. A mudança é ilusão. Só a violência e a irracionalidade são verdadeiras para estes sujeitos quase-mortos. Evidentemente, a violência e a irracionalidade necrosam a rede, cortam fluxos. Os necromantes provocam entupimentos nas veias dos tecidos. Para estes, a sociedade não pode estar em rede! Não pode estar viva!



Os seguidores deste candidato mórbido odeiam a comunicação, a fluidez, a vida em rede. Que caiam os sistemas! Que as trevas se façam! Que a comunicação nada comunique! Que venha a barbárie! Um mundo apocalíptico cheio de necromantes: nunca uma sociedade em rede!



Tenho certeza que um mundo assim, desconectado e desamoroso, não perdurará muito tempo. É autofágico. Se passarmos por isso, será talvez libertador. Provaremos o amargo remédio contra a necrose: a experiência da violência que nos fará desejar a paz, a concórdia e o diálogo. Então, retornaremos ao início do século vinte e um revisitando os conceitos de sociedade em rede, de mundo conectado.






Quêm lê muito não faz nada. Verdade?