sábado, 28 de dezembro de 2019
terça-feira, 24 de dezembro de 2019
Cavalão X Profeta Gentileza (Comentário ao artigo do Prof. Valdo Barcelos - Jornal Diário de Santa Maria 24/12/2019)
Quem lembra do Profeta gentileza? O nome
dele era José Datrino (1917 – 1996). Ele pregava pelas ruas do Rio de Janeiro.
Sua crença? A gentileza. Sempre com palavras doces e cheias de amor nos lábios;
nas mãos, flores. Em função de acontecimentos traumáticos em sua vida, passou a
propagar ideias sobre amor ao próximo. Dizia: “Gentileza gera gentileza”. Simples
assim. Alguns achavam que era um louco qualquer, outros, acreditavam ser um
poeta das ruas.
Há muito, muito poucos profetas desta ordem.
Creio que há mais (falsos) profetas falando de ódios, infernos, perseguições e
grosserias. Entre vendilhões do templo e grosseiros profissionais, temos uma
sociedade adoentada e violenta. Para reverter este quadro, quantos “Gentilezas”
precisaremos?
A gentileza é um comportamento que vem
pela aprendizagem. Notadamente pelo exemplo. A amabilidade, a nobreza, a
urbanidade é um princípio civilizatório a muito custo adquirido. Basta pensar que
este princípio se contrapõe ao caminho mais fácil, que é o da descortesia, da
grosseria e da estupidez. É mais fácil
ser antissocial que gentil, é mais fácil agredir que ser empático. O Profeta
Gentileza sabia disso e se dedicou ao magistério da amabilidade. Escolheu,
portanto, o caminho mais difícil. E tanto o era, que foi taxado de louco. Mais
razoável é ser estúpido que gentil – todos acreditam. Cabe apontar que os menos
inteligentes na nossa espécie, adoram os caminhos mais fáceis. São como água
que escorre por declives mais favoráveis, sempre.
Optar pela gentileza e civilidade é bem
complexo. Exige esforço, hábito e empatia. É quase como fazer as águas subirem
um morro. Dá trabalho, mas é possível. Entretanto, poucos sabem realizar esta
obra de engenharia hidráulica.
O presidente Bolsonaro não conhece o
Profeta Gentileza. Afinal, vive de impropérios, exala grosserias e mau humor.
Sua estupidez flui pelos declives do poder, do puxa-saquismo e do servilismo. É
grosseiro porque pode sê-lo e quer sê-lo. No ambiente melífluo e tóxico do
poder, este senhor grosseiro prospera. Em seu entorno, o presidente ogro plantou
seus iguais e vive na sombra destes. Não
há inteligência emocional neste governo agressivo e mal-educado.
Vou abrir meu voto para a eleição presidencial
seguinte: votarei no Profeta Gentileza. Bem, como não será possível, ao menos ficarei
atento a quem for gentil, amoroso e fraterno. A barbárie só se mantém enquanto
existirem bárbaros pra mantê-la.
domingo, 22 de dezembro de 2019
quarta-feira, 18 de dezembro de 2019
sábado, 14 de dezembro de 2019
sexta-feira, 13 de dezembro de 2019
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
sexta-feira, 6 de dezembro de 2019
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
domingo, 1 de dezembro de 2019
quarta-feira, 27 de novembro de 2019
Liberalismo? Só a onze mil metros!
No jargão dos pilotos de
aeronaves, a expressão altitude de
cruzeiro significa voar a cerca de onze mil metros. A esta altitude é
possível ao avião gastar menos combustível, e a turbulência é bem menor que nas
altitudes mais baixas. Onze mil metros é
bom para maximizar os resultados da aeronave. Manobras bruscas, subir, descer e
vencer a resistência do ar significa maior gasto de combustível. Então, melhor
é manter-se lá em cima. Tranquilão.
Escolhi estas metáforas (altitude
de cruzeiro e aviões) por que entendo que se aplicam perfeitamente ao
liberalismo. Quero dizer que o
liberalismo só é possível quando a economia está em altura de cruzeiro.
Acrescentando uma pitada de ética e de política: em altura de cruzeiro para
todos. Não é possível
imaginarmos que no mesmo avião, alguns passageiros enfrentem turbulência e
outros não. Ou é para todos ou é para ninguém.
