sábado, 9 de outubro de 2021

A verbosfera: o mundo dito antes.

 

Aquilo caiu e quebrou o telhado. A coisa tinha uma forma que ninguém havia visto antes. Apesar de estar em frente aos olhos de todos, ninguém conseguia identificar a cor daquilo. Era de um brilho e de um tom nunca visto. E o odor? Ninguém havia antes sentido. Alguém coloca a mão e não consegue identificar a densidade da coisa, pois era uma densidade nunca antes percebida por eles. O peso? Era muito estranho: o conceito de leve e de pesado não se aplicava àquilo. A temperatura dela era indescritível, pois nunca sentida antes. A coisa estava ali em frente a todos, porém, como descrevê-la? Como telefonar para os bombeiros e explicar o que havia caído e atravessado o telhado?

 

Para sentir os parágrafos seguintes, tenta imaginar a “coisa” nunca experimentada antes, nunca dita antes.

 

Esta situação hipotética pouco plausível é interessante. Quando afirmei “nunca visto, nunca sentido, nunca percebido”, obrigo o leitor a não ter como representar/imaginar a tal coisa. E por que isso acontece ao leitor? Porque o impeço de puxar da memória as tintas para pintar o que caiu atravessando o telhado. Ao informar que as sensações fornecidas pela coisa não passaram anteriormente pelos sentidos (os cinco sentidos!), faço com que tenhamos que imaginar a partir da tábula rasa! E isso é impossível. Então o leitor, ao ler a descrição maluca, fica a buscar imagens para identificar a coisa. Todas as imagens vêm e nenhuma se cola à descrição. Torno indescritível a coisa, é algo indizível!

 

Aquilo que caiu só fará sentido após ser possível dizê-lo, e dizê-lo é dar sentido para ele!!!!!!

 

É uma questão vital poder dizer o que nos rodeia, portanto, é uma questão de vida dar sentido a tudo! O sentido é dito, é criado/exposto pelo verbo! Quero dizer que só existe humanamente o que é dito, o que é tomado consciência através da linguagem! Outro exemplo: enquanto não contarem que o Joãozinho quebrou o braço, para mim o acidente não existe!  Para mim e para todos que disto não sabem.

 

Vivemos na antroposfera do entendimento, fora dela não há consciência humana.

 

 O planeta é uma verbosfera! Viver e verbalizar o vivido são uma coisa só!

 

A “coisa” que quebrou o telhado, quando algo for dito sobre ela, ela será algo para nós. Se dissermos algo bom, será boa. Se dissermos algo ruim, ela será ruim.

 

Eu até poderia comentar as fake News. Elas falam, descrevem e dão falsos sentidos a acontecimentos transformando-os, deturpando-os. Mas, não vou fazê-lo nesse texto.

 

Aquelas pessoas que verbalizam mal o mundo (leem pouco, escrevem mal, falam qualquer coisa para qualquer um, expressam só palavrões e maledicências), não podem ter qualidade de vida! Afinal, o seu mundo é como o descrevem. A verbosfera para estes, é um lugar inóspito, vulgar, pouco inteligível e assustador.

 

Viver é dizer o mundo em que vivemos. Dizer/entender mal o mundo é viver mal. Entendamos que quando me refiro a dicção do mundo, indico a linguagem (lato sensu) e não apenas a vocalização.

 

Gente! Expressar é re/criar! É dar sentido! É, pela cultura, deixar aos descendentes um jeito de viver/entender/operar o mundo humano.

 

Para reorientar/melhorar a dicção/construção/fixação do mundo humano chamo não só os filósofos. Imagino um mutirão de professores de literatura, escritores, poetas, pintores e músicos (re)falando da vida; (re)dizendo as belezas que nos rodeiam. Modernos rapsodos (rhapsôidós) poetando valores, (re)vitalizando um espírito estético, um jeito belo de ver/viver/construir a realidade humana.

 

Que sejamos mais estetas e menos malfaladores/construtores do mundo.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Tudo é fala. Tudo é, por consequência, audição. Para (re)pensar o ser professor.

 




                                                                         

 

 

 

As pessoas no meu entorno são o espelho onde (re)vejo-me. Visão aclarada pelo diálogo, porque as pessoas nunca são um reflexo nítido: é preciso esforço para superar as imperfeições.

 

A nitidez plena do meu reflexo no outro é um projeto inviável.

 

As perguntas que os outros me fazem trazem à luz facetas do meu eu. As perguntas perguntam para mim sobre o que não consegui deixar claro ao entendimento alheio. Ao me fazer entender, eu sou mais eu para minha comunidade. Faço-me ver, venho à luz.

 

Caso eu nascesse em um lugar sem ninguém (sem perguntas sobre mim), eu seria ninguém (pura obscuridade). Nem eu teria plena consciência de mim.

 

No meu caso, a aprendizagem do que inúmeras palavras que eu ouvia queriam dizer, veio principalmente da minha mãe. A confirmação do sentido delas vinha da minha mãe (eu perguntava muito). Depois os outros colaboraram com minha iluminação na linguagem. A cada pergunta eu falava de mim, das minhas obscuridades. A cada resposta eu me iluminava um pouco. E quando as pessoas não sabiam responder às minhas questões, eram as obscuridades delas que vinham à luz.

 

 Cedo percebi que a graça da minha piada vinha do riso dos ouvintes. A graça não morava em mim. Era dependente dos outros. As pessoas é que diziam que eu era um (péssimo!) piadista.  Entendi logo que muito do que eu sou, só é por que outras pessoas confirmaram. Sou porque os outros são comigo. 

 

Para sabermos da nossa prática como professores, observar o aprendente é o melhor caminho, é a melhor informação.

