domingo, 2 de setembro de 2012

O caso da aluna Isadora


Prof. Amilcar Bernardi 

Eu sei que o diálogo é o melhor caminho. Os monólogos são uma insanidade, pois não há neles a abertura para o outro. Pior é quando o monólogo arregimenta milhares de pessoas. Se alguém é criticado desta forma, é bastante provável que será linchado. Os grandes meios de comunicação usam várias vezes esta estratégia infame.  A mídia fala utilizando um monólogo que, não raro, destrói muitas pessoas.

A aluna Isadora Faber enquadra-se nesta situação. Ela usou a mídia virtual para criticar sua escola e seus professores. A adolescente fotografou os problemas e emitiu opinião sobre o que acontece por lá.  Rapidamente internautas se aliaram à aluna. A imprensa noticiou o fato e a escola virou notícia. Evidentemente críticas criam audiência, ainda mais por ser de uma menina e por um meio tão moderno: o monologo nas redes sociais. Houve mudanças para melhor na escola. Porém, insisto no peso do monólogo porque, o colégio e os professores não podem fazer o mesmo. Quero dizer, tirar fotos dos alunos e dos problemas que eles trazem. Não podem registrar os pais dos alunos que vem diariamente à direção agredindo. Muito menos podem registrar o que os políticos fazem contra ela. Qualquer tentativa de reação do colégio pelo mesmo tipo de mídia será mal entendida. Então será novamente soterrado em críticas. Se esta Instituição de Ensino errar por um milímetro, será acusada de impedir a livre manifestação de uma adolescente. Concluo que não haverá diálogo. Pelo menos um diálogo público, no mesmo nível midiático da aluna.

Não acuso a Isadora de montar uma estratégia ardilosa. Nem digo que não deveria ter agido assim. Digo apenas que os professores e a direção foram enredados de tal forma que apanharão quietos. Talvez uma escola particular tenha uma equipe com jornalistas que sabem o que fazer num caso destes. Com certeza não é o caso desta instituição que, sabemos, é publica. Também sabemos que o real dirigente desta escola é um secretário de educação. Um cargo político. Portanto, está preso à opinião publica. Justo esta opinião mutável e mutante foi cooptada pela aluna. Penso que não há o que fazer. A escola está julgada e condenada.

Insisto: a aluna tem o direito inegável de se manifestar. Porém, a escola sempre estará cerceada nesse mesmo direito, pois ela foi criada para ensinar e não para defender-se nas redes sociais.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Para quem não tempo para aprender

          Prof. Amilcar Bernardi

A palavra apreender* é um enigma para mim. Por mais que pense sobre o conceito, parece que sempre algo fica de fora. Apenas percebo que pessoas são X, entram em contato com coisas que não tinham consciência antes, então se tornam X+Y. É uma questão ontológica: eram algo, agora são algo mais alguma coisa. Não que sejam coisas somadas, mais parecem um suco onde muitas coisas se misturam e viram outra coisa, geralmente bem mais gostosa que as partes separadamente. Penso que a aprendizagem acontece quando fazemos suco intelectual das coisas que se apresentam aos sentidos. Puxa, não estou sendo nada científico, mas faz tempo que o ideal de cientificidade foi abandonado por mim. Gosto mais de sucos gostosos.

Na sala dos professores observo falas que afirmam: aos alunos do ano tal, falta base. Com certeza no ano anterior ou o colega não deu o conteúdo, ou o aluno não aprendeu. Pensando assim, criamos a mais pura lógica: se não aprendeu ontem, se hoje sem base ele não aprende, com certeza amanhã não aprenderá! Como eu não entendo muito de aprendizagem, questiono: qual o tempo para apreender isto ou aquilo? Sempre o ontem determina o que o aluno pode apreender hoje?

