sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Tudo é fala. Tudo é, por consequência, audição. Para (re)pensar o ser professor.

 




                                                                         

 

 

 

As pessoas no meu entorno são o espelho onde (re)vejo-me. Visão aclarada pelo diálogo, porque as pessoas nunca são um reflexo nítido: é preciso esforço para superar as imperfeições.

 

A nitidez plena do meu reflexo no outro é um projeto inviável.

 

As perguntas que os outros me fazem trazem à luz facetas do meu eu. As perguntas perguntam para mim sobre o que não consegui deixar claro ao entendimento alheio. Ao me fazer entender, eu sou mais eu para minha comunidade. Faço-me ver, venho à luz.

 

Caso eu nascesse em um lugar sem ninguém (sem perguntas sobre mim), eu seria ninguém (pura obscuridade). Nem eu teria plena consciência de mim.

 

No meu caso, a aprendizagem do que inúmeras palavras que eu ouvia queriam dizer, veio principalmente da minha mãe. A confirmação do sentido delas vinha da minha mãe (eu perguntava muito). Depois os outros colaboraram com minha iluminação na linguagem. A cada pergunta eu falava de mim, das minhas obscuridades. A cada resposta eu me iluminava um pouco. E quando as pessoas não sabiam responder às minhas questões, eram as obscuridades delas que vinham à luz.

 

 Cedo percebi que a graça da minha piada vinha do riso dos ouvintes. A graça não morava em mim. Era dependente dos outros. As pessoas é que diziam que eu era um (péssimo!) piadista.  Entendi logo que muito do que eu sou, só é por que outras pessoas confirmaram. Sou porque os outros são comigo. 

 

Para sabermos da nossa prática como professores, observar o aprendente é o melhor caminho, é a melhor informação.

 

A fórmula: eu sou professor e sei o que faço, é impossível quando explicita a ideia de que eu sei e sou sem meu aluno, sei e sou por mim mesmo. Seria algo como um piadista sem plateia que jura ser engraçado. Qual a prova de ser o que diz ser? Ele conta piadas para si mesmo e acha graça!

 

Por outro lado, o aluno só é aluno na tensão professor/aprendiz. Tensão insolúvel, paradoxal, dialógica. Tensão que sempre pede mais falas, entendimentos, iluminações (sempre há obscuridades). Portanto, quando eu me defino como professor, só o faço por que o aprendiz diz (ou diz contestando) coisas de mim. Quando ele pergunta algo para mim em sala de aula, diz do quanto e como eu ensino algo para ele. Do quanto e como sou professor. Quando o aprendente aprende, ou não aprende, provoca-me no meu ensinar.

 

Faço-me professor com ele e para ele.

 

Portanto, diplomas e certificados indicam apenas meu desejo de ser o que só o aluno poder fazer eu ser. O que estou dizendo serve para todas as profissões. Somos o que somos porque os outros são o que são na relação conosco.

 

Pelo exposto, posso dizer que não gosto das frases do senso comum que habitam as redes sociais, aquelas que dizem: seja você mesmo, não dependa de ninguém, faça por si mesmo, creia em si mesmo. Mesmo carregadas de boas intenções, são perigosas!

 

Não somos monológicos, somos dialógicos!

 

Somos diálogo. Não podemos existir em solilóquios. Seria nossa morte ou vida na insanidade. Só existo com o outro e vice-versa. A altivez e a arrogância de algumas pessoas significam que são ignorantes desta realidade.

 

Ouvir faz meu existir melhor. Ouvir faz saber mais de mim e do meu fazer docente. Por outro lado, o aluno precisa de mim para saber dele e do seu fazer discente.  Diálogo existencial.

 

Evidente que não podemos viver só para o que acontece fora de nós. Também não podemos viver só para dentro.

 

Portanto, para sermos professores melhores: falemos. Para sermos melhores ainda: ouçamos. Para entender o outro: deixemos que fale. Para entender melhor ainda: nos esforcemos em ouvi-lo.

 

Afinal, na vida humana, tudo é fala. Tudo é, por consequência, audição.

 


 

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