Kant no final do século XVIII, opôs-se a moral do coração de Rousseau.
Kant afirma o papel da razão na ética.
Diz que por natureza somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos
e ávidos de prazeres que nunca nos saciam. É justamente por isso que precisamos
do
dever para nos tornarmos seres
morais. O dever kantiano é uma imposição
da razão prática. A razão prática não contempla uma causalidade externa
necessária – como as leis da física -, mas cria sua apropria realidade, na qual
se exerce. Trabalha com o reino humano da práxis, no qual as ações são
realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas por finalidade e
liberdade.
Podemos perguntar: se somos racionais e livres, por que os valores
morais não são espontâneos em nós, mas precisam assumir a forma de dever?
Responde Kant: porque não somos seres morais apenas. Também somos
seres naturais, submetidos à causalidade necessária da natureza. Nosso corpo e
nossa psique são feitos de apetites e impulsos. A natureza nos impele a agir
por interesse. Esta é a forma natural do egoísmo. A razão prática deverá dobrar
nossa parte natural. Ela nos obrigará a passar das motivações do interesse ao
dever.
Para Kant a natureza a ser conhecia tem, digamos
didaticamente, duas características: existe e possui organização própria e pode
ser “organizada” por quem a conhece. A
segunda característica diz respeito a nós, que a conhecemos. Nós só podemos
conhecer a natureza através de uma janela. Essa janela tem como “altura” o
espaço, como “largura” o tempo. Claro, os termos altura e largura, inventei
para dar uma noção mais clara do que Kant disse.
Vamos tornar mais complexo isso? Podemos chamar a janela de “a priori”
(pois molda a matéria que vamos perceber). A natureza, que vemos através da
janela, podemos chamá-la de a posteriori.
O conhecimento a priori não depende da observação (existe antes dela), é
uma atividade que acontece antes da observação e de forma espontânea. Essa
atividade dá forma a experiência. O conhecimento deve ser independente da
experiência, pois foi “peneirado pela reflexão”.
Ex.: A pedra cai de fato (experiência). A capacidade que eu tenho de
entender isso e que, portanto, torna esse fato uma lei universal é a priori.
Genericamente:
A priori: diz-se de conhecimento
que é condição de possibilidade de experiência, e que independe dela quanto à
sua própria origem.
A posteriori: diz-se de
conhecimento, afirmação, verdade, etc., provenientes da experiência, ou que
dela dependem.
Kant afirma que não podemos conhecer o que não passa pelo conhecimento
sensível. Ou seja, podemos conhecer o que podemos ver pela janela que é a
priori (lembra?). Sobre o que não é
visto através dessa janela nada é possível dizer. Isso complica a afirmação que
Deus existe. Kant não era ateu, apenas estava consciente dessa
dificuldade. Sem poder provar a
existência de Deus, elaborou uma moral alicerçada na autonomia da razão
humana. Ou seja, a moral deve ser
elaborada pela razão humana.
Ora, se a razão é um atributo a priori (inerente ao ser humano), então
uma moral nela fundada seria universal. Essa autonomia é "a saída do homem de sua menoridade".
Como somos por natureza, segundo o autor em estudo, egoístas, ambiciosos,
destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e
pelos quais matamos, mentimos, roubamos, precisamos do dever para nos tornarmos
seres morais. Assim a razão prática faz a si mesma aquilo que ela própria
criou: o dever. Esse dever não é uma imposição externa, é a expressão da lei
moral em nós. Por
isso somos autônomos, porque é a razão que nos impõe, mas a razão é algo
intrinsecamente humano. Nunca poderá ser uma imposição externa.
Para tornarmos essa
questão mais didática, vamos ao seguinte exemplo. Todos nós mentimos algumas
vezes. Pequenas mentiras (ou não). Dificilmente conseguiríamos nos mantermos
cem por cento livres de alguma inverdade. Mas, caso fôssemos convocados a
ensinar a turma da quarta série a mentir, não conseguiríamos. Aquelas carinhas
atentas nos fariam tremer. Algo nos impediria. Pelo menos em nossa alma ficaria
muito claro que estaríamos fazendo algo errado ao ensina-las a mentir. Kant
chamaria de um senso moral. Esse senso moral, que para vence-lo precisamos
fazer algum esforço, é denominado de imperativo categórico. Esse termo foi
criado por Kant em 1785. Para entendermos melhor o que quer dizer
imperativo, podemos aproxima-lo – arriscando deturpa-lo - da idéia de
Mandamento (no sentido dado na Bíblia).