Na minha ignorância, penso que apreender não tem tempo passado ou futuro. Apreender é sempre para hoje. Não importa o ontem, o que importa é o que hoje o aluno sabe e o que agora ainda não sabe! Em relação a aprendizagem, o ontem serve apenas como a história do aprendente, que é útil para entendermos como devemos agir com ele hoje, sempre hoje. A ligação com os objetos, mesmo os abstratos, em relação ao apreender acontece nesse momento. Estamos plugados, on-line com a relação eu e o que pretendo incorporar à minha consciência. Mesmo quando aluno apreende a conjugar o verbo no futuro, a conjugação acontece agora!

Ora, se o aprendente não apreendeu algo ontem, o que importa? Hoje sempre é o tempo atualíssimo para ele saber o que ainda não sabe!

A “falta de base” do aluno é meramente a sua história. Ela apenas indica o que o educador deve fazer nesse momento: o aluno é sempre atual.  Desde que o ontem não signifique alguma lesão neurológica ou trauma psicológico impeditivo, é apenas história. A “falta de base” não justifica a não aprendizagem. Ela não impede nada, apenas insinua, inspira o educador a como agir agora, a como facilitar a incorporação sempre atual do que o aluno ainda não incorporou à sua consciência. As aprendizagens anteriores, só são “anteriores” na lógica inventada pelas pessoas, pois se houve aprendizagem ontem, ela ainda esta “aprendida” hoje. Sempre acontece agora! Se há esquecimento, não está disponível agora a aprendizagem de “ontem”, então não houve aprendizagem.

Apreender é um suco que está sendo feito e bebido a cada segundo. É um suco que não segue a lógica temporal. Apreender é algo que se faz e se consome sem que haja distância temporal entre o fazer e o consumir. 

* Faço a distinção entre aprender e apreender. Apreender significa apropriar-se de uma informação em sua complexidade. Após apreender não mais podemos esquecer.





Figura retirada do blog: http://cartasdepaulotarso.blogspot.com.br/2010/01/aprender-e-ensinar.html

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Einstein e Heráclito não podem ser professores hoje.

Prof. Amilcar Bernardi

Os entendidos em educação há bastante tempo estão alertando os educadores que tudo está em mudança. Afirmam que a ciência cada vez mais produz cataclismos no nosso jeito de ver o mundo. Einsten “deu nos dedos” do Newton dizendo que tudo é relativo. A velocidade da máquina de escrever é impensável para as pessoas do século XXI, assim como o pensar religioso monolítico dos tempos medievais, desapareceu sob o ponto de vista das inúmeras religiões de hoje. Os tempos hodiernos estão mais para Heráclito, que partia do princípio de que tudo é movimento, e que nada pode permanecer estático, do que para os dogmas inquestionáveis.

Nesse contexto heraclítico os valores são questionáveis e mutáveis, as leis oscilam entre abrandamentos e recrudescimentos, as famílias são agrupamentos de pessoaas sem conceito definitivo, a política um jogo onde a única coisa que não se questiona é o desejo de poder. Nas escolas o termo “ensinar” sugere tempos passados. Hoje o professor é um mediador , um incentivador do aprender. A própria palavra aprender, sofre também desgaste, pois hoje aprender significa tanta coisa que as definições são múltiplas.  “Acreditar” não é mais possível, pois acreditar em que, se rapidamente o que era possível de fé já mudou?

Os jeitos de fazer educação estão  lançados nos ares seguindo dois princípios; o do Einsten (tudo é relativo) e o do Heráclito (tudo muda, menos a lei que diz que tudo muda). Também eu, motivado por estes princípios, não posso dizer que o pensamento contemporâneo está errado ou é ruim, nem que é bom ou que é melhor. Sem padrões não posso opniar, ou opino temporariamente. Nunca Sartre esteve tão certo quanto agora, quando afirmou na sua juventude que somos totalmente livres. Claro que sujeitos totalmente livres, na mesma proporção, são totalmente responsáveis pelo que escolhem, pois não sofrem limite algum ao optar.

