A questão proposta pelo Filme Idiocracia é a seguinte: um
mundo onde a falta de inteligência é a regra e a mediocridade intelectual é o
máximo da inteligência disponível. Um mundo onde a única informação vem pelos
canais abertos de televisão. Uma realidade onde o maior prazer possível é o
sexo e o maior poder é o de comprar coisas.
Nesse mundo
hipotético, a política é a arte de gerir imbecis. Nem os gestores são capazes
de fugir da sina criada por eles mesmos e pela sociedade: também os gestores
políticos são idiotas. A máxima romana “pão e circo” é elevada ao seu máximo
acelerando a imbecilização coletiva. Idiotizar o povo tem como efeito colateral
criar administradores imbecis. Ora, não há como destruir o conhecimento sem
destruir os seus destruidores.
Uma
reformulação do sistema construído no futuro começa a se estabelecer quando uma
pessoa comum, mediana e simplória para os padrões atuais, passa a ser
considerada a pessoa mais inteligente do mundo. Eis a sátira que não nos faz
rir, mas nos assusta.
Não estou
pensando o termo idiota no sentido dado pelo dicionário.
Idiota: Que ou a pessoa que é pouco inteligente ou não tem bom-senso;
pateta, parvo(a), estupido(a); imbecil. (Grande dicionário Sacconi. Editora
Nova geração.)
Prefiro no
contexto do Professor Mário Sérgio Cortella no seu livro Política para não ser
um idiota. O professor nos fala sobre este adjetivo afirmando que da Grécia
clássica até agora, acabou invertido o conceito original de idiota. Antes, a
expressão idiótes (em grego), queria apontar a pessoa que só vive a vida
privada, que recusa a vida política.
Portanto, é
evidente que o substantivo política que utilizo, não se refere apenas a busca e
a manutenção do poder no Estado.
Quando uso a
expressão política, com certeza me afasto do senso comum. Afasto-me do
entendimento que a política é o desejo egoísta travestido de interesse público.
Muito, muito menos estou falado de partidos políticos. Na Grécia clássica, a
política era entendida como as ações proveitosas à cidade-estado (a polis).
Todas as pessoas deviam se entregar às questões políticas. Isto era considerado
bom e belo. Gerir a cidade era um problema que deveria ser para todos e não
para alguns. Afinal, a cidade era de todos e todos eram responsáveis por ela. A
democracia sobrevivia às diferenças de opiniões, às críticas e até à
coexistência com escravos. Esse é o contexto que dou a expressão política.
No filme a falta
de inteligência, o desejo sexual irrefreado e o desmedido consumo, reduziu a
sociedade a indivíduos egoístas, apolíticos (idiótes) e emburrecidos. A
liberdade para pensar desaparece num ambiente livre para a satisfação corporal
e inóspito para a reflexão. Uma vida para o consumo inviabiliza a capacidade de
reflexão e de fazer política. Nesse contexto discutir a cidade, a cultura e a
ética não é possível. Nessa sociedade imaginada, as pessoas são seus instintos
(a eles se limitam): a autopreservação, o sexo, a alimentação e a fuga da dor.
Ora, por consequência, aproximam-se da vida animal. Não refletem, apenas
ruminam o que recebem numa busca monótona da satisfação corporal. São
semoventes conduzidos por alimárias. Lembrando Platão, esse mundo
idiotizado é possível por que as pessoas vivem apenas para seus sentidos,
limitados pelo mundo material (em oposição ao mundo ideal). Afastando-se do
mundo das ideias, permanecem no erro e na ignorância. Animais e idiotas (no
sentido grego) vivem apenas para o prazer.
A capacidade
para sermos racionais é inata. Entretanto, é construída também. O homem por
esforço próprio pode se imbecilizar. O homem pode decidir investir na
satisfação de seus desejos e pronto. Então, o risco de entregar-se à preguiça
intelectual é grande. O risco de não desenvolver a racionalidade também é
grande. Todos nascemos para sermos inteligentes, mas nem todos podem ou querem
desenvolver essa capacidade. Dá muito trabalho! É exaustivo! Desenvolver
nossa inteligência é um ato político. Sair da mediocridade é um ato disruptivo.
Conheci o
filósofo e padre Achylle Alexio Rubin. Falei com ele uma vez e encantei-me.
Então, acabei comprando o Livro dele, Minha pequena filósofa. Minha pequena
filosofia. No capítulo 7 do livro citado, o padre define a inteligência no
contexto da aprendizagem:
"A inteligência nos liberta, ainda que relativamente, dos
condicionamentos da materialidade. Não somos como os animais que, desde sempre
e para sempre, constroem os seus ninhos da mesma forma, emitem as mesmas vozes,
abrigam-se do mesmo jeito, buscam o necessário para sua sobrevivência com os
mesmos hábitos.
Nós, pelo contrário, usamos através dos tempos, de uma simbologia
variadíssima para nos expressar e nos comunicar. As línguas e dialetos são
quase infinitos, os estilos arquitetônicos, literários, poéticos e musicais
surgem com variadíssimas formas de expressão. A dança e o balé são riquíssimos
em movimentos criativos”. *
Na
(pseudo)democracia vista no filme, não há espaço para a criação, para a
linguagem variada e para compreensão do outro. Muito menos para a política.
Compreender e fazer política: dois temas que exigem desenvolvimento
intelectual, moral e ético. No mundo hipotético do filme, o consumo supera a
empatia e a alegria em conviver. Sem convivência desejada e refletida, não há
política. Sem política, não há motivos para sermos humanos. Basta consumir,
transar e sobreviver sempre mais um pouquinho.
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Rubin, Achylle Alexio. Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia. Santa
Maria. Editora Palotti. 2001. Página 38