Obesidade espiritual
Desde sempre teve aquela sensação estranha. Sentia que sua alma era
maior que o corpo. Difícil explicar. É como quando alguém coloca uma blusa de
tricô pequena. A blusa fica estranha, a malha fica esgarçada e pode-se ver a pele
por baixo. Pois é, sentia algo assim. O corpo comprimia a sua alma. Ela ficava
visível, vazava pelos olhos e pela fala.
E o pior, o corpo crescia na velocidade X e a alma na velocidade
2X. Queria diminuir a alma, mas essa
missão, amputar o espírito, é impossível.
Tentava sonhar menos. Ler menos. Amar menos. Imaginar menos. Porém a
vida não pode ser reprimida. O mundo é leitura. A beleza é inspiração. A mulher
é para ser amada. Então, crescia por dentro. Um horror, um obeso espiritual.
Então o corpo não aguentava, esgarçava-se e seu conteúdo intelectual vazava
pelos olhos, pela boca e pelas mãos. Enfim, a malha corporal esticava até
aparecer o que tinha dentro. Essa sensação era muito estranha para ele.
Queria esconder o fenômeno. Queria ser mediano. Sentar no fundo da
sala de aula. Queria esquecer as palavras bonitas e dizer palavrões. Queria não
admirar as moças delicadas, preterindo as desejáveis. Queria não fazer a
diferença. Mas o que fazer? Todos o achavam estranho! Gostava mais de poesia do
que de jogar bola. Gostava mais de
literatura do que do recreio. Apaixonou-se pela colega de óculos grossos, sem
graça, mas super delicada. Amou a guria apesar dela nunca saber disso. Era
fato: a alma dele estava saindo pelos poros e o colocando nessa situação
difícil.
Tentou ser igual aos demais. Como todos tentou amar a guria mais
bonita da sala de aula. Tentou bagunçar e colar na prova. Tentou vestir roupas
da moda e falar gírias. Não deu. A sua alma era como fermento e crescia demais.
Via o interior das pessoas, queria estudar e ser escritor. Queria transar mais tarde. Queria ler dicionário e escutar músicas do
tempo da mãe dele. Gostava do passado e
sonhava com o futuro. Seu corpo era o presente, mas a alma vazava sempre para o
ontem ou para o amanhã.
Riram dele. Bateram nele. Desamaram-no. Porém, o corpo ficava cada vez
menor. Um horror! Algo muito engraçado:
uma alma vestindo um corpo vários números menor. Um dia desistiu de ser igual aos outros.
A Academia Brasileira de Letras teve que mandar ampliar algumas salas
para acomodar os que admiravam aquela alma. As editoras tiveram que contratar
mais gente para dar conta daquele espírito que transbordava letras e rimas. Uma
pessoa só não pode amar aquela alma enorme, não davam conta! Foi necessário
milhares de almas apaixonarem-se por ele.
O moço está por aí ainda, cada vez mais obeso por dentro. Hoje ele
está ensinando como engordar os anoréxicos espirituais! Entendeu que os
espíritos magérrimos estão cada vez com corpos maiores. Corpões fantásticos que ocupam muito espaço e
são muito caros. Um desperdício. Alimentando as almas, sobrará mais espaço no
planeta. Afinal, almas não ocupam lugar nem precisam de riquezas e do consumo.
Esse moço criou um problema. Para termos mais obesos intelectuais,
será preciso uma super produção de alimentos para as almas! Pois é, esse
produto (para as almas) está em falta.

Nenhum comentário:
Postar um comentário