Já que tudo muda, escrevo este texto ouvindo meu coração. Espero que também ele não mude até eu terminar este escrito/desabafo. Meu argumento “cardíaco” baseia-se nas angústias do meu dia a dia como educador. Meu intelecto maravilha-se com a liberdade nunca antes sentida. Rejubila-se com as teorias libertárias sobre o mundo da informação  cambiante, dos espaços fluidos e das relatividades morais. Porém a dor “cardíaca” surge no dia a dia, quando o professor é conclamado a renegar tal mobilidade. Tudo é real e estático demais quando o educador é chamado a responsabilidade pelo seu fazer em sala de aula, responsabilidade irrecusável e intransferível.

Fico imaginando onde está a  mudança e a fluidez contemporânea, quando o professor tem que responder as seguintes e complexas questões: o aluno reprovou ou não? Jorginho colou ou não? Quando Pedrinho caiu, tu estavas com ele ou não? Meu filho aprendeu ou não a tabuada? Bater porque foi agredido antes, é certo ou errado? O Onofre rodou ou não nos exames da OAB? Mário morreu na mesa de cirurgia, o médico aprendeu ou não a técnica? Fulano matou aula, a escola sabia ou não? Se sabia, foi incompetente? Se não sabia, foi omissa? Os cadernos de chamada foram entregues ou não nas datas determinadas? E por aí vai.

Penso que Einstein e Heráclito não podem lecionar. Na escola nada é relativo, tudo é “sim” ou “não”. E se assim não for, quem - de fato - vai ensinar que nem tudo é relativo?


terça-feira, 10 de julho de 2012

Certo X errado

Prof. Amilcar Bernardi 

Ao ouvir o comentário de uma mãe que falava sobre o número de acertos na prova do seu filho, pensei fortemente na palavra “certo”; por que a senhora valorizava positivamente os “certos” na avaliação e, coerentemente, valorizava negativamente os erros. Mas podemos ficar saboreando a palavra “certo”. Como sinônimo aparecem na minha mente: indubitável, regular, evidente, algo fixado com antecedência, algo exato. Fiquei impressionado com o que significava estar “certo”. O que seria então o antônimo disso? Vamos pensar: dubitável, desregrado, inexato, desvio de um padrão anterior. Também me impressionei com o peso psicológico e social que o erro tem. Dá até medo.

Lembrei-me de uma pergunta que fiz a um aluno que eu atendia como psicopedagogo. Perguntei ao adolescente: quem errava mais, o aluno ou o cientista? Evidentemente que ele afirmou que o aluno. Respondeu com enfado, pois para ele, a resposta era óbvia demais! Seguindo minha conversa, questionei: quantas vezes errou o cientista que procura a cura do câncer? Lembra que ainda não temos a cura em cem por cento dos casos! O jovem ficou espantado. Refletiu e disse que provavelmente, o cientista esta errando muito, pois o dia em que “acertasse”, essa doença terrível seria curada em todos os casos. Repeti então a pergunta:  quem erra mais? O rapaz com quem eu falava ficou em dúvida, pois no mínimo, ambos, o aluno e o cientista erravam muito. Um grande avanço nessa conversa foi o rapaz ter conseguido questionar o valor do erro e o próprio conceito do erro.

Se, conforme o primeiro parágrafo, o certo é o indubitável, o regular, o evidente, o que é fixado com antecedência, eu, como educador, prefiro o erro. Errar, sob este ponto de vista, é muito mais divertido, criativo e mais afeito a hipóteses. Estar certo, portanto previsível, além de ser impossível na vida, é uma chatice só. Estar certo é encontrar o fim da história, o ponto final, a morte provavelmente. Se estar certo é encontrar a exatidão porque encontrou o que já estava determinado, Einstein errou feio. Afinal, aquilo que ele falou para nós, nunca será encontrado/aferido. Pois não estava determinado antes, não cabe no conceito de “certo”, de exato; não há parâmetros para aferir. Adoro o sucesso e a inteligência, mas tenho certeza que passam longe de estar sempre certo.