Os defensores do liberalismo tentam
resolver este dilema: não colocam todos os passageiros juntos na mesma aeronave.
Imaginam que há voos de péssima qualidade para uns e perfeito para outros. Até
o ponto em que os voos de péssima qualidade ficam tão caros (pois consomem
muito combustível, estão abaixo da altitude de cruzeiro) que sequer saem do
chão. Afinal, somente a altitude de cruzeiro é eficiente e mais barata.
Interessante, não? A péssima qualidade acaba
saindo caro. Entretanto, a boa qualidade (mais barata) não é para todos. Neste
caso, algumas aeronaves nãos sairão do chão.
O liberalismo funciona na
altitude dos que podem escolher sua educação, dos que podem fazer apostas como
empreendedores, dos que podem suportar algum fracasso sem comprometer
seriamente suas vidas. A liberdade e o risco
controlado (risco não fatal) só ocorrem na altura de onze mil metros. Neste
tipo de voo, além da resistência do ar ser menor, os equívocos do piloto podem
ser consertados a tempo, sem danos maiores. Errar é até confortável. Há
bastantes formas de se manter seguro. No máximo uma pequena turbulência. Estes
voos estão amparados por apólices de seguro, reservas monetárias, famílias
estruturadas e até o Estado está disponível para ajudar (pois tem interesse nos
que voam a esta altitude).
Os economistas, os políticos e
todos os que se envolvem na arquitetura dos aeroportos, nas rotas de voos e nos
mecanismos de incentivo, pensam e se orientam pela altitude de cruzeiro.
Esta altitude está liberada
para todos. Pensa-se que só não alcança os onze mil metros quem não quer ou
quem não merece. Não há por que pensar nos teco-tecos que não podem chegar a
esta altitude. Estas aeronaves apenas atrapalham o fluxo dos demais aviões
potentes. Se a potencia dos supermotores
os mantem nas alturas, que os motores frágeis fiquem no chão ou arranjem (sabe
Deus lá como!) mais potência. Improvisem! Sejam criativos!
As elites brasileiras estão a onze
mil metros. Ignoram os abaixo. Desejam um país nestas altitudes. Contam aos
teco-tecos que, caso se esforcem muito, mas muito mesmo, voarão mais alto.
Então os pequenos passam a amar as altitudes rarefeitas e belas. Caem aos
montões, como moscas. Entretanto, apoiam as grandes aeronaves. Sonham em ser
como elas. Turbinam suas pequenas embarcações aéreas e tentam grandes saltos.
Chegam a ver as fuselagens prateadas dos aviões longínquos. E quando suas asas quebram ou quando seus
motores superaquecidos falham e caem, sempre a culpa é do piloto incauto.
Juntada as ferragens e limpo o solo, é a vez de outro aviãozinho. Se cair, já
sabemos: culpemos o piloto.
terça-feira, 26 de novembro de 2019
domingo, 24 de novembro de 2019
quarta-feira, 20 de novembro de 2019
domingo, 17 de novembro de 2019
quinta-feira, 14 de novembro de 2019
quarta-feira, 13 de novembro de 2019
segunda-feira, 11 de novembro de 2019
quinta-feira, 7 de novembro de 2019
domingo, 3 de novembro de 2019
sexta-feira, 1 de novembro de 2019
sábado, 26 de outubro de 2019
segunda-feira, 21 de outubro de 2019
sábado, 19 de outubro de 2019
terça-feira, 15 de outubro de 2019
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
Pai, se o bandido pedir desculpas, a polícia solta ele, né?
Meu filho aos quatros de idade me surpreendeu com a
pergunta: Pai, se o bandido pedir desculpas, a
polícia solta ele, né? Confesso que senti uma angústia muito forte. Não
pude responder ao ingênuo questionador, que pedir desculpas não alivia em nada
a pena do criminoso. O infante acreditava que é possível o arrependimento e o
perdão. Acreditava que todos podem se regenerar. Creio que, em tese, ninguém
consegue defender que todos são irrecuperáveis. Entretanto, poucos se atrevem a
dizer claramente que são a favor da redução da vontade de encarcerar que assola
o Brasil.
