sábado, 6 de dezembro de 2014

O poder segundo Aristóteles


Pioneiro em várias áreas do conhecimento, o pensador grego não ficou apenas filosofando sobre qual seria a forma ideal de governo: pesquisou muito até achar o regime que, na prática, funcionava melhor
Muita gente tem tanta aversão a política que, ao ler essa palavra, vai pular correndo para a próxima matéria. Atualmente, essa atividade está tão comprometida por seus profissionais que não há como não dar um pouco de razão a quem sofre dessa alergia. Como tantas outras palavras correlatas (“monarquia”, “tirania”, “oligarquia” e “democracia”), o termo “política” foi criado na Grécia antiga. E, já naquela época, a desilusão com os políticos era grande. Por isso, os gregos fizeram questão de tentar entender como um negócio cujo principal objetivo é alcançar o bem coletivo pode dar tão errado.
Um dos mais importantes filósofos gregos a encarar essa tarefa foi Aristóteles, que viveu entre 384 e 322 a.C. Discípulo de Platão, foi um protótipo do pensador enciclopédico. Nada escapou de sua curiosidade e indagação. Ele frequentou praticamente todos os ramos do que hoje convencionamos chamar de “saber” (e até fundou alguns deles): da vida dos animais à astronomia, do modo correto de produzir e de organizar as ideias até os segredos da eficácia de uma peça de teatro. Em Política, o filósofo grego ocupou-se em descrever as mais variadas formas de convivência humana sob um governo comum. Mais do que isso, ele também tenta responder a inúmeras indagações: quais formas de governo são as melhores? Por que ocorrem as revoluções? O que fazer para evitá-las? Que papel deve exercer a educação na melhoria dos cidadãos? Quais as características físicas e sociais de uma cidade ideal?
Não faltam intérpretes da obra aristotélica capazes de apontar na Política a origem de ciências como a economia, a sociologia, a antropologia e a própria ciência política. O texto é, na verdade, uma reunião de vários livros escritos pelo autor em épocas distintas (o que provoca, às vezes, inconvenientes como repetições ou incongruências entre algumas partes). Logo no primeiro capítulo, há uma definição que ainda costuma fazer o leitor pular na cadeira: “O homem é por natureza um animal político”. Mas, afinal, o que é a política para Aristóteles? Para responder a essa questão, é preciso, antes, fazer um desvio etimológico. O termo deriva da palavra grega polis, que designa cidade. Este é, na concepção grega, o lugar por excelência da convivência e felicidade humanas, onde se concentra a civilização – em contraposição ao que está fora da cidade, que é o lugar dos bárbaros.
Para Aristóteles, o ser humano só se realiza (ou, em outras palavras, só alcança sua essência) vivendo em comunidade. Mas não basta que essa comunidade garanta a mera sobrevivência e um certo conforto material – pois isso também pode ser encontrado na família ou numa aldeia. De acordo com o filósofo francês Pierre Aubenque, em A Prudência em Aristóteles, “a finalidade da cidade não se resume a ‘viver’, isto é, satisfazer as necessidades, mas também o ‘viver bem’, ou seja, a vida feliz, que, para os gregos, se confunde com a vida virtuosa”. Dotado da capacidade de fala (logos, em grego), o homem tem a capacidade de se expressar de maneira sensata e de refletir sobre seus atos. Ele é, portanto, capaz de distinguir o que é justo do injusto. “A comunidade de seres com tal sentimento” para Aristóteles é a cidade, que, segundo ele, é superior à família ou à aldeia da mesma forma que o corpo inteiro é superior ao pé ou à mão.
Na ciência política, a tradição aristotélica se contrapõe às teorias baseadas no conceito de “contrato”, como a elaborada pelo inglês Thomas Hobbes no século 17. Para ele, a obediência ao governo nasce de um pacto que visa garantir a segurança de todos. Ameaçados pela lei do mais forte, que rege a natureza, os homens decidem, num contrato coletivo, se submeter a uma instância superior. Segundo Hobbes, é esse acordo que dá origem ao Estado. Na Grécia de Aristóteles, idéias como essa já eram defendidas. Protágoras, por exemplo, via no homem um ser rebelde por natureza, que viveria na cidade apenas por interesse. É esse tipo de concepção que Aristóteles combate: para ele, a comunidade política é uma evolução natural dos agrupamentos humanos mais simples, como a família.
Segundo o método do filósofo grego, entretanto, chegar a uma definição sobre o que é a política não basta para entendê-la. É preciso percorrer, com olhar atento e minucioso, o maior número possível de situações reais. Aristóteles se dedica então a examinar e comparar as formas de governo existentes na Antiguidade. Sua sede de conhecimento fez com que ele reunisse uma impressionante coleção de constituições. Das 158 recolhidas por Aristóteles, entretanto, só uma sobreviveu até hoje: a de Atenas, encontrada em um papiro em 1890.
A obsessão investigativa de Aristóteles se justifica. Ele não queria apenas descobrir qual seria “a melhor forma de governo” – ela também tinha de ser “a melhor forma de governo possível de acordo com as circunstâncias”. Esse pragmatismo traz uma importante diferença com relação a Platão: em República, o mestre de Aristóteles buscava conceber uma forma de gestão baseada em ideais. Na Política, a filosofia desce do céu e planta seus pés na terra: o autor pretende prescrever a melhor forma de governo que pode, na prática, existir.
Baseado em sua pesquisa, Aristóteles define os três tipos de regime político: o comandado por uma única pessoa é a monarquia, o liderado por um pequeno grupo é a aristocracia e o controlado pela maioria dos cidadãos é a politia. Cada um deles tem, respectivamente, uma forma degradada: a tirania, a oligarquia e a democracia (é isso mesmo: naquela época esta palavra estava longe de ser sinônimo de bom governo – Aristóteles a utiliza mais ou menos como hoje falamos em “demagogia”). Mas qual a diferença, por exemplo, entre a monarquia e a tirania? Simples: na primeira, o líder governa buscando o bem comum e, na segunda, ele governa de acordo com seus próprios interesses. É isso que distingue, nos três casos, o bom do mau governo, o justo do injusto. Os primeiros são verdadeiramente políticos, os segundos são despóticos.
Dentre as três formas de governo, Aristóteles admite que a monarquia e a aristocracia podem ser as melhores. Mas, para que isso aconteça, é preciso que, no comando do regime, exista um homem excepcionalmente sábio e justo, no primeiro caso, ou um grupo deles, no segundo. Como essa situação é incomum, a forma mais indicada de governo é a politia: mesmo que a cidade não possa contar com uns poucos homens de valor excepcional, é razoável que ela conte com muitos capazes de governar e de ser governados, alternadamente. Para evitar abusos, a politia conta com leis escritas a ser seguidas (daí ela também ser chamada de “governo constitucional”). Ou seja: a forma preferida por Aristóteles não está assim tão longe do modelo formal de democracia que temos hoje.
O que torna o texto aristotélico um clássico não é nem sua antiguidade nem sua influência, mas sua habilidade em extrair da história casos que permitam a seus leitores entender as razões de determinadas lições. Aristóteles nos ensina que dar as costas para a política é ignorar uma boa parte do que existe de humano em nós. É como escreve Francis Wolff, especialista em filosofia antiga, no livro Aristóteles e a Política: “Assim como um povo sem memória histórica não tem verdadeiramente história, uma vez que não pode agir sobre ela, da mesma forma um povo sem a consciência de um domínio próprio das coisas da cidade não pode agir politicamente, uma vez que não sabe que a política é aquilo que lhe pertence”.