Um poema bem legal é um poema errado. Sim, porque desconcerta quem o lê e também porque não tem nenhum modelo para que possamos aferir seu afastamento do correto. Uma piada só é boa quando erra, ou seja, pensamos no desfecho “x” e o resultado é muito mais (ou muito menos) que “y”. Só assim podemos rir.  Os artistas são sujeitos estranhos, diferentes, desregrados e inexatos. São sujeitos errados por essência. O verdadeiro cientista é um errador: procura o novo e as hipóteses, procura até o inquantificável (como a física quântica) e o inverossímil
» Grafia no Brasil: inverossímil. .

Ops! Eu queria falar da mãe que comentava a prova. Eu diria a ela para conversar com a professora ou professor. Crianças que acertam são tão interessantes quanto as que erram. Tenho certeza que a professora ou professor, vai sinalizar que o erro é uma hipótese, é um jeito bem interessante de entender o problema. Errar é posicionar-se também, é expressar algo importante. Eu adoro o erro criativo, aquele erro que me faz (re)pensar e a sorrir! É bastante provável que essa mãe tão dedicada, perceba que errar ou acertar não importa. O que importa é aprender a querer aprender mais e mais. Pena que alguém inventou a reprovação. Creio que talvez Isaac Newton  reprovasse Albert Einsten. E nós professores, reprovamos quem?

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Ensino Religioso, o queremos?

Prof. Amilcar Bernardi


 

Estava num grupo de pessoas conhecedoras do tema educação. Informalmente discutíamos as mazelas que esta área sofre. O assunto pendeu naturalmente para a disciplina de Ensino Religioso nas escolas confessionais, e se havia a necessidade de tal disciplina, afinal o Estado é laico. Fiquei ouvindo as avaliações e devo dizer que eram de alto nível.

 

Repentinamente, alguém do grupo lembrou que minha formação acadêmica é na Filosofia. Então perguntaram minha opinião “filosófica”. Confesso que não estava à vontade, pois tinha certeza que eu desagradaria os argumentadores da mesa. A fala unânime era que a liberdade de credo e a liberdade para não ter credo algum deveriam prevalecer. Devido a essa prevalência, o Ensino Religioso deveria desaparecer ou ser uma espécie de estudo da cultura religiosa optativa. Afinal, entendiam os meus amigos, o Estado é laico e, portanto, a educação necessariamente seria laica também. Foi lembrado que um aluno agnóstico, ateu, cristão ou budista, não poderia ser constrangido na sua consciência de nenhuma forma.  Portanto, o Ensino Religioso por fundamentar-se em uma religião específica em escola confessional, deveria ser abolido.  Na melhor das hipóteses, poderia ser substituído por alguma disciplina “das humanidades”!

 

Os olhares voltaram-se para mim. Imaginavam que, sendo eu sempre a favor das liberdades, concordaria com eles, mas, para espanto de todos, eu discordei. Afirmei que, em tese, o Ensino Religioso deveria manter-se nas escolas (todas) e, notadamente, nas confessionais tendo como inspiração a mística de uma religião. Evidentemente, a “inspiração na mística” não significa catecismo puro e excludente dos demais credos! Recebi uma enxurrada de questionamentos, críticas e olhares piedosos que previam uma evidente falta de argumentos de minha parte.  Tive que falar das minhas razões e vou enumerá-las.

 

O argumento da liberdade é muito importante. Eu diria de suma importância. Porém, desconhecer algo não faz de mim alguém mais livre. Talvez me faça um ignorante, uma pessoa inconsciente de mais uma possibilidade de escolha. Deixar os jovens sem acesso ao transcendente do tipo que tratamos aqui, é jogá-los na ignorância de que milhões de pessoas experimentam isso (a espiritualidade) e não são extremistas religiosos.  A liberdade só acontece quando conhecemos as opções, quando temos consciência delas. Portanto, ignorar a vivência da espiritualidade nas crianças e jovens, não permitirá reflexões sobre ela. Sem reflexões, por menores que sejam, reduz-se a liberdade de escolha. Conhecer para poder escolher e criticar.