Aquele que defende seu horror ao encarceramento massivo e
desumano, invariavelmente ouvirá: Então queres que todo o bandido fique
solto? E a família da vítima? E se fosse teu filho(a)? É preciso dizer que quem julga nunca será o
pai da vítima, amigo ou familiar dela. Se fosse, seria no mínimo um juiz
suspeito. Logo, é irrelevante o argumento “se fosse ou não teu familiar”;
pois tal hipótese impede um julgamento justo. A decisão de quem julga trata-se
de uma questão social e não/nunca pessoal.
Mais raro ainda é encontrar pessoas que defendem a ausência
total de cárcere. Apesar das dificuldades, o tema do encarceramento é por
demais relevante.
O Estado nunca deve se posicionar como se fosse a vítima,
sentir as dores como se fossem suas e deste lugar reagir. O Estado não é a vítima. Não deve tomar para
si a dor que não é sua. Seu distanciamento é essencial. Ele responde pela
justiça no seu sentido mais amplo, uma justiça na sociedade e para todos. O Estado percebe o contexto para aplicar
sanções. E com certeza, a vingança não
faz parte das suas prerrogativas. Evidentemente que a vítima é fator relevante,
mas não transfere sua dor para o juiz. A vítima deve ser atendida pelo Estado
para superar seu sofrimento.
A vítima, neste sentido, é o foco. O foco não é maximizar a
pena do condenado como revanche.
É interessante lembrar o que a imprensa nos traz sobre os
tribunais do crime. Aqueles pseudojulgamentos promovidos por criminosos. Vê-se
que os criminosos se vingam. Levam em conta o dano que seus comparsas ou seus
protegidos sofreram. O resultado é
sempre o mesmo: a condenação e a morte.
O que varia é a quantidade de dor que o condenado sofre antes de morrer. Amigos
meus sem perceberem, inúmeras vezes defendem esta mesma “justiça”, a do
tribunal do crime. A diferença entre
meus amigos e o tribunal do crime, é que aqueles são “cidadãos de bem” e estes
são criminosos.
Creio que a pergunta que devemos fazer em relação ao
encarceramento é a seguinte: É sempre necessário punir? Se sim, a pena sempre é
variações e dosagens do encarceramento de corpos?
Qualquer pergunta sobre o porquê do encarceramento, deve
partir da premissa básica de que, mesmo tendo um caráter retributivo e
punitivo, a sanção carcerária tem que ter como objetivo a ressocialização.
Afinal, quem comete crimes, um dia volta à sociedade. E, é claro, tem que
voltar em condições mentais e físicas apropriadas para retomar sua liberdade
sem recaídas. Ora, o ônus de ressocializar cabe a quem encarcerou, a quem
discriminou a conduta que é considerada crime: o Estado! Ou, enfim, a sociedade.
Lembro de vários casos em que pais e mães esqueceram seus
filhos bebês dentro dos seus carros. As crianças morreram em decorrência do
calor dentro dos veículos. A dor destes
pais e mães em muito superaram a dor do encarceramento. Prender seus corpos era nada se comparado com
o sofrimento de suas almas. Neste caso, cadeia para quê? Ressocializar? Punir?
Também podemos nos referir a pessoas que furtam coisas
gostosas do supermercado. Seja por fome, seja por simples desejo. Ou ainda o
sujeito que furta um carro pela primeira vez. Nestes casos, prender para quê?
Para ressocializar? Punir?
Podemos imaginar inúmeros casos que desautorizam a pena
privativa de liberdade, pela sua inutilidade ou pelo agravamento do problema. Então,
é perfeitamente possível relativizar o mito do encarceramento como solução
única.
É possível defender filosoficamente o encarceramento de
corpos como finalidade terapêutica ou como melhoria da sociedade?
Creio não ser possível. No máximo, a prisão é um mal
necessário enquanto não encontramos nada melhor. Encarcerar é irracional. No Brasil, então, é
óbvio.
Construir e manter presídios é caro. Melhor é construir
escolas e hospitais. Tanto é verdade que
várias cidades pedem mais encarceramento, mas não querem presídios em seus quintais.
