Aquilo caiu e quebrou o telhado. A coisa tinha uma forma que ninguém havia visto antes. Apesar de estar em frente aos olhos de todos, ninguém conseguia identificar a cor daquilo. Era de um brilho e de um tom nunca visto. E o odor? Ninguém havia antes sentido. Alguém coloca a mão e não consegue identificar a densidade da coisa, pois era uma densidade nunca antes percebida por eles. O peso? Era muito estranho: o conceito de leve e de pesado não se aplicava àquilo. A temperatura dela era indescritível, pois nunca sentida antes. A coisa estava ali em frente a todos, porém, como descrevê-la? Como telefonar para os bombeiros e explicar o que havia caído e atravessado o telhado?
Para sentir os parágrafos seguintes, tenta imaginar a “coisa” nunca experimentada antes, nunca dita antes.
Esta situação hipotética pouco plausível é interessante. Quando afirmei “nunca visto, nunca sentido, nunca percebido”, obrigo o leitor a não ter como representar/imaginar a tal coisa. E por que isso acontece ao leitor? Porque o impeço de puxar da memória as tintas para pintar o que caiu atravessando o telhado. Ao informar que as sensações fornecidas pela coisa não passaram anteriormente pelos sentidos (os cinco sentidos!), faço com que tenhamos que imaginar a partir da tábula rasa! E isso é impossível. Então o leitor, ao ler a descrição maluca, fica a buscar imagens para identificar a coisa. Todas as imagens vêm e nenhuma se cola à descrição. Torno indescritível a coisa, é algo indizível!
Aquilo que caiu só fará sentido após ser possível dizê-lo, e dizê-lo é dar sentido para ele!!!!!!
É uma questão vital poder dizer o que nos rodeia, portanto, é uma questão de vida dar sentido a tudo! O sentido é dito, é criado/exposto pelo verbo! Quero dizer que só existe humanamente o que é dito, o que é tomado consciência através da linguagem! Outro exemplo: enquanto não contarem que o Joãozinho quebrou o braço, para mim o acidente não existe! Para mim e para todos que disto não sabem.
Vivemos na antroposfera do entendimento, fora dela não há consciência humana.
O planeta é uma verbosfera! Viver e verbalizar o vivido são uma coisa só!
A “coisa” que quebrou o telhado, quando algo for dito sobre ela, ela será algo para nós. Se dissermos algo bom, será boa. Se dissermos algo ruim, ela será ruim.
Eu até poderia comentar as fake News. Elas falam, descrevem e dão falsos sentidos a acontecimentos transformando-os, deturpando-os. Mas, não vou fazê-lo nesse texto.
Aquelas pessoas que verbalizam mal o mundo (leem pouco, escrevem mal, falam qualquer coisa para qualquer um, expressam só palavrões e maledicências), não podem ter qualidade de vida! Afinal, o seu mundo é como o descrevem. A verbosfera para estes, é um lugar inóspito, vulgar, pouco inteligível e assustador.
Viver é dizer o mundo em que vivemos. Dizer/entender mal o mundo é viver mal. Entendamos que quando me refiro a dicção do mundo, indico a linguagem (lato sensu) e não apenas a vocalização.
Gente! Expressar é re/criar! É dar sentido! É, pela cultura, deixar aos descendentes um jeito de viver/entender/operar o mundo humano.
Para reorientar/melhorar a dicção/construção/fixação do mundo humano chamo não só os filósofos. Imagino um mutirão de professores de literatura, escritores, poetas, pintores e músicos (re)falando da vida; (re)dizendo as belezas que nos rodeiam. Modernos rapsodos (rhapsôidós) poetando valores, (re)vitalizando um espírito estético, um jeito belo de ver/viver/construir a realidade humana.
Que sejamos mais estetas e menos malfaladores/construtores do mundo.
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