 

Claro que existe a possibilidade de as famílias assumirem em suas casas a vivência religiosa de acordo com sua espiritualidade específica. Entretanto, vejamos que sem o intercâmbio de informações e sem a sensibilização para outras formas de crer, poderíamos estar gestando a incompreensão entre as mais variadas expressões religiosas. Cada família só falaria de suas experiências, excluindo as demais possibilidades. Conviver na diferença (religiosa) é viver com respeito às diferenças. Convive-se com as diferenças no ambiente escolar. 


Lembremos que a disciplina de Ensino Religioso não é catecismo.   Não é ensinar uma religião, mas falar/trocar de vivências de espiritualidades.

 

Inclusive, temos que refletir sobre as escolas confessionais. Estas são escolhidas justamente por que falam da espiritualidade. Estas instituições colocam em sua publicidade quem são e o que pensam: abertamente, verdadeiramente. Ora, seria estranho impedir a escolha das famílias àquilo que entendem como melhor para seus filhos.  Evidentemente sempre levando em conta que, mesmo nas instituições confessionais, não é aceitável o catecismo disfarçado de disciplina escolar.  A disciplina de Ensino Religioso não pode ensinar religião, mas apenas proporcionar a reflexão sobre o tema. Eis o limite epistemológico desta disciplina.

 

Estamos numa época em que é cada vez mais necessário defendermos a liberdade da imprensa, os direitos das minorias, dos encarcerados, dos homossexuais, dos excluídos e, para resumir, a defesa dos direitos humanos. Especialmente neste período de desumanização do humano, eu incentivo todos os discursos que falam do amor e da paz, inclusive nas escolas!


Insisto: o Ensino Religioso não é catecismo nem pode ensinar uma religião. Ele é o espaço do convívio fraterno e da reflexão sobre a espiritualidade humana.

 

Se flexibilizarmos esta disciplina, as escolas para reduzir o custo de manter os profissionais para ministra-la, vão eliminá-la. Eliminarão não só a disciplina, mas o tema tão importante como este: a espiritualidade.

 

sábado, 12 de maio de 2012

Ninguém pede licença, somos como flashes

 Prof. Amilcar Bernardi



Comunicar é um ato invasivo. Imagina a pessoa absorta em seus pensamentos e alguém chama a sua atenção de alguma forma. A outra pessoa ao conseguir a atenção, penetrou rapidamente na cognição do sujeito antes distraído. A informação não pede licença. Quebra a vidraça dos olhos e entra, força a entrada pelos tímpanos ou pelo tato perturbando os neurônios, fazendo-se presença na nossa mente. Nunca os sons, as cores, os sabores ou os aromas pedem licença para “falarem” com nossa consciência. As pessoas agem de forma semelhante, surgem no nosso campo de percepção sem pedir licença. A comunicação é algo obrigatório/irreprimível nas vidas dos humanos.

Pensando por aí, é fácil imaginar que nem toda a informação é bem-vinda, porém, vem igual! O som que vem da porta dizendo que alguém esta a bater, o vibrar do celular “gritando” na reunião que uma alma quer se comunicar com a gente. Não conseguimos desviar a atenção daquele visual inadequado para o ambiente formal, a imagem de um acidente que tentamos não olhar, mas que se oferece despudoradamente aos nossos olhos! Podemos com certeza dizer que muitas coisas forçam a comunicação com a gente. Eu insisto na palavra comunicação porque nós respondemos (voluntária ou involuntariamente) a estes estímulos que tanto queremos evitar! Então nos comunicamos sim!

Quando vou palestrar e estou fixado no discurso verbal, veículo da minha comunicação com a plateia, esqueço que ao arrumar-me, escolher mecanicamente a gravata e o terno, nova linguagem (visual) esta se estabelecendo. Minha imagem, com certeza, também vai comunicar algo ao público. E aquele que não se preocupa com a aparência? Comunica sua despreocupação quando escolhe roupas que parecem ser vestidas ao acaso. Não dá para ser insípido, inodoro e incolor, pois somos gente. Os espaços para os comunicantes inexperientes de si mesmo está ficando cada vez menor. Sinto a necessidade de refletirmos sobre como somos informação e agimos como se não fôssemos!