Querem escolas e as constroem. Querem
presídios desde que bem longe. Isto indica
a percepção prática que a sociedade tem da irracionalidade do encarceramento.
A prisão no Brasil tem a função simbólica de silenciar. Os
criminosos são postos embaixo do tapete. Ninguém quer vê-los. Ao contrário,
melhor seria esquecê-los. E por que o desejo de desaparecimento? Por que as
causas da criminalidade são duras demais para serem pensadas. Encarcera-se os
corpos e junto as reflexões sobre as causas dos crimes. A luta justa não é contra a criminalidade,
mas contra suas causas.
As pessoas não gostam de refletir sobre este tema. Preferem
serem dicotômicas: se é culpado; não é em nenhum grau inocente. Se é culpado
será preso na esperança de nunca ser solto. Se é culpado uma vez, será bandido
para sempre. Não é por acaso que somos um dos países que mais encarcera
pessoas. Mesmo assim, ouvimos todo o dia que a impunidade é nosso mal maior!
Creio que a desigualdade social é o nosso mal maior.
Entre os extremos de presos e soltos, há uma miríade de
possibilidades. Antes das celas, há o que chamamos de restrição de direitos.
São limites impostos ao sujeito que cometeu o crime, em substituição a pena de
encarceramento. Pode ser prestações pecuniárias, prestação de serviços à
comunidade entre outras. São sanções de fato, pois suprimem ou restringem
direitos do condenado. Não são brincadeiras! Primeiro o juiz fixa a pena
restritiva de liberdade (prisão), para depois substituí-la. Veja que estas
restrições não são pensadas para maximizar a dor de quem infringiu a lei. Na
verdade, a restrição quer evitar a prisão (por ser sansão imoderado em vários casos)
e quer salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos do réu e da
vítima.
Para encerrar proponho que antes da satisfação da sanha
punitiva e carcerária, resolvamos as questões sociais que predispõem as pessoas
à violência. Da desigualdade à marginalização, da falta de escolas à violência
familiar. A questão é social é bastante evidente. Só não vê quem prefere
encarcerar para encerrar as pessoas e estes assuntos.
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
A importância da disputa ética entre os desejos e os interesses pessoais do julgador.
Não é incomum
as pessoas pensarem que o cientista é um sujeito objetivo ao observar os
fenômenos. Algo como um peixe fora do aquário a observar seus irmãos lá dentro.
O vidro do aquário seria suficiente para que o peixe alienígena pudesse
observar sem sentimentos nem interpretações, o que ocorre no interior daquele
ambiente. E mais: quando contar o que
viu e pesquisou, o senso comum acredita que a linguagem consegue expressar
exatamente o que a mente do peixinho investigador captou.
A distância
entre os peixes do aquário e a mente do peixe que observa é enorme. A distância
entre as conclusões mentais do peixe observador e a sua expressão na linguagem,
é outra distância enorme. E por fim, do ouvido de quem ouve o relato até a
imagem mental que se forma, há distancias planetárias! Estas distâncias são
preenchidas pelas vivências e preconceitos de cada um. A objetividade plena não
é possível.
Podemos dizer
que o observador faz parte do observado. Ele não pode deixar de ver a si mesmo
quando vê o fenômeno. Seus conceitos já feitos em sua mente, e tão apreciados,
são uma lente que transforma o visto.
A (auto) busca pela nitidez da visão do investigador faz
parte do processo investigativo.
Se o fenômeno
em estudo for um crime, tudo é mais complexo.
Todo o crime já aconteceu, já morreu no tempo. O que vive ainda são as
consequências. O que está ao alcance dos sentidos são objetos, documentos e
testemunhas. Reflexos, portanto. O julgador, por consequência, faz perguntas ao
passado. Quer que o que já se foi se apresente pela boca de quem viu e pela
materialidade das provas do que já passou.
O que já passou
deixa apenas vestígios e interpretações.
