Pioneiro em várias áreas do conhecimento, o pensador
grego não ficou apenas filosofando sobre qual seria a forma ideal de governo:
pesquisou muito até achar o regime que, na prática, funcionava melhor
Muita gente tem tanta aversão a política que, ao ler
essa palavra, vai pular correndo para a próxima matéria. Atualmente, essa
atividade está tão comprometida por seus profissionais que não há como não dar
um pouco de razão a quem sofre dessa alergia. Como tantas outras palavras
correlatas (“monarquia”, “tirania”, “oligarquia” e “democracia”), o termo
“política” foi criado na Grécia antiga. E, já naquela época, a desilusão com os
políticos era grande. Por isso, os gregos fizeram questão de tentar entender
como um negócio cujo principal objetivo é alcançar o bem coletivo pode dar tão
errado.
Um dos mais importantes filósofos gregos a encarar
essa tarefa foi Aristóteles, que viveu entre 384 e 322 a.C. Discípulo de Platão,
foi um protótipo do pensador enciclopédico. Nada escapou de sua curiosidade e
indagação. Ele frequentou praticamente todos os ramos do que hoje
convencionamos chamar de “saber” (e até fundou alguns deles): da vida dos
animais à astronomia, do modo correto de produzir e de organizar as ideias até
os segredos da eficácia de uma peça de teatro. Em Política, o filósofo grego
ocupou-se em descrever as mais variadas formas de convivência humana sob um
governo comum. Mais do que isso, ele também tenta responder a inúmeras
indagações: quais formas de governo são as melhores? Por que ocorrem as
revoluções? O que fazer para evitá-las? Que papel deve exercer a educação na
melhoria dos cidadãos? Quais as características físicas e sociais de uma cidade
ideal?
Não faltam intérpretes da obra aristotélica capazes de
apontar na Política a origem de ciências como a economia, a sociologia, a
antropologia e a própria ciência política. O texto é, na verdade, uma reunião
de vários livros escritos pelo autor em épocas distintas (o que provoca, às
vezes, inconvenientes como repetições ou incongruências entre algumas partes).
Logo no primeiro capítulo, há uma definição que ainda costuma fazer o leitor
pular na cadeira: “O homem é por natureza um animal político”. Mas, afinal, o que
é a política para Aristóteles? Para responder a essa questão, é preciso, antes,
fazer um desvio etimológico. O termo deriva da palavra grega polis, que designa
cidade. Este é, na concepção grega, o lugar por excelência da convivência e
felicidade humanas, onde se concentra a civilização – em contraposição ao que
está fora da cidade, que é o lugar dos bárbaros.
Para Aristóteles, o ser humano só se realiza (ou, em
outras palavras, só alcança sua essência) vivendo em comunidade. Mas não basta
que essa comunidade garanta a mera sobrevivência e um certo conforto material –
pois isso também pode ser encontrado na família ou numa aldeia. De acordo com o
filósofo francês Pierre Aubenque, em A Prudência em Aristóteles, “a finalidade
da cidade não se resume a ‘viver’, isto é, satisfazer as necessidades, mas
também o ‘viver bem’, ou seja, a vida feliz, que, para os gregos, se confunde
com a vida virtuosa”. Dotado da capacidade de fala (logos, em grego), o homem
tem a capacidade de se expressar de maneira sensata e de refletir sobre seus
atos. Ele é, portanto, capaz de distinguir o que é justo do injusto. “A
comunidade de seres com tal sentimento” para Aristóteles é a cidade, que,
segundo ele, é superior à família ou à aldeia da mesma forma que o corpo
inteiro é superior ao pé ou à mão.
Na ciência política, a tradição aristotélica se
contrapõe às teorias baseadas no conceito de “contrato”, como a elaborada pelo
inglês Thomas Hobbes no século 17. Para ele, a obediência ao governo nasce de
um pacto que visa garantir a segurança de todos. Ameaçados pela lei do mais
forte, que rege a natureza, os homens decidem, num contrato coletivo, se
submeter a uma instância superior. Segundo Hobbes, é esse acordo que dá origem
ao Estado. Na Grécia de Aristóteles, idéias como essa já eram defendidas.
Protágoras, por exemplo, via no homem um ser rebelde por natureza, que viveria
na cidade apenas por interesse. É esse tipo de concepção que Aristóteles
combate: para ele, a comunidade política é uma evolução natural dos
agrupamentos humanos mais simples, como a família.
Segundo o método do filósofo grego, entretanto, chegar
a uma definição sobre o que é a política não basta para entendê-la. É preciso
percorrer, com olhar atento e minucioso, o maior número possível de situações
reais. Aristóteles se dedica então a examinar e comparar as formas de governo
existentes na Antiguidade. Sua sede de conhecimento fez com que ele reunisse
uma impressionante coleção de constituições. Das 158 recolhidas por
Aristóteles, entretanto, só uma sobreviveu até hoje: a de Atenas, encontrada em
um papiro em 1890.
