Não é incomum
as pessoas pensarem que o cientista é um sujeito objetivo ao observar os
fenômenos. Algo como um peixe fora do aquário a observar seus irmãos lá dentro.
O vidro do aquário seria suficiente para que o peixe alienígena pudesse
observar sem sentimentos nem interpretações, o que ocorre no interior daquele
ambiente. E mais: quando contar o que
viu e pesquisou, o senso comum acredita que a linguagem consegue expressar
exatamente o que a mente do peixinho investigador captou.
A distância
entre os peixes do aquário e a mente do peixe que observa é enorme. A distância
entre as conclusões mentais do peixe observador e a sua expressão na linguagem,
é outra distância enorme. E por fim, do ouvido de quem ouve o relato até a
imagem mental que se forma, há distancias planetárias! Estas distâncias são
preenchidas pelas vivências e preconceitos de cada um. A objetividade plena não
é possível.
Podemos dizer
que o observador faz parte do observado. Ele não pode deixar de ver a si mesmo
quando vê o fenômeno. Seus conceitos já feitos em sua mente, e tão apreciados,
são uma lente que transforma o visto.
A (auto) busca pela nitidez da visão do investigador faz
parte do processo investigativo.
Se o fenômeno
em estudo for um crime, tudo é mais complexo.
Todo o crime já aconteceu, já morreu no tempo. O que vive ainda são as
consequências. O que está ao alcance dos sentidos são objetos, documentos e
testemunhas. Reflexos, portanto. O julgador, por consequência, faz perguntas ao
passado. Quer que o que já se foi se apresente pela boca de quem viu e pela
materialidade das provas do que já passou.
O que já passou
deixa apenas vestígios e interpretações.
A questão é que
os vestígios e as interpretações estão sujeitos ao tempo social. Tanto é verdade que não é possível julgar um
crime passado, quando a lei já não reconhece mais o evento como crime. Inúmeras
vezes o hoje absolve o ontem. Só há
crime quando alguém pergunta por ele e a sociedade o aponta. O crime é uma construção social. O mais interessante é que quem pergunta pelo
crime, já tem ideia dele, já tem uma interpretação sobre o fenômeno. Só por
isso pode perguntar por ele, só por isso pode reconhecê-lo. Não raro, o
julgador pergunta pelo crime e a sociedade não o aponta, não o reconhece
mais. É o caso do conservador num
ambiente liberal.
O observador
está presente no objeto observado. Eis a luta pela objetividade do julgador.
Percebe-se que
o julgador não é neutro. Ele é alguém que tem história, que se constituiu numa
cultura. Entretanto, há salvaguardas processuais que o orientam e o mantém
equidistante das partes. Mas não é, a equidistância, algo natural no ser
humano. É preciso empenho e disciplina. Cabe ao julgador precavido se manter
dentro das normas processuais.
O magistrado
que quer ser imparcial, busca nas provas uma certeza. A certeza de que fez o
possível para interpretar os fatos com a objetividade possível, para se
convencer sem se basear em favoritismos. O juiz faz o seu melhor para se manter
equidistante das partes. Ele deve convencer os envolvidos na lide e também a
coletividade. Convencer da sua genuína vontade de ser imparcial e justo.
É uma questão
de ser e parecer ser.
Não concordo
que o juiz se coloque acima das partes como órgão desinteressado. Entendo que
sendo parte tanto quanto os réus o são, é um cidadão igual aos demais.
Entretanto, o Estado e a sociedade
exigem do julgador mais do que exige dos demais.
O juiz é um
igual com poder/dever desigual.
Não há juiz
naturalmente imparcial, como se depreende dos parágrafos anteriores. O juiz que
é ético e domina sua técnica, sabe-se em constante luta para se distanciar do
fenômeno que julga. Quanto mais se aproxima afetivamente do caso, mais a luta
se intensifica. Imparcialidade significa
manter esta luta. Portanto, não há juiz imparcial sem esforço. É uma luta. Nela
não pode haver paz nem descanso.
Percebe-se que
a segurança jurídica se encontra nesta questão ética. Não está tão ligada assim
ao resultado da demanda. Liga-se mais na confiança da sociedade no esforço do
julgador em se manter imparcial. O julgador deverá transparecer seu esforço
neste sentido.
A sociedade que
julga favoravelmente o julgador é uma sociedade saudável e confiante.
A sociedade é
feita de partes, de grupos, de interesses e preconceitos. Ela pode ser parcial
e preconceituosa. O que não pode acontecer é ela perceber que é julgada por
alguém que tenha comportamento similar ao seu. Ao cidadão é lícito e aceitável
lutar por seus interesses egoísticos, e só o fará de forma segura se souber que
o limite a esta sua luta é o juiz (sempre à procura da sua própria
imparcialidade).
Portanto,
lembremos aos julgadores a importância da sua manifesta e evidente luta contra
suas parcialidades. Se por um lado não
cabe afirmar que o juiz é inumano e absolutamente isento de preconceitos e
afetos, por outro lado, é imperioso trazer à luz a importância da disputa ética
entre os desejos e os interesses pessoais do julgador.