A questão é que
os vestígios e as interpretações estão sujeitos ao tempo social. Tanto é verdade que não é possível julgar um
crime passado, quando a lei já não reconhece mais o evento como crime. Inúmeras
vezes o hoje absolve o ontem. Só há
crime quando alguém pergunta por ele e a sociedade o aponta. O crime é uma construção social. O mais interessante é que quem pergunta pelo
crime, já tem ideia dele, já tem uma interpretação sobre o fenômeno. Só por
isso pode perguntar por ele, só por isso pode reconhecê-lo. Não raro, o
julgador pergunta pelo crime e a sociedade não o aponta, não o reconhece
mais. É o caso do conservador num
ambiente liberal.
O observador
está presente no objeto observado. Eis a luta pela objetividade do julgador.
Percebe-se que
o julgador não é neutro. Ele é alguém que tem história, que se constituiu numa
cultura. Entretanto, há salvaguardas processuais que o orientam e o mantém
equidistante das partes. Mas não é, a equidistância, algo natural no ser
humano. É preciso empenho e disciplina. Cabe ao julgador precavido se manter
dentro das normas processuais.
O magistrado
que quer ser imparcial, busca nas provas uma certeza. A certeza de que fez o
possível para interpretar os fatos com a objetividade possível, para se
convencer sem se basear em favoritismos. O juiz faz o seu melhor para se manter
equidistante das partes. Ele deve convencer os envolvidos na lide e também a
coletividade. Convencer da sua genuína vontade de ser imparcial e justo.
É uma questão
de ser e parecer ser.
Não concordo
que o juiz se coloque acima das partes como órgão desinteressado. Entendo que
sendo parte tanto quanto os réus o são, é um cidadão igual aos demais.
Entretanto, o Estado e a sociedade
exigem do julgador mais do que exige dos demais.
O juiz é um
igual com poder/dever desigual.
Não há juiz
naturalmente imparcial, como se depreende dos parágrafos anteriores. O juiz que
é ético e domina sua técnica, sabe-se em constante luta para se distanciar do
fenômeno que julga. Quanto mais se aproxima afetivamente do caso, mais a luta
se intensifica. Imparcialidade significa
manter esta luta. Portanto, não há juiz imparcial sem esforço. É uma luta. Nela
não pode haver paz nem descanso.
Percebe-se que
a segurança jurídica se encontra nesta questão ética. Não está tão ligada assim
ao resultado da demanda. Liga-se mais na confiança da sociedade no esforço do
julgador em se manter imparcial. O julgador deverá transparecer seu esforço
neste sentido.
A sociedade que
julga favoravelmente o julgador é uma sociedade saudável e confiante.
A sociedade é
feita de partes, de grupos, de interesses e preconceitos. Ela pode ser parcial
e preconceituosa. O que não pode acontecer é ela perceber que é julgada por
alguém que tenha comportamento similar ao seu. Ao cidadão é lícito e aceitável
lutar por seus interesses egoísticos, e só o fará de forma segura se souber que
o limite a esta sua luta é o juiz (sempre à procura da sua própria
imparcialidade).
Portanto,
lembremos aos julgadores a importância da sua manifesta e evidente luta contra
suas parcialidades. Se por um lado não
cabe afirmar que o juiz é inumano e absolutamente isento de preconceitos e
afetos, por outro lado, é imperioso trazer à luz a importância da disputa ética
entre os desejos e os interesses pessoais do julgador.
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
quinta-feira, 3 de outubro de 2019
Pobre Estado, risível poder tão fraco que se limita apenas a prender corpos.
Imaginemos a seguinte situação. Em um quarto em nossa casa
há um recipiente de vidro com uma fragrância muito boa e muito forte. O poder
do seu conteúdo de exalar perfume é impressionante. Tu queres conter o perfume
que já tomou conta da casa. Entretanto, para conter a fragrância só possuis o
recurso de portas feitas de grades e de cercas de arame. É fácil imaginar o
problema que se impõe. Com grades e cercas é possível impedir o acesso ao
frasco e também impedir que ele saia do quarto, mas é totalmente impossível
confinar o perfume. Os meios são inúteis para a finalidade a que tu te propões.
Com grades e cercas prendemos o frasco, mas nunca o perfume. A casa vai
continuar perfumada. Os meios impedem os
fins.