Cada um de nós é uma informação que não pede licença para atingir a consciência dos outros. Aparecemos para os neurônios alheios e pronto. O outro que saiba o que fazer conosco! Surgimos sempre como flashes, assim como os outros surgem para nós. Em cada calçada, em cada emprego, em todos os momentos pessoas surgem comunicando coisas, sensações e sentimentos. Ninguém pede licença para ninguém. Cada um que se vire como pode na comunicação/aparição que faz de si mesmo! E o outro que se vire também com o que fará com o seu surgimento instantâneo nas consciências alheias!

terça-feira, 8 de maio de 2012

O funk é feminista?

                       Prof. Amilcar bernardi 

Acabei de ler um artigo intitulado “O funk é feminista”, na revista Superinteressante (Maio de 2012, edição 304). Como diz o título, o funk seria feminista porque brada pela liberdade sexual das mulheres, além de quebrar o padrão de beleza socialmente admirado nos dias de hoje, mulheres magras e loiras. Após ler o texto da Profa Doutora Carla Rodrigues, confesso, fiquei a pensar sobre o assunto.

O Funk é um movimento musical, porém, como bem mostra o texto, tem preponderantemente um conteúdo sexual explícito.  Fico mentalizando todas as imagens que veem à minha imaginação sobre esse tema. Claro que imagens marcadas pela mídia. Na minha mente aparecem sempre mulheres dançando/rebolando com roupas mínimas. É provável que eu esteja falando uma coisa óbvia, pois o funk e mulheres desejáveis são inseparáveis. Puxo da minha memória midiática as letras das músicas apresentadas por este movimento. Percebo que também estas composições falam da sensualidade da mulher, dos desejos sexuais consumados e, na grande maioria das vezes, a rima é pobre, o palavreado é rude, também não é incomum palavrões. Pelo menos é o que vejo, leio e ouço através das mídias, notadamente as televisivas. E não tenho culpa de não querer comprar Cds desta natureza e estar minimamente conectado à TV. Quem se expõe a esta ou aquela mídia, fez uma opção e não pode reclamar de ser percebido através da mídia escolhida.

Se eu fosse mulher, odiaria o texto opinativo da revista Superinteressante. Como homem, odeio igualmente. O funk não é feminista, é um ultraje à mulher. Aproximar o ideal libertário feminino de um viés apenas, o sexual, é minimizar a questão e empobrecê-la. Este tipo de movimento não é uma expressão política das mulheres. É sim o resultado de uma política, uma política excludente de uma grande parcela da sociedade brasileira.  Se o ritmo funk expressasse uma mudança qualitativa ampla, aí sim, seria algo a ser respeitado. Porém, dizer que a expressão no funk do desejo sexual através de imagens e letras caricaturais do universo da mulher, é uma das expressões do feminismo, é uma bobagem.  O feminismo é muito maior que este tipo de liberdade. Tão maior que o funk desaparece (se apequena) no contexto da luta da mulher para ser protagonista da sua história.

As moças funkeiras são vítimas da exclusão escolar, da exploração sexual e vendem seu produto “artístico” notadamente para os homens. Excluídas de outras vivências culturais usam seu corpo, o sexo e seu vocabulário (qualitativamente e quantitativamente empobrecido) na ilusão de que provocarão mudanças. Sonham em mudarem não a sociedade, mas suas vidas através do dinheiro dos seus shows. O que até é possível. Porém, o preço a pagar é a manutenção de inúmeras outras mulheres na condição de excluídas de uma vida escolarizada, menos sexualizada e de salários mais dignos. O funk não é, nem nunca será, uma expressão de um ideal feminista.

