"Certo grau de fetichismo, portanto, está habitualmente presente no
amor normal, especialmente naqueles seus estágios em que o objetivo sexual
normal parece inatingível ou sua consumação é impedida". Freud
- Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.
Podemos dizer que o fetiche é algo que é
colocado no lugar do objeto “natural” de desejo sexual. Algo, uma parcela do
que vê, faz com que a pessoa se sinta excitada. Pode ser um objeto, como um
sapato feminino de saltos altos, ou pode ser parte do corpo de uma pessoa (o
tórax malhado, por exemplo). Depreende-se que todos nós somos um tanto
fetichistas. Ninguém escolhe seu fetiche, pois sua origem é inconsciente. Sem
problemas!
O fetiche não é nem bom nem mau. Só será
um mau quando causar infelicidade, dor psíquica ou sofrimento. Fora disso,
apenas podemos dizer que é um fato da sexualidade humana, portanto,
algo amoral (atentem para o “a” antes da “moral”. Não é um “i”.)
Mas, passa a ter um componente
preocupante quando um fetiche é conscientemente incentivado. Quando as mídias
intencionalmente treinam o olhar e o desejo para fragmentar a pessoa. Uma
mulher (ou homem) é sensual no seu contexto. O olho, o braço, a perna, a
cintura, tomados por si só, nada significam. A sensualidade não está aqui ou
ali. Está no conjunto. O homem ou a mulher, são sensuais no seu todo corporal.
Quando as músicas e as coreografias
ensaiadas, notadamente no funk, celebram e focalizam a bunda feminina, têm a
intenção de criar um fetiche.
Olha a explosão
Quando ela bate com a
bunda no chão
Quando ela mexe com a
bunda no chão
Quando ela joga com a
bunda no chão
Quando ela sarra e o
bumbum no chão chão
(Olha a explosão – Mc
Kevinho)
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Fico impressionado com as celeumas
artificiais incentivadas. Percebo isso quando é dito que a artista
tal é corajosa porque mostra a bunda com celulite, e isso repercute! Mesmo sem
ter relevância alguma. Pior fica quando alguém defende que a mulher
tem o direito de mostrar o que quiser e, na sequência, defende o empoderamento
feminino ao mostrar a bunda. A defesa do direito de “mostrar o quiser” e da
tese do “empoderamento”, só se torna visível (relevante) quando a bunda é
focada. As bundas portam uma mulher!
Então as clínicas vendem tratamentos para
as bundas (não para as mulheres). As músicas se submetem a terem letras que
valorizem o culto às bundas. As cantoras passam a terem bundas magníficas.
Bundas vendem bem. E como tudo que vende, o mercado tende a empurrar o consumo,
manter o desejo, estimular a procura. Se a bunda tiver uma boa voz e talento,
melhor, mas não necessariamente.
A questão não é a bunda em especial, mas
o fetiche que é imposto. A questão não é a mulher de nádegas lindas. Não! A
questão é a intenção de fixar a sexualidade num ponto do corpo feminino. O
problema é sobrepor a parte ao todo. Quero dizer, a sensualidade está no
conjunto da mulher! Ela toda é sensual, não pode ser fragmentada. Impor, vender
e comprar um fetiche conscientemente, merece ser questionado.
Para que não aja dúvidas quanto a
intenção de ensinar o fetiche bunda, as letras medíocres das músicas indicam
para onde deve o olhar se fixar. As letras dizem o que (no corpo) valorar
sexualmente. O olhar tem que ser direcionado. Sem esquecer as expressões
faciais do cantor. Geralmente, expressam direção, fixação e desejo sexual
(nunca amoroso). As bailarinas e as cantoras movimentam seus quadris, sempre
num sentido vertical (sobe e desce) rítmico, oscilante. Sempre mais do mesmo.
E quando os (as) compradores (as) de
glúteos (os consumidores de músicas e de fetiches impostos) se cansam, vem algo
novo, sempre mais provocativo. Vale tudo para manter a fixação.
As gravadoras e as indústrias de
cervejas, agradecem.
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