O Estado inúmeras vezes está diante de problema similar. Ou
seja, pode prender corpos físicos, mas não as almas dos apenados. Estas
continuam livres, apesar dos seus invólucros corporais estarem sob a tutela
estatal. Nestes casos, o Estado pode pouco, muito pouco. Eis o limite das prisões: elas prendem corpos
apenas. Como exemplo, entre tantos
outros, temos Gandhi, Mandela e Martin Luther King. Prender corpos é o limite
estatal. Pobre Estado, medíocre Estado.
Na metáfora do primeiro parágrafo, quero dizer que se o
Estado quer impedir ideias com grades, torna-se uma instituição inútil enquanto
meio para tal fim. Há almas que são maiores que seus corpos. Encarcerar estes
não isola aquelas. Se uma pessoa é mais que seu invólucro corporal, se uma
pessoa se torna uma ideia, não serão grades os instrumentos adequados para
impedir a liberdade. Almas não podem ser presas.
Gradear o pote que contém o perfume, não impede a
fragrância. Da mesma forma prender alguém por questões políticas não impede
seus ideais de fluírem. Com certeza,
inúmeras vezes prender o continente volatiza ainda mais o conteúdo.
Pobre é o Estado e medíocre são seus agentes quando o corpo
aprisionado se recusa a sair da cela, quando o calabouço mais exalta seu
espírito e sua fala. Ridícula é a
situação de um judiciário quando mantém entre grades inúteis o que se exala
pelo ar. É vexatório quando a politização do judiciário cria a situação fática em
que manter na cela o corpo apenado, apenas aclara a própria incompetência
estatal.
Eis o limite indiscutível: ao mísero Estado resta apenas a
possibilidade de prender corpos nada podendo contra seus conteúdos, suas almas,
seus ideais.
Incrível é o caso em que o preso ao querer se manter na
cela, mais livre é.
Incrível é o caso em que ao querer manter o preso
encarcerado, encarcera a si mesmo o judiciário.
Quando a prisão é política, quando o medo é da voz e da
ideia as grades são inúteis.
É imperioso soltar o corpo injustamente preso, pois esta
alma sempre foi livre, nunca conheceu nem conhecerá limites físicos. Pobre
Estado, risível poder tão fraco que se limita apenas a prender corpos.
segunda-feira, 30 de setembro de 2019
sábado, 21 de setembro de 2019
segunda-feira, 16 de setembro de 2019
sábado, 14 de setembro de 2019
domingo, 8 de setembro de 2019
quinta-feira, 5 de setembro de 2019
A cooperação como condição mínima para conviver no liberalismo.
Diz-se que no liberalismo a liberdade é o princípio
dominante. Nele as pessoas livres podem competir de maneira a progredirem. A tese
é que a competição entre indivíduos ou entre empresas fundamenta o sucesso das
nações. A competição não é um mal em si
mesmo, defendem os adeptos do liberalismo. Ao contrário, seria um estímulo à
produtividade e à inventividade. A prova
está no sucesso mundial do capitalismo, ensinam. Por consequência o
protecionismo estatal teria o efeito contrário: o acomodamento das pessoas, o
desestímulo à competição entre as empresas (com o consequente declínio da
qualidade dos produtos e o aumento de seus preços). Creem que a ausência da
competição é o acomodamento dos entes produtivos.
Não é possível desprezar o papel da competição como
incentivo à criatividade e à produtividade. Entretanto, também não é
desprezível a seguinte contradição: se a liberdade é o valor máximo onde se
valoriza a competição; as pessoas também devem ser livres para escolher não
competir e para defender este seu ideal.
A liberdade proposta pelo liberalismo brasileiro impede a
liberdade de escolha para ser não competitivo? Ou pune esta escolha com
a miséria? Há espaço para os entes cooperativos?
Precisamos fazer algumas reflexões. Vou usar como exemplo a
competição entre lutadores de arte marciais. Neste ambiente, a competição chega
ao seu máximo. Entretanto, as regras que limitam o embate foram acordadas
antes. Estas regras foram elaboradas em outro ambiente, o da cooperação. É
provável que os organizadores dialogaram muito, buscaram ganhos e evitaram perdas
recíprocas. Ajudaram-se uns aos outros para que o evento fosse possível. Por
mais que houvesse interesses individuais, só cooperando entre si garantiriam a
segurança dos lutadores, a existência da competição e a continuação do próprio
evento. Os lutadores competem, mas os organizadores cooperaram entre si para a
qualidade do embate. Não seria possível a competição sem a cooperação prévia.