Esse imperativo é assim chamado por que é incondicional, existe e
pronto, esta lá a comandar. Esse imperativo é incondicional e absoluto. Essa lei ocorre antes que a experiência tome
dela consciência, portanto, ela é a priori. Mesmo que cumprir essa lei traga
para mim desvantagens, sei que devo cumpri-la. Sei que devo cumpri-la mesmo
quando não a cumpro. Não devemos fazer o bem pensando em algum retorno para nós
mesmos. A ação será moral se agirmos somente em nome do imperativo. Agimos por causa da lei moral. O prazer pode
até acompanhar o ato moral, mas nunca o motivo desse ato. A boa vontade é a
manifestação da razão, por isso seguimos o dever pelo dever mesmo.
É importante
entendermos esse imperativo categórico. Como Deus está fora da “janela” do
entendimento, devemos nos guiar na boa ação, ou seja, no imperativo
incondicional. Ë a própria razão que as dita.
Imperativo categórico: Age de
tal forma que o princípio moral (máxima) de tua ação possa tornar-se uma lei
universal.
É possível dizer que Kant divide a ética possui duas partes. A parte a
priori: esta é não empírica, ou seja, é
pura. Também afirma a existência da parte empírica, ou seja, o
que baseia-se nos preceitos ensejados pela experiência. Esta última parte seria
a aplicação correta dos princípios a priori. Temos inclinações (vícios) que
devem ser superados para sermos virtuosos. A força para a superação vem dos
estudos metafísicos. O homem sabe quando transgride “a lei”. O imperativo se
auto impõe porque os homens podem transgredir as leis morais, mas sabem que não
devem. Essa auto-imposição garante a liberdade do homem. O imperativo é aceito
e seguido em função de uma vontade interna (que pode ser negada quando seguimos
nossas inclinações). O que é contrário a lei (racional) deve ser combatido. A
virtude deve ser cultivada. Como somos livres, devemos exercitar nossas forças
internas para seguirmos os ditames da razão.
Percebamos que Kant
não diz o que devemos fazer, ou seja, o conteúdo da lei. Ele apenas nos fala da
lei que deve ser seguida sempre e de forma absoluta. Aplicar a norma nos faz
agirmos corretamente. Ele afirma que sabemos com antecedência o que está certo
e o que não está. Esse saber brota, salta de dentro de nós. “A capacidade de distinguir entre o certo e o
errado é tão inata quanto todas as outras propriedades da razão. Todas as
pessoas entendem os acontecimentos do mundo como causados por alguma coisa e
todos têm também acesso a mesma lei moral universal. Esta lei moral tem a mesma
e absoluta validade das leis do mundo físico. Ela é tão basilar para nossa vida
moral quanto é fundamental para a nossa razão o fato de que tudo possui uma
causa, ou de que sete mais cincos são doze”.(Gaarder, Jostein. O mundo de
Sofia: um romance da história da filosofia. São Paulo, Companhia das letras,
1995. Pg 356).
Existem dois tipos
de imperativos. O categórico e o hipotético. O hipotético acontece na prática
para alcançar algum objetivo. Exemplo: Ajudo a comunidade para ser eleito
governador. Já o categórico difere porque, nesse caso, a ação é boa em si
mesma, não é um meio para atingirmos outra coisa. Exemplo: ajudo uma pessoa
porque devo ajuda-la, sem nada querer em troca. Ajo apenas pelo dever de agir. Essa
ação praticada por ela mesma é chamada por Kant de boa vontade. Através dessa boa vontade escolhemos somente aquilo que a razão, independentemente das paixões (desejos),
reconhece como bom.
O dever kantiano não é um catálogo de virtudes, uma lista de faça
isso, não faça aquilo. O dever é uma forma
que deve valer para toda e qualquer ação moral. Essa forma é imperativa, não
admite “se...então”ou qualquer condição. Não pode ser condicional.
Fórmula geral do imperativo categórico: Age em conformidade apenas com a
máxima que possas querer que se torne uma lei universal.
Desta fórmula geral Kant deduz as três máximas
morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados pelo dever ↓
╠ Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade
em lei universal da natureza.
╠ Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como
na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como meio.
╠ Age como se a máxima de tua
ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais.
Máxima: Princípio básico e
indiscutível de ciência ou arte; axioma.
Essas máximas deixam clara a interiorização do
dever, pois nasce da razão e da vontade legisladora universal do agente moral.
Para refletir