O professor do general

Nascido na Macedônia, Aristóteles foi tutor de ninguém menos que Alexandre, o Grande. Ao lado de Platão, Aristóteles é considerado o mais importante filósofo da Grécia. Mas, segundo os padrões de sua época, ele não era exatamente grego, já que nasceu na cidade de Estagira, na Macedônia – local visto pelos atenienses como um reino bárbaro. Filho de Nicômaco, um médico da corte do rei Amintas III, ele partiu ainda jovem para estudar em Atenas. Lá se tornou um dos mais destacados alunos da Academia, a escola filosófica fundada por Platão. Em 343 a.C., Aristóteles se torna tutor de Alexandre, neto de Amintas III e herdeiro do trono macedônio. Depois de oito anos de aprendizado, o aluno assume o poder e dá início a uma série de conquistas: derrota os persas, ocupa a Babilônia e estende seus domínios (e as fronteiras da Grécia, transformada em império) até a Índia. Sabe-se muito pouco, entretanto, sobre o que ele aprendeu com Aristóteles. O principal tema das lições podem ter sido os poemas de Homero, base da educação grega naquela época (talvez venha daí a obsessão do conquistador pela Ilíada e sua crença de que descenderia do herói mítico Aquiles). Enquanto Alexandre é aclamado como “o Grande”, Aristóteles retorna a Atenas, onde funda sua própria escola, o Liceu. Lá começa a impor, com sua filosofia, uma influência muito mais duradoura que a que seu pupilo alcançou com a espada. Em 323 a.C., após a morte de Alexandre, uma forte reação antimacedônica toma conta de Atenas, o que faz com que o filósofo deixe a cidade. Ao partir, ele diz que não gostaria de dar aos atenienses a chance de “cometer um novo crime contra a filosofia” (numa alusão a Sócrates, que fora condenado à morte). No exílio, morreria um ano depois, aos 63 anos.
Saiba mais
Livro
A Política, Aristóteles, Martins Fontes, 1998
Do site:

http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/poder-aristoteles- 434616.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_avhistoria

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