Na preparação, não importa se os motivos foram egoístas ou não. Ou cooperavam
ou não haveria a competição segura nem ela se manteria. A condição de existir e
se manter foi a cooperação.
Percebe-se que a competição pura e ilimitada gera
antagonismo a tal ponto que ele destrói a própria competição.
Então surge a violência, a ideologia do inimigo. Inimigos devem ser destruídos,
mais que vencidos. Inclusive no antagonismo, as regras se existirem, serão ignoradas.
Sem regras, no espaço do vale tudo, não como definir um vencedor sem ver alguém
cair. Sem regras não há árbitro. Da competição à violência é apenas um pulo.
Percebe-se que a liberdade plena aliada a uma competição
absoluta, é a fórmula do caos. É preciso encontrar uma limitação, um espaço
para acordos e para o restabelecimento dos vencidos para que estes possam
retornar à disputa (não podem ser definitivamente eliminados). Para limitar o
conflito é preciso a coerção dos excessos, a limitação das desigualdades quando
impeditivas e o arrefecimento dos desejos individuais pelo sucesso a todo
custo. Percebe-se que para que seja possível a competição segura, é imperioso
manter espaços iniciais de cooperativismo. Nestes espaços cabem inclusive, os
que não querem competir. É preciso um locus de reflexão calma e cooperativa
para que possamos organizar as sociedades. Neste lugar de debate regrado pelos
princípios de humanidade, e pelo respeito pela dignidade de todos os seres
vivos, haverá a negociação, o consenso, a política, a composição. Quero dizer
que neste lugar não competitivo se pensa a competição e seus limites. A
mentalidade liberal estará suspensa neste debate, pois é uma conselheira
suspeita. Afinal, é o limite do próprio liberalismo que está em debate neste
fórum cooperativo. Neste ambiente socializante se falará sobre os limites das
liberdades, sobre as sanções aos excessos e sobre o preço a pagar pelas
liberdades de competir. Inclusive, discutir-se-á a liberdade de não querer competir.
Garantir-se-á lugar no mundo para os que não desejam competir nem desejam o lucro.
Assim como no exemplo da luta, ninguém pode se machucar. Na competição
econômica nenhum povo pode sofrer com a miséria. Haverá garantia de um mínimo
de dignidade para todos nas regras do liberalismo, ou mesmo este sucumbirá na
violência de todos contra todos.
Não há que se falar em exclusão, mas em seu inverso: a
inclusão das diversas ideologias. A liberdade genuína está na convivência e
nos fóruns de debates.
Portanto, as ideias cooperativas, os ecologistas, os
feminismos, os homossexuais, as falas das minorias, os socialismos e os
comunismos são bem vindos. A extinção destes atores sociais é a barbárie. Sem
eles a competição seria plena e predatória. Nesta plenitude a violência
proliferaria, a desordem civil cresceria, o estado repressor se agigantaria
para refrear os excessos crescentes. E ninguém quer um Estado crescentemente
repressor.
Conclui-se que o foco das políticas governamentais tem que
ser o favorecimento dos espaços de cooperação. O
apreço estatal deve ser pelas políticas que favoreçam as iniciativas de
equalização das discrepâncias sociais. Estas iniciativas são o incentivo à
qualificação da saúde pública, à educação, à oferta de emprego, à moradia e ao
investimento político na redução das desigualdades sociais. Só assim haverá
as condições mínimas para a cooperação. Sem ela a opção pela competição é
predatória, desleal e autodestrutiva.
segunda-feira, 2 de setembro de 2019
A ignorância e a barbárie estão querendo assumir os espaços jurídicos.
Desde sempre a humanidade teve fetiche
pelo corpo. Desde sempre a história nos mostra a preocupação com os
fenótipos. Os corpos sempre foram avaliados como belos ou não. Se
belos, tinham algumas vantagens sobre os demais. Corpos de boa
aparência (de acordo com sua época) eram bem-vindos e desejáveis. “A
primeira impressão é a que conta”; minha avó já dizia.
