Imaginemos uma criança pequena, aquela que ainda fala com
dificuldade. Como ela não desenvolveu a habilidade de se comunicar facilmente, é
perfeitamente aceitável e previsível explosões de raiva de curta duração. Isso
em função das emoções tumultuadas e a dificuldade em expressá-las.
Com o adulto que não se expressa facilmente, não é muito
diferente.
Falar de maneira organizada favorece enormemente o
escoamento das emoções. A linguagem tem o poder de expressar/escoar
necessidades internas, permitindo a fluidez emocional e o consequente
esvaziamento das tensões. Por outro lado, a dificuldade de se expressar faz com
que as emoções não escoem para fora facilmente. Há, como consequência, o perigo
de uma explosão irracional e violenta.
Freud foi notável ao criar a cura pela fala (talking
cure). Falar, expressar, coloca as emoções em ordem. Não é possível querer
expressar sem antes querer organizar as emoções. Ao comunicar, as energias
mentais se põem disponíveis para serem inteligíveis (para o emissor mesmo e
para o receptor). Quanta dor, raiva e frustração represam aqueles que não podem
(ou não querem) se comunicar. Com frequência a energia acumulada se transforma
em movimento físico: um soco, um tapa, um chute. Ou ainda, pode se transformar
em palavras caóticas e agressivas. Com essa energia toda, cada palavra é uma
pedra arremessada, uma flecha envenenada.
O sofrimento interno explode machucando os que estão em volta. Se a
pessoa pudesse expressar o que sente com calma, aos poucos, seria possível
diminuir a energia armazenada. A pessoa ao organizar a fala, iria compreender a
si mesma e, através do diálogo fraterno, curaria suas dores internas. Ouviria a
si mesma e seria ouvida pelos outros.
A possibilidade de se expressar de forma inteligível é um
bálsamo para as almas. E quando a expressão se torna impossível? Com certeza a
violência poderá acontecer. Pessoas se machucarão. A agressão é a expressão
(incompreensível) dos que não sabem, ou não podem se comunicar de forma sadia
(fluente).
Na politica essa lógica não é diferente. As ideologias
que não podem ser explicadas por seus seguidores, as intenções que não podem
ser ditas, mas apenas sentidas e desejadas, tendem à violência. Quem não pode
falar e explicar, guarda tensões em si mesmo. Acumula incompreensão e ...
explode. Mas por que não fala, não se expõe? Inúmeras vezes a ideologia é
revoltante, é excludente e é contra a sociedade fraterna e democrática. Então
não pode ser dita, pois é execrável. Quem professa esse tipo de ideologia, tem que
guarda-la para si. Tem que defendê-la sem
poder explica-la ou justifica-la. Esses ideólogos da exclusão social, do
racismo e da meritocracia, não podem se expressar claramente e de maneira sã. É preciso esconder os fundamentos mais
profundos das suas crenças políticas. Então, sem falar, assim como as crianças
em tenra idade, explodem facilmente em raivas. Mas são adultos. A raiva que é
momentânea nos infantes, torna-se uma maneira de viver nos adultos.
Essas pessoas não falam mais. Elas agridem por que não
podem comunicar claramente/profundamente o que pensam. O que pensam é ruim para a sociedade. Então
calam e acabam transbordando em raiva e, com a constância dela, em ódio.
A única saída para os ideólogos da exclusão é a cura pela
fala verdadeira. Aproximadamente na linha do que Freud propunha. Mas, como se
expressariam se o que creem faz mal à sociedade, se é socialmente inexplicável?
Falar sobre aquilo que devem esconder é muito doloroso. Sentem como impossível deixar
claro para si e para todos, que o que querem é um mundo para as elites. Caso
falem, se curariam da violência, mas correriam o risco de mudar suas convicções
ideológicas quando postas à luz da razão.
Talvez até não mudassem de ideia. Mas, assumir seus
posicionamentos elitistas e excludentes, faria com que aceitassem melhor
(internamente) seus papéis deletérios na história do que acontece em nosso país.
Quando curadas, ficaria para essas pessoas o dilema: se falarem claramente,
quem os seguiriam? Ninguém. Simples assim.
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