No jargão dos pilotos de
aeronaves, a expressão altitude de
cruzeiro significa voar a cerca de onze mil metros. A esta altitude é
possível ao avião gastar menos combustível, e a turbulência é bem menor que nas
altitudes mais baixas. Onze mil metros é
bom para maximizar os resultados da aeronave. Manobras bruscas, subir, descer e
vencer a resistência do ar significa maior gasto de combustível. Então, melhor
é manter-se lá em cima. Tranquilão.
Escolhi estas metáforas (altitude
de cruzeiro e aviões) por que entendo que se aplicam perfeitamente ao
liberalismo. Quero dizer que o
liberalismo só é possível quando a economia está em altura de cruzeiro.
Acrescentando uma pitada de ética e de política: em altura de cruzeiro para
todos. Não é possível
imaginarmos que no mesmo avião, alguns passageiros enfrentem turbulência e
outros não. Ou é para todos ou é para ninguém.
Os defensores do liberalismo tentam
resolver este dilema: não colocam todos os passageiros juntos na mesma aeronave.
Imaginam que há voos de péssima qualidade para uns e perfeito para outros. Até
o ponto em que os voos de péssima qualidade ficam tão caros (pois consomem
muito combustível, estão abaixo da altitude de cruzeiro) que sequer saem do
chão. Afinal, somente a altitude de cruzeiro é eficiente e mais barata.
Interessante, não? A péssima qualidade acaba
saindo caro. Entretanto, a boa qualidade (mais barata) não é para todos. Neste
caso, algumas aeronaves nãos sairão do chão.
O liberalismo funciona na
altitude dos que podem escolher sua educação, dos que podem fazer apostas como
empreendedores, dos que podem suportar algum fracasso sem comprometer
seriamente suas vidas. A liberdade e o risco
controlado (risco não fatal) só ocorrem na altura de onze mil metros. Neste
tipo de voo, além da resistência do ar ser menor, os equívocos do piloto podem
ser consertados a tempo, sem danos maiores. Errar é até confortável. Há
bastantes formas de se manter seguro. No máximo uma pequena turbulência. Estes
voos estão amparados por apólices de seguro, reservas monetárias, famílias
estruturadas e até o Estado está disponível para ajudar (pois tem interesse nos
que voam a esta altitude).
Os economistas, os políticos e
todos os que se envolvem na arquitetura dos aeroportos, nas rotas de voos e nos
mecanismos de incentivo, pensam e se orientam pela altitude de cruzeiro.
Esta altitude está liberada
para todos. Pensa-se que só não alcança os onze mil metros quem não quer ou
quem não merece. Não há por que pensar nos teco-tecos que não podem chegar a
esta altitude. Estas aeronaves apenas atrapalham o fluxo dos demais aviões
potentes. Se a potencia dos supermotores
os mantem nas alturas, que os motores frágeis fiquem no chão ou arranjem (sabe
Deus lá como!) mais potência. Improvisem! Sejam criativos!
As elites brasileiras estão a onze
mil metros. Ignoram os abaixo. Desejam um país nestas altitudes. Contam aos
teco-tecos que, caso se esforcem muito, mas muito mesmo, voarão mais alto.
Então os pequenos passam a amar as altitudes rarefeitas e belas. Caem aos
montões, como moscas. Entretanto, apoiam as grandes aeronaves. Sonham em ser
como elas. Turbinam suas pequenas embarcações aéreas e tentam grandes saltos.
Chegam a ver as fuselagens prateadas dos aviões longínquos. E quando suas asas quebram ou quando seus
motores superaquecidos falham e caem, sempre a culpa é do piloto incauto.
Juntada as ferragens e limpo o solo, é a vez de outro aviãozinho. Se cair, já
sabemos: culpemos o piloto.
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