Os corpos ditos feios eram/são malvistos.
Cesare Lombroso (1835 – 1909) ensinava
que de acordo com a aparência do indivíduo, poderíamos suspeitar se era um
criminoso. Os ocupantes dos presídios parecem confirmar sua tese,
porque os fenótipos se assemelham. Corpos da mesma etnia parecem seguir o
roteiro de se tornarem criminosos. Afinal, sempre se prende os
negros, os pobres, os menos escolarizados.
O fascínio pelo corpo é antiquíssimo. A
tortura para saber a verdade ou para inibir atitudes. Os corpos das mulheres
queimadas vivas como bruxas. O açoite dos ímpios. A morte por apedrejamento das
pecadoras. O estupro das mulheres dos vencidos nas guerras. A crucificação dos
criminosos. E, finalmente, as prisões.
Os calabouços são exemplos clássicos,
criados para colocar os indesejáveis. No início, encarcerava-se para guardar as
pessoas até serem supliciadas ou enforcadas. Só depois passaram a ser o que são
hoje: locais de cumprimento de pena. A construção de mais cadeias
atualmente é mais desejada que a criação de escolas de vanguarda. Talvez porque
as escolas progressistas trabalhem o espírito (portanto, fogem do fetiche do
corpo).
Encontramos facilmente adultos dizendo
que bater em corpos de crianças é mais efetivo que educá-las pela (e para a)
palavra. Dizem que as crianças não entendem o que se diz, mas entendem
perfeitamente o chinelo na mão do adulto agressor. Alardeiam que é
melhor apanhar dos pais na infância do que da polícia quando adultos. Não
entendem que nem os pais, nem a polícia deve bater!
Sempre o fetiche pelo corpo! Acreditam
que agredi-lo, encarcera-lo, atingi-lo é mais fácil e eficiente do que falar
com o outro, do que ouvir e aprender. Castigar os corpos, pensam, é
mais fácil e menos trabalhoso que educar os espíritos.
Corpos estão à distância da mão e da
chibata. Já os espíritos estão ao alcance da inteligência. Há que se
escolher.
Entender o Código Penal, o Código de
Processo Penal e a lei de execução penal como a solução primeira para a
violência que acomete o nosso país, é o fetiche pelo corpo tentando assumir
ares jurídicos.
Prender mais pessoas por mais tempo, eis
a novidade (tão antiga) que se apresenta hoje. Prender os corpos que delinquem.
Algemar a pessoa que é abordada pela autoridade policial. Reduzir os direitos e
as garantias fundamentais que estes corpos possuem. Urge castiga-los,
demonizá-los e fazê-los sofrer. O Direito Penal passa a ser a
primeira razão (e não a ultima ratio).
Por não conseguirmos estabelecer diálogos
éticos entre as consciências, encarceramos os corpos insubmissos.
Dizem os amantes deste fetiche: menos
universidades, mais presídios. Melhor criança trabalhando do que só
estudando. Castigar a criança como faziam nossos avós é mais
eficiente que ficar no blá blá blá dos psicologismos. Trabalhos
corporais forçados são melhores do que uma prisão de boa qualidade. Uma prisão
humanizada será tão boa que compensará o crime ao invés de reprimi-lo. Estas
falas ratificam o desejo pelo corpo e por seu suplício.
O suplício vem através da falta de
empatia pelos corpos aprisionados. Estes são esquecidos. Ficam depositados e
mantidos por um ente invisível: o Estado. Lá sofrem fora das vistas dos demais.
Não é falado, mas sabe-se: a finalidade do depósito de corpos humanos nas
prisões é providenciar o sofrimento deles.
Estamos desumanizados e
desumanizamos. A cultura do ódio e da intolerância não se esconde
mais. A ignorância e a barbárie estão querendo assumir os espaços jurídicos.
Criou-se a falsa crença de que se alguém
pratica a violência, a violência maior praticada nas cadeias a impedirá de
reincidir no crime. Como se a violência maior impedisse a menor. Faz sentido?
Claro que não.
Menos coliseus da Roma clássica e mais
escolas. Menos prisões e mais livros. Mais liberdade e menos preconceitos. Mais
amor e menos flagelos corporais.
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