segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Todos nós temos um preço! Será? Uma questão de fé

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Um cidadão discutia comigo sua preocupação com a corrupção epidêmica no Brasil. No auge da conversa, a pessoa reclama num tom de verdade absoluta: Todos nós temos um preço!

 

Aquilo repercutiu na minha mente: Todos temos um preço. Será?

 

Se sim, minha consciência é sujeitada a ser uma expressão monetária de um valor, assim como as coisas desejáveis também são. E quem sujeitaria as consciências e as coisas? Um ser mítico e imaginário chamado mercado.

 

Parece mais um slogam de loja barata: Todos temos um preço. Venha logo comprar na loja “X”, aquela que vende pessoas com o melhor preço. Venha, confira nossas ofertas!

 

Por outro lado, lembrei de pessoas salvando cachorrinhos nas enchentes. Arriscavam suas vidas sem pensar duas vezes! Qual o preço do cachorrinho para valer o preço daquela vida humana? Vida humana que corria perigo de se extinguir para salvar a do filhotinho! Creio que para estes que salvam animaizinos, as vidas (humanas e caninas) não tem preço. Valem por si mesmas, incalculáveis. 

 

Estas pessoas contradizem, portanto, a certeza do meu interlocutor.

 

Mas fica a questão. Por que o mito de que as pessoas tem preço permanece por aí como uma verdade? Ora, eu penso, é coisa do capitalismo que precisa transformar tudo em mercadoria. Afinal, só mercadorias valem algo em Reais. E sem valor monetário, não há capitalismo.

 

Assim como água não pode ser tratada como pedra, por serem absolutamente diferentes, pessoas não podem ser tratadas como mercadorias.

 

a)        Mercadoria é um objeto (desejável por alguém) ou um produto (feito por e para pessoas). Percebamos que a mercadoria só existe por que é desejada para ser consumida/usufruida/destruida. Só a alma humana pode desejar deste jeito estranho. Então, desenvolvemos a fé ideológica no poder de transmutar tudo em mercadorias (inclusive pessoas). Quanto mais houver gente, crença e consumo, mais cara é a mercadoria.

 

Não havendo a fé de que tudo pode ser mercadoria e que tudo tem um preço, não há capitalismo.

 

Maldita crença que nos domina! A ciência da propaganda teve sucesso. O slogam feiticeiro pegou: Todos temos um preço.

 

Nos forçaram a esquecer os doadores de medula óssea,  os que consolam os pobres, os que cuidam de crianças em abandono, os que morrem para salvar outras pessoas e filhotes nas águas de uma enchente.  Para estes, as pessoas não tem preço.

 

É preciso nos fazer esquecer que é apenas uma crença estúpida que mantém os preços e a economia.

 

Descrer seria uma benção.

 

b)        Pessoa  é o ser humano vivo, que tem consciência, pensa, sofre e pode sonhar com o futuro (algo que ainda não existe). Animais não-humanos não sonham com o futuro por que não podem imaginar o que ainda não existe. Não-humanos não podem ter fé no intangível, no que existe só no imaginário.  Por isso uma gatinha nunca acreditará na loja que a vende por um preço estipulado. Uma gatinha não pode acreditar que vale algo além do que ela é. Também não pode crer que outra gatinha é menos que ela. Não-humanos não podem crer, então, para eles não cola a ideia do capitalismo, de que tudo pode ser transmutado em mercadoria.

 

Nunca haverá, portanto, um capitalismo animal (animal não-humano)

 

A corrupção é um mal terrível. Mas só existe por que acreditamos demais em fantasias. É fantasioso demais afirmar que tudo é para consumo, inclusive as pessoas que têm cargos públicos.

 

Não, eu não tenho preço. Nem tu tens. Mas somos naturalmente livres para crer no que quisermos. Inclusive podemos crer nas grades ideológicas que nos prendem.

 

Vou usar minha liberdade de crer para ter fé. A fé em que um dia nada mais terá preço. Nem pessoas, nem remédios, nem educação.

 

Tudo é uma questão de fé. Creiam em mim.

 

Livro Planeta dos macacos de 1963