sábado, 28 de abril de 2012

Trabalho, vida e legítima defesa

                      Amilcar Bernardi



Há uma distinção um tanto óbvia, entre trabalho e emprego. Quando falamos em trabalho, incluímos todas as atividades humanas que pretendam transformar a natureza. É o esforço proposital que tem como meio as capacidades físicas ou intelectuais da pessoa. Por outro lado quando falamos em emprego, o sentido é mais restrito. A pessoa está empregada quando está a serviço de outro. Tradicionalmente e de forma dicotômica, esta distinção baseia-se no fato de que alguém tem os meios de produção e outros são um meio de produção.

A ideia de emprego é historicamente posterior à capacidade humana de trabalho. Os séculos de convivência entre trabalho e emprego quase que fundiram os dois conceitos. Essa amálgama conceitual “normalizou” e normatizou a convivência entre ambos. Porém, a coisa foi além a ponto de alguém que trabalha, mas não tem emprego, ser visto como uma exceção tornando-se uma figura no mínimo estranhável. Esquece-se que raramente alguém é desempregado por desejo próprio, como opção consciente de vida.  A questão complica-se ainda mais: com o avanço civilizatório, o vinculo empregatício tornou-se obrigatório para a manutenção da vida de um número crescente de pessoas.  Poucos (em relação à absoluta maioria) conseguem sobreviver sem emprego, apenas de seu próprio trabalho. Artesãos, costureiras, intelectuais, escritores e etc. cada vez menos sobrevivem sem algum tipo de vínculo remuneratório.

Quem não tem dinheiro morre ou tende a morrer. Quem não tem emprego não tem (ou tende a não ter) dinheiro em quantidade suficiente para viver. Seguindo esta lógica capitalista, como a grande maioria da população não consegue sobreviver com seu trabalho próprio e precisa vincular-se aos empregadores, então a vida é para poucos. Os discursos tentam dourar esta pílula indigesta. Penso que todas as questões que envolvem a vida humana são de primeira importância.

É legitima defesa reagir a alguém que nos ameasse de morte, quando o Estado está ausente ou impedido de nos defender. Quando a sociedade, sob a égide do Estado, não emprega seus cidadãos, ou seja, limita (ou elimina) sua qualidade de vida, esta mesma sociedade ameaça de morte uma quantidade incrível de pessoas. Portanto, toda a reação delas a isso é (ou tende a ser) legítima defesa.

domingo, 22 de abril de 2012

A Filosofia e a qualidade de vida

Prof. Amilcar Bernardi



Quando vamos à academia de musculação malhar, não importa com o que vamos nos exercitar. Importante é a própria atividade muscular, sua qualidade e eficácia. Os aparelhos são apenas meios.

Manter a capacidade de aprender e refletir é algo semelhante. O que mais importa é a atividade intelectual que os diversos saberes impõe à mente. Claro que, no sentido moral, é fundamental o conteúdo do que aprendemos. Mas para o desenvolvimento da reflexão, o que é fundamental é a atividade intelectual (ela é a finalidade).

Por esse viés podemos responder a questão: por que ensinar Filosofia nas escolas? Devemos ensinar porque o filosofar é uma excelente atividade para desenvolver a capacidade de aprender. A Filosofia passa a ser nas escolas, um meio (e não um fim em si mesmo) para o desenvolvimento intelectual.

Outro aspecto importante: o estudo das correntes filosóficas tem como efeito prático o disciplinamento dos desejos juvenis. Estudar os grandes pensadores que tanto falam sobre a virtude, a razão, a política e sobre os motivos das ações humanas, leva o aprendiz a melhor gerenciar seu querer.

Pensar é um refletir sobre ideias. A Filosofia alimenta as ideias para um pensamento mais qualificado. O saber filosófico retira o aluno do centro do seu mundinho. Ela o faz imergir no contexto, na realidade. O adolescente entra em contato com outras verdades tão possíveis quanto as suas e, não raro, mais coerentes e complexas.