A obsessão investigativa de Aristóteles se justifica.
Ele não queria apenas descobrir qual seria “a melhor forma de governo” – ela
também tinha de ser “a melhor forma de governo possível de acordo com as circunstâncias”.
Esse pragmatismo traz uma importante diferença com relação a Platão: em
República, o mestre de Aristóteles buscava conceber uma forma de gestão baseada
em ideais. Na Política, a filosofia desce do céu e planta seus pés na terra: o
autor pretende prescrever a melhor forma de governo que pode, na prática,
existir.
Baseado em sua pesquisa, Aristóteles define os três
tipos de regime político: o comandado por uma única pessoa é a monarquia, o
liderado por um pequeno grupo é a aristocracia e o controlado pela maioria dos
cidadãos é a politia. Cada um deles tem, respectivamente, uma forma degradada:
a tirania, a oligarquia e a democracia (é isso mesmo: naquela época esta
palavra estava longe de ser sinônimo de bom governo – Aristóteles a utiliza mais
ou menos como hoje falamos em “demagogia”). Mas qual a diferença, por exemplo,
entre a monarquia e a tirania? Simples: na primeira, o líder governa buscando o
bem comum e, na segunda, ele governa de acordo com seus próprios interesses. É
isso que distingue, nos três casos, o bom do mau governo, o justo do injusto.
Os primeiros são verdadeiramente políticos, os segundos são despóticos.
Dentre as três formas de governo, Aristóteles admite
que a monarquia e a aristocracia podem ser as melhores. Mas, para que isso
aconteça, é preciso que, no comando do regime, exista um homem excepcionalmente
sábio e justo, no primeiro caso, ou um grupo deles, no segundo. Como essa
situação é incomum, a forma mais indicada de governo é a politia: mesmo que a
cidade não possa contar com uns poucos homens de valor excepcional, é razoável
que ela conte com muitos capazes de governar e de ser governados,
alternadamente. Para evitar abusos, a politia conta com leis escritas a ser
seguidas (daí ela também ser chamada de “governo constitucional”). Ou seja: a
forma preferida por Aristóteles não está assim tão longe do modelo formal de
democracia que temos hoje.
O que torna o texto aristotélico um clássico não é nem
sua antiguidade nem sua influência, mas sua habilidade em extrair da história
casos que permitam a seus leitores entender as razões de determinadas lições.
Aristóteles nos ensina que dar as costas para a política é ignorar uma boa
parte do que existe de humano em nós. É como escreve Francis Wolff,
especialista em filosofia antiga, no livro Aristóteles e a Política: “Assim
como um povo sem memória histórica não tem verdadeiramente história, uma vez
que não pode agir sobre ela, da mesma forma um povo sem a consciência de um
domínio próprio das coisas da cidade não pode agir politicamente, uma vez que
não sabe que a política é aquilo que lhe pertence”.
O professor do general
Nascido na Macedônia, Aristóteles foi tutor de ninguém menos que Alexandre, o Grande. Ao lado de Platão, Aristóteles é considerado o mais importante filósofo da Grécia. Mas, segundo os padrões de sua época, ele não era exatamente grego, já que nasceu na cidade de Estagira, na Macedônia – local visto pelos atenienses como um reino bárbaro. Filho de Nicômaco, um médico da corte do rei Amintas III, ele partiu ainda jovem para estudar em Atenas. Lá se tornou um dos mais destacados alunos da Academia, a escola filosófica fundada por Platão. Em 343 a.C., Aristóteles se torna tutor de Alexandre, neto de Amintas III e herdeiro do trono macedônio. Depois de oito anos de aprendizado, o aluno assume o poder e dá início a uma série de conquistas: derrota os persas, ocupa a Babilônia e estende seus domínios (e as fronteiras da Grécia, transformada em império) até a Índia. Sabe-se muito pouco, entretanto, sobre o que ele aprendeu com Aristóteles. O principal tema das lições podem ter sido os poemas de Homero, base da educação grega naquela época (talvez venha daí a obsessão do conquistador pela Ilíada e sua crença de que descenderia do herói mítico Aquiles). Enquanto Alexandre é aclamado como “o Grande”, Aristóteles retorna a Atenas, onde funda sua própria escola, o Liceu. Lá começa a impor, com sua filosofia, uma influência muito mais duradoura que a que seu pupilo alcançou com a espada. Em 323 a.C., após a morte de Alexandre, uma forte reação antimacedônica toma conta de Atenas, o que faz com que o filósofo deixe a cidade. Ao partir, ele diz que não gostaria de dar aos atenienses a chance de “cometer um novo crime contra a filosofia” (numa alusão a Sócrates, que fora condenado à morte). No exílio, morreria um ano depois, aos 63 anos.
Saiba mais
Livro
A Política, Aristóteles, Martins Fontes, 1998
Do site:
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/poder-aristoteles-
434616.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_avhistoria
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