 

A fórmula: eu sou professor e sei o que faço, é impossível quando explicita a ideia de que eu sei e sou sem meu aluno, sei e sou por mim mesmo. Seria algo como um piadista sem plateia que jura ser engraçado. Qual a prova de ser o que diz ser? Ele conta piadas para si mesmo e acha graça!

 

Por outro lado, o aluno só é aluno na tensão professor/aprendiz. Tensão insolúvel, paradoxal, dialógica. Tensão que sempre pede mais falas, entendimentos, iluminações (sempre há obscuridades). Portanto, quando eu me defino como professor, só o faço por que o aprendiz diz (ou diz contestando) coisas de mim. Quando ele pergunta algo para mim em sala de aula, diz do quanto e como eu ensino algo para ele. Do quanto e como sou professor. Quando o aprendente aprende, ou não aprende, provoca-me no meu ensinar.

 

Faço-me professor com ele e para ele.

 

Portanto, diplomas e certificados indicam apenas meu desejo de ser o que só o aluno poder fazer eu ser. O que estou dizendo serve para todas as profissões. Somos o que somos porque os outros são o que são na relação conosco.

 

Pelo exposto, posso dizer que não gosto das frases do senso comum que habitam as redes sociais, aquelas que dizem: seja você mesmo, não dependa de ninguém, faça por si mesmo, creia em si mesmo. Mesmo carregadas de boas intenções, são perigosas!

 

Não somos monológicos, somos dialógicos!

 

Somos diálogo. Não podemos existir em solilóquios. Seria nossa morte ou vida na insanidade. Só existo com o outro e vice-versa. A altivez e a arrogância de algumas pessoas significam que são ignorantes desta realidade.

 

Ouvir faz meu existir melhor. Ouvir faz saber mais de mim e do meu fazer docente. Por outro lado, o aluno precisa de mim para saber dele e do seu fazer discente.  Diálogo existencial.

 

Evidente que não podemos viver só para o que acontece fora de nós. Também não podemos viver só para dentro.

 

Portanto, para sermos professores melhores: falemos. Para sermos melhores ainda: ouçamos. Para entender o outro: deixemos que fale. Para entender melhor ainda: nos esforcemos em ouvi-lo.

 

Afinal, na vida humana, tudo é fala. Tudo é, por consequência, audição.

 


 

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Uma reflexão um tanto filosófica

 


A humanidade se caracteriza por um existir consciente da existência (a pessoa sabe do seu interior – mente – e do seu exterior – a realidade). Uma das principais maneiras de pôr-se para fora do Eu (sair do egocentrismo) é formular perguntas. Mas todo o perguntar tem uma pré-condição e uma pré-direção, ou seja, uma orientação (pré)condicionada pela vivência do sujeito que propõe perguntas.

 

Esta pré-orientação pode ser propensa à abertura para o mundo, ou, ao contrário, restritiva.

 

A qualidade do perguntar é diretamente proporcional a história vivencial do sujeito das questões. Nossas vivências determinam o que queremos saber, ou o que já sabemos determina a qualidade do perguntar. O que sabemos de antemão permite e (também) limita o querer saber mais e além. Neste sentido, o saber anterior à pergunta habilita não só a existência da própria pergunta, mas também o entendimento da resposta.

 

O nada conhecer nada quer nem nada pergunta.

 

Partindo das inferências anteriores, o perguntar tende ao infinito (em quantidade e qualidade), pois, quanto mais eu sei mais posso perguntar e entender a resposta.

 

E o que é este pré-saber? São todas as informações e experiências que tivemos em nossa vida. Afinal, somos abertos para o exterior (os sentidos e a possibilidade de perguntar nos abrem).

 

Fechar-se ao mundo exterior à nossa mente, exige algum esforço. Limitar-se não é algo natural ao ser humano.

 

Muitas vezes o perguntar busca somente respostas que ratifiquem este pré-conhecimento, numa tentativa de perpetuá-lo, ignorando o que pode contradizê-lo. Então temos os mitos que se autojustificam.  

 

Isto porque este pré-conhecimento aloja juízos tão valorizados pelo sujeito, de forma determinante, que embotam, aleijam o querer saber mais. O querer saber mais se torna submisso e improdutivo, mero repetidor das informações já tidas como certas e inquestionáveis.

 

Tanto o cientista quanto a pessoa comum estão sujeitas a este hipertrofismo intelectivo.

 

Desta forma, um perguntar produtivo e seguro de sua tendência ao crescimento, explora as seguintes reflexões:

 

                        Por que pergunto o que pergunto?

                        Por que quero inspecionar isso e não aquilo?

                        Perguntar o que pergunto me traz coisas novas?

 

Podemos ainda questionar o sentido de nossas perguntas para sabermos através do sentido delas, qual o pré-saber que as determina (portanto, quem somos). O processo tem duas mãos: 1º) o que sei determina a pergunta. 2º) A pergunta indica o que já sei. Dessa forma posso detectar se pré-juízos danosos estão limitando o querer saber mais.

 

Para saber o que limita meu querer saber mais, acabo perguntando por mim mesmo. Eu me encontro nas perguntas que faço, ou nos limites que tenho em fazê-las.

 

Na verdade, podemos dizer o seguinte num drástico resumo: as pessoas devem saber um pouco para perguntarem bastante. Perguntando bastante saberão muito. Sabendo muito, perguntarão mais...

 

 Afinal, o que difere a pessoa dos demais animaizinhos? Sua capacidade consciente e velozmente crescente de perguntar, entender a resposta e, ao entendê-la, perceber-se como alguém aberto ao conhecimento de si mesmo e do mundo.

 

“Vontade de mat@r alguém todo mundo já teve”

          Ao ouvir esta afirmação malévola, quase gritei:  Eu nunca quis matar ninguém! Ao ouvir esta infâmia, esta ofensa à humanidade do...