quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Sou ou não um filósofo? (Texto bem antigo)

 

Estava num encontro de professores após uma breve fala com eles. No final, uma colega perguntou-me à queima roupa: Professor, o senhor é filósofo ou somente dá aulas? Fiquei sem resposta imediata. Preferi escrevê-la. Isso porque a pergunta deixou-me perplexo, pois é muito complexa. É maior do que eu posso responder.

 

Ao perguntar, a professora partiu do princípio a priori de que sei o que (quem) sou. Confesso que estou longe de saber definir-me. Passei a refletir sobre quem somos. A imagem que surgiu em minha mente foi a de um ramalhete de várias flores coloridas. Sei que estou sendo poético, mas não consigo evitar.

 

Eu acho que as pessoas são assim: buquês de flores. Quero dizer que ninguém é isso ou aquilo, somos um conjunto de “issos” e “aquilos”: como é um ramalhete de várias flores. Se separarmos todas as flores individualizando-as, excluímos a ideia de ramalhete (uma composição de flores) e falamos de cada flor (fragmentos do conjunto). Quero concluir que somos muitas coisas (composição) e se separarmos cada uma (individualização) morreremos, pois somos o conjunto e não os detalhes. Se algo é de nós retirado, perdemos nossa humanidade complexa.

 

Quando penso o que sou, vejo um conjunto infinito de contextos e relações. Não posso dizer que sou a flor do centro do ramalhete, ou a mais bonita, ou ainda a que está mais à esquerda. Sou todas as flores que me fazem.

 

A pergunta da professora sacudiu-me. Quero crer que ela via em mim uma faceta do conjunto do que sou. Ao questionar-me, obrigava-me a escolher alguma flor de mim e afirma-la como sendo o conjunto, o que sou. Para aclarar mais: caso eu afirmasse que sou filósofo, eu teria escolhido as flores da filosofia, ignorado as demais, e as escolhidas seriam apresentadas como um cartão de identificação. Porém, como posso escolher o que apresentar de mim para os outros? Se eu escolhesse um item do que sou, retiraria das demais pessoas a liberdade (e a responsabilidade) de escolherem quais flores de mim querem apreciar.

 

Afinal, sou ou não sou filósofo? Ora, como vou saber? Essa resposta não pertence a mim. Pertence a quem escolhe do meu complexo ramalhete, as flores que mais aprecia. Mesmo eu tendo todas as garantias institucionais que estudei Filosofia, quem vai confirmar se sou (ou não) filósofo é quem lê o que escrevo, quem ouve minha fala. É a minha história que decide. Melhor dizendo, são as pessoas que decidem quem eu sou na História. Insisto que se sou ou não filósofo, é uma pergunta cuja resposta não cabe a mim. Não tenho o poder de decretar se sou ou não.

 

Quem pode dizer de uma pessoa que ela é essa flor ou aquela, escolhendo no ramalhete as flores que mais chamou sua atenção? Dá para perceber a responsabilidade disso, escolher o que a pessoa é?

 

Após estas reflexões, vou deixar a professora que me questionou com a sua dúvida. Na verdade, vou dividir com ela a dúvida que também tenho.

 

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