Desde sempre a humanidade teve fetiche
pelo corpo. Desde sempre a história nos mostra a preocupação com os
fenótipos. Os corpos sempre foram avaliados como belos ou não. Se
belos, tinham algumas vantagens sobre os demais. Corpos de boa
aparência (de acordo com sua época) eram bem-vindos e desejáveis. “A
primeira impressão é a que conta”; minha avó já dizia.
Os corpos ditos feios eram/são malvistos.
Cesare Lombroso (1835 – 1909) ensinava
que de acordo com a aparência do indivíduo, poderíamos suspeitar se era um
criminoso. Os ocupantes dos presídios parecem confirmar sua tese,
porque os fenótipos se assemelham. Corpos da mesma etnia parecem seguir o
roteiro de se tornarem criminosos. Afinal, sempre se prende os
negros, os pobres, os menos escolarizados.
O fascínio pelo corpo é antiquíssimo. A
tortura para saber a verdade ou para inibir atitudes. Os corpos das mulheres
queimadas vivas como bruxas. O açoite dos ímpios. A morte por apedrejamento das
pecadoras. O estupro das mulheres dos vencidos nas guerras. A crucificação dos
criminosos. E, finalmente, as prisões.
Os calabouços são exemplos clássicos,
criados para colocar os indesejáveis. No início, encarcerava-se para guardar as
pessoas até serem supliciadas ou enforcadas. Só depois passaram a ser o que são
hoje: locais de cumprimento de pena. A construção de mais cadeias
atualmente é mais desejada que a criação de escolas de vanguarda. Talvez porque
as escolas progressistas trabalhem o espírito (portanto, fogem do fetiche do
corpo).
Encontramos facilmente adultos dizendo
que bater em corpos de crianças é mais efetivo que educá-las pela (e para a)
palavra. Dizem que as crianças não entendem o que se diz, mas entendem
perfeitamente o chinelo na mão do adulto agressor. Alardeiam que é
melhor apanhar dos pais na infância do que da polícia quando adultos. Não
entendem que nem os pais, nem a polícia deve bater!
Sempre o fetiche pelo corpo! Acreditam
que agredi-lo, encarcera-lo, atingi-lo é mais fácil e eficiente do que falar
com o outro, do que ouvir e aprender. Castigar os corpos, pensam, é
mais fácil e menos trabalhoso que educar os espíritos.
Corpos estão à distância da mão e da
chibata. Já os espíritos estão ao alcance da inteligência. Há que se
escolher.
Entender o Código Penal, o Código de
Processo Penal e a lei de execução penal como a solução primeira para a
violência que acomete o nosso país, é o fetiche pelo corpo tentando assumir
ares jurídicos.
Prender mais pessoas por mais tempo, eis
a novidade (tão antiga) que se apresenta hoje. Prender os corpos que delinquem.
Algemar a pessoa que é abordada pela autoridade policial. Reduzir os direitos e
as garantias fundamentais que estes corpos possuem. Urge castiga-los,
demonizá-los e fazê-los sofrer. O Direito Penal passa a ser a
primeira razão (e não a ultima ratio).
Por não conseguirmos estabelecer diálogos
éticos entre as consciências, encarceramos os corpos insubmissos.
Dizem os amantes deste fetiche: menos
universidades, mais presídios. Melhor criança trabalhando do que só
estudando. Castigar a criança como faziam nossos avós é mais
eficiente que ficar no blá blá blá dos psicologismos. Trabalhos
corporais forçados são melhores do que uma prisão de boa qualidade. Uma prisão
humanizada será tão boa que compensará o crime ao invés de reprimi-lo. Estas
falas ratificam o desejo pelo corpo e por seu suplício.
O suplício vem através da falta de
empatia pelos corpos aprisionados. Estes são esquecidos. Ficam depositados e
mantidos por um ente invisível: o Estado. Lá sofrem fora das vistas dos demais.
Não é falado, mas sabe-se: a finalidade do depósito de corpos humanos nas
prisões é providenciar o sofrimento deles.
Estamos desumanizados e
desumanizamos. A cultura do ódio e da intolerância não se esconde
mais. A ignorância e a barbárie estão querendo assumir os espaços jurídicos.
Criou-se a falsa crença de que se alguém
pratica a violência, a violência maior praticada nas cadeias a impedirá de
reincidir no crime. Como se a violência maior impedisse a menor. Faz sentido?
Claro que não.
Menos coliseus da Roma clássica e mais
escolas. Menos prisões e mais livros. Mais liberdade e menos preconceitos. Mais
amor e menos flagelos corporais.
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