Vou focar no termo já popularizado: discurso de ódio. Para tanto, vamos precisar de algumas reflexões
antes.
O discurso é uma sequência de ideias, uma ordem (quando
falado ou escrito) que segue normas gramaticais e (segue sempre em qualquer
forma de discurso) a um encadeamento lógico. Assim é por que ele tem a intenção
de comunicar, ou seja, de ser entendido pelo outro. Vamos excluir do contexto deste artigo os
loucos que falem sem nexo ou falam para ninguém.
Podemos imaginar que mentes sadias se auto-organizam para
poderem discursar de maneira que as pessoas as entendam. Uma mínima (pré) organização
mental é a condição de inteligibilidade dos discursos.
O ódio é uma vontade de morte. Pode ser uma morte simbólica
ou de fato. Odiar é querer eliminar, é desejar que o objeto do ódio desapareça.
Esse sentimento dói em quem o sente, e para afastar-se da dor, precisa
aniquilar quem odeia. O sujeito odiento tem a mente desorganizada por que foca
na destruição, no aniquilamento. É um desejo duradouro. O ódio é uma resposta irracional
à percepção (geralmente imaginária) de uma amaça ao ego. Ou seja, o sujeito se
sente ameaçado enquanto existir o que odeia.
Da onde vem o discurso? Da mente. Não é a boca que fala,
nem é a mão que escreve. Estes são apenas instrumentos. Nossos sentimentos,
nossa alma, nossa psique escrevem, agem, falam. Quem odeia, como afirmei antes,
tem a mente revolta. É como um mar tempestuoso. Há uma desorganização dolorosa.
O odiento sofre internamente com a existência do que odeia. Então, agride com
palavras, gestos, enfim, de todas as formas que puder. Sabemos o que o odiento
quer: a aniquilação. Mas não sabemos como o fará, pois a mente está desalinhada,
está tempestuosa: é imprevisível.
Por isso o discurso
de ódio é um caos. É contraditório e não linear. Cheio de raiva e vazio de
conteúdo. Perguntar ao odiento por que ele odeia é uma temeridade. Quem
pergunta poderá ser agredido. Isso por que o agressor sofre e está com a mente
desordenada. Então, como responderá de forma organizada? Como o seu discurso será
linear e compreensível? Quem odeia não pode explicar o ódio que sente, pois o
ódio é caos mental. Por consequência, ele só pode aplicar o ódio agredindo. Não
há como explicar com coerência (inteligibilidade) por que sente esse
sentimento. O discurso de ódio é uma impossibilidade. Eu chamaria de atos (um
ativismo) de ódio, nunca o classificaria
como um discurso.
As mentes mais tranquilas podem discursar. Espíritos
acostumados à disciplina da leitura e ao diálogo, discursam. Sujeitos
habituados a dar tempo à audição e à compreensão, podem construir discursos. Fazer-se
entender e entender os outros leva tempo. É algo que se aprende pela disciplina
espiritual. Toda a empatia é democrática, é participativa e comunitária.
Os odientos convivem bem com outros odientos. Mas
convivem melhor ainda com odientos com ódio pelas mesmas coisas. Caso odeiem
coisas diferentes, podem acabar odiando uns aos outros.
Quem odeia tem fé que possui a verdade. Os odientos tem
certeza absoluta. Não duvidam nem questionam a si mesmos. A fé na verdade do
seu sentimento negativo, não pode ser questionada. Afinal, o odiento não pode
raciocinar sobre esse sentimento. Justamente: a sustentação do ódio está na
desorganização, está no caos da mente. Justificar de maneira organizada e
inteligível é esforço demasiado (mataria o ódio). Sozinhos, os odientos não
conseguem superar a sua dor. Só na terapia. Só com muito cuidado e carinho, aos
poucos, vão se desabituar do caos mental. Assim vão poder abandonar esse
sentimento negativo de aniquilação.
Concluo pensando que o discurso do ódio não é um discurso. O ódio é um ativismo que não
pode refletir sobre si mesmo. Acredito que discutir com estes sujeitos, sem a
técnica das psicologias, é inútil. Eles não nos podem compreender. Estão em desordem
mental, desabilitados à compreensão e aos argumentos. São contraditórios,
incoerentes e raivosos. Isso por que já não podem mais ser diferentes disso.
Tratar com eles não nos cabe. É serviço duro para os terapeutas mais
experientes. Convém tratá-los com a dignidade que todo o ser humano merece, e
com a distância necessária para não nos machucarmos.
Maravilhoso... muito bom! Claro! Iluminado!
ResponderExcluirCaro professor! Sinto-me lisonjeado. Agradeço.
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