Vingança é uma ação consciente que tem o objetivo
específico de causar dano, dor moral ou física a outra pessoa. Resumindo: a
vingança quer causar prejuízo. O que a motiva não é a racionalidade, mas o
sentimento de retribuição imediata. Ela é uma catarse, uma explosão. A vingança
é uma espécie de insanidade momentânea, aplacável com a aplicação da violência
ao agressor.
Se fosse possível uma vingança justa, ela se basearia na
reciprocidade. Se o sujeito A decepou o braço do sujeito B com três machadadas,
o agressor teria também seu braço decepado por exatas três machadadas. Acontece
que os parentes do sujeito A poderiam não concordar. Então, vendo seu parente
com o braço decepado “injustamente”, também acreditariam ter o direito de se
vingarem dos vingadores... e por aí vai.
Até aproximadamente o século XVIII, a vingança foi aceita
por inúmeras sociedades. Foi possível entregar por algum tempo ao Estado a
função vingadora. Então, o sujeito B deixava ao Estado a função de cortar o
braço do seu agressor. Caso hoje isso fosse possível, posso imaginar duas profissões
interessantes. A primeira seria a do
médico medidor. Este profissional público devidamente concursado, deveria
cientificamente “medir” a dor da vítima. Só assim poderia indicar a exata medida
da dor que seria infligida “justamente” ao agressor. A outra profissão já bem
antiga seria a de algoz. Hodiernamente o algoz seria também um funcionário
público efetivo. Este, após a liberação pelo Estado, cumpriria a vingança na
exata medida da dor receitada pelo médico medidor.
O sujeito A (que decepou o braço de B com três machadadas),
se fosse condenado, a sentença seria mais ou menos assim: “O Estado sentencia o sujeito A a ter seu braço direito amputado da
seguinte forma: será o membro superior
do sujeito A atingido exatamente por três golpes de machado, culminando, absolutamente
no terceiro golpe, com corte total do referido membro”. Caso o algoz atingisse o objetivo da vingança
com duas machadadas, seria um abrandamento ilícito da pena. Caso o objetivo
fosse atingido com quatro machadadas, seria um agravamento ilegal da pena.
Afinal, hoje, a vingança seria coisa séria.
O que quero evidenciar com os parágrafos anteriores, é o
absurdo do fundamento da vingança: que é a dor, o prejuízo, o dano, a morte por
órgãos estatais. Poderíamos imaginar o Estado ou qualquer segmento dele ser
especializado na dor e no dano? Não! Qual a vantagem de aplicar chibatadas,
mutilações ou dor em quem cometeu crimes? Nenhuma! Ora, acredito que todos
querem evitar o crime. Mas, agredir o agressor, torturar o torturador é cometer
estes mesmos crimes ampliando-os! Assassinar o assassino é dois assassinatos!
Mesmo que seja pela mão estatal.
E a pena atual?
A pena imposta
hoje pelo Estado de direito também quer a retribuição (ao ofensor) pelo ato
delitivo. Mas, não, nunca, a retribuição da dor ou do dano. Nunca quererá
cometer um crime para vingar outro, ou na esperança de impedir outro crime
futuro. Inclusive o Estado aposta na ressocialização do condenado. Todo o
condenado um dia voltará ao convívio social, depois de cumprida a pena ou por
benefícios que antecipem a sua liberdade. Na vingança, o violentador violentado pelo
Estado, será um elemento perigosíssimo para os demais. Impossibilitando sua
liberdade. Já na pena, em tese, a
sanção-prisão daria tempo para a reflexão do infrator amparado pelo Estado,
deixaria o criminoso em condições de retornar ao convívio social. A vingança, contrário sensu, é um caminho só
de ida para a violência.
E os que querem a violência carcerária como uma espécie de
vingança estatal?
Mais pernicioso ainda para a sociedade é a atual
hipocrisia. Refiro-me àqueles que
desejam a vingança de modo torpe, insidioso.
Refiro-me aos que desejam celas minúsculas lotadas. Àqueles que vibram com a violência e as
mortes nos motins. Refiro-me aos que querem prisões torturantes, macabras, sem
luz, sujas, fétidas e com gente semimorta lá dentro. Afinal, se “bandido bom é
bandido morto”, melhor ainda é bandido sofrendo muito e por muito tempo.
Nossa sociedade produz mais delinquentes do que pode
suportar. Produz em progressão geométrica.
Então a sociedade, vitima de si mesma, quer vingar-se dos desviantes. Ressocializar
é caro e dá trabalho. Também ninguém quer um presídio por perto. Talvez a sociedade não queira ver o que ela
mesma faz com seu povo, consigo mesma. Encarcerar para fazer sofrer não é
solução.
As penas devem ser cumpridas em celas confortáveis e
modestas. O preso deverá ter contato com familiares e com a comunidade através
de trabalho. O encarcerado terá cursos de capacitação para o mercado. Terá acesso
a médico e a advogado. Será tratado com urbanidade e dignidade.
O sistema carcerário é tão caro e contraditório que
melhor é prevenir o surgimento de novos criminosos, sempre.
O Estado não se vinga. O Estado não pode permitir a dor
dos seus cidadãos. Não é possível ao judiciário pretender o dano e a destruição
de alguma pessoa. Será destruir a
própria justiça desejar que ela trabalhe para o dano e, pior, para a morte
lenta pela dor. Simples assim.
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