Ensinar Filosofia é reconhecer que a vida é um problema sem solução, portanto, é a complexidade da vida que fascina. Filosofar é reconhecer que viver (bem viver) é pensar (bem pensar). O jovem precisa saber que sua qualidade de vida é dependente da reflexão sobre o que aprendeu, ou melhor, da sua capacidade (sempre ampliada) de refletir.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Lendo inúmeras "pérolas" nas redes sociais, publico novamente...

                      A erudição é uma boa opção para os cibernautas
                                                                                                                                            Prof. Amilcar Bernardi
 

Um mouse e um PC conectado leva o adolescente ao mundo sem sair do conforto do seu quarto. A infinidade de informações apresenta-se como o horizonte, uma promessa sempre à frente, inalcançável em plenitude. Horizontal também pode ser entendido como ausência de profundidade, não verticalidade. O internauta afoito ganha em horizontalidade, perde em profundidade. É fato que não é possível aprofundar tudo o que a internet oferece em termos de informações.

A erudição pode ser uma boa escolha para os cibernautas. Afinal, nunca as pessoas tiveram tanto acesso às informações, nem nunca o acervo cultural foi tão amplo. Porém, tudo está muito raso, tão superficial que uma pessoa plugada, lincada a tudo, não pode ser chamada de erudita. Este paradoxo chega ser constrangedor.

Ter acesso a tudo que é produzido pela mente humana, não faz de mim um erudito. A amplitude do acesso pode impedir o foco em algo. Afinal, focar pressupõe algum critério de seleção. Hoje, cada critério elaborado é quebrado por uma tecnologia nova que amplia o leque de opções.  A maioria das pessoas está vagando sem rumo pelo ciberespaço, da mesma forma que uma pessoa do interior na Avenida Paulista observa os enormes prédios.  É um olhar sem critérios para ver.

Uso o termo erudição como uma antítese do que normalmente as pessoas fazem no ciberespaço, pela questão histórica que envolve a palavra. Quando penso em erudição, lembro-me das pessoas de séculos atrás, que liam muito, exercitavam a memória, gastavam horas absorvendo conhecimentos para expô-los com maestria. Os que não tinham tal erudição, ironizavam as pessoas que estudavam apenas para mostrar sabedoria decorada! No Brasil de outrora, poucos se dedicavam a falar bonito, a encantar ouvintes! Estes poucos eram os eruditos, os que estudavam numa concepção estética: era bonito falar, pensar e aparentar conhecimento! Por isso a crença de que os eruditos sabiam pouco (profundidade) e buscavam apenas a beleza da expressão. E hoje? Será que além de perdemos profundidade, também perdemos o senso estético da expressão?

Sou um esteta não por opção. Creio que a quantidade de livros que li retiram a minha liberdade de escolher ser feio ao expressar-me. Portanto, sou um erudito.  Adoro falar bem, pensar bem. Leio e estudo muito para fazer bonito. É lindo saber, refletir, argumentar e falar. Uma modelo profissional, escolhe muito bem suas roupas para as fotos. Pode ser muito linda fisicamente, porém, a roupa bem escolhida, a maquiagem adequada fazem a diferença. Quando eu vou falar/escrever, visto minhas idéias com as palavras mais bonitas que posso escolher. Quando vou dizer o que quero, também quero causar prazer estético. Não basta ser inteligente, esperto e ter bom conteúdo, a forma conta muito. Seria hipócrita se dissesse o contrário!

Ao internauta fica esta minha preocupação: ter acesso a tudo faz do sujeito plugado um erudito? Saber muito pouco de muita coisa faz da pessoa plugada uma pessoa que aprende e se expressa de forma bonita? Hoje obtemos informações, na maioria das vezes, rasas de conteúdo, para que? Qual sentido da obtenção de tantas informações? O esquecimento da busca pelo belo faz muita diferença. Ao cidadão comum do ciberespaço, deixo estas perguntas.

Pauta dos costumes. Vamos falar sobre ela?