Na
República Democrática das Laranjeiras, havia laranjas demais. Tanto os espaços
públicos quanto os quintais estavam abarrotados de laranjeiras. A fruta estava
por todo lugar devido a excessiva abundância. Portanto, esta fruta não tinha
valor algum no mercado. A lei da República Democrática das laranjeiras sequer
mencionava a fruta em suas normas, no seu código civil ou penal. Os cidadãos
não se preocupavam com esse produto, pois não tinha nenhum valor, não era passível
de furto nem, nunca, sugeriria um latrocínio! Quem praticaria um crime para ter
o que havia para todos?
Certo
dia as laranjeiras começaram a morrer. Alguma praga as atingia. Como havia em
abundância, não houve maiores preocupações. Com o tempo, elas passaram a
rarear. Sobraram apenas algumas árvores que produziam essas frutas. Dez
famílias ainda as possuíam em seus quintais.
Passados
vários meses, aconteceu o impensável! Uma dessas famílias teve seu pátio
invadido e algumas frutas furtadas. Caso raro! Por que teria acontecido isso?
As dez famílias se reuniram para discutir o caso. Perceberam que no país, só
havia dez famílias proprietárias das únicas laranjeiras da nação! Perceberam
sua importância: únicas proprietárias! Aumentaram seus muros. Contrataram
seguranças e passaram a vender as laranjas. As vendiam abertas, sem as sementes!
Queriam continuar os únicos proprietários. Enriqueceram.
As
dez famílias ricas compraram seus deputados e senadores. Estes, criaram leis. As
novas leis criaram novos tipos de crime: furtos de laranjas, roubo de laranjas
simples e qualificado. Também não esqueceram de criar o latrocínio por laranjas!
No início, as penas eram dentro da média de outros crimes similares. Com a
crescente importância das laranjas, a coisa piorou. Roubo de laranjas qualificado
e latrocínio por laranjas, tornaram-se crimes hediondos. Prisão em regime
fechado em sua totalidade. Havia estudos até de pena de morte.
A
República democrática das Laranjeiras, tornou-se altamente violenta. Antes destas
leis não havia quase crimes. Agora
crimes é o que mais há. Ao criarem os tipos penais já citados, por consequência,
criaram os respectivos criminosos!
Consumir
laranjas tão desejáveis e raras, só com o porte da nota fiscal! As dez famílias,
hoje donas da República, eram muito exigentes. Cobravam a lei a risca! Queres laranja?
Compra! Faça por merecer! Trabalha, economiza, faça empréstimo!
A
violência não parava de crescer. As dez famílias abastadas começaram a doar
equipamentos e armas para a polícia. Esta, imensamente grata, cuidava de forma especial
os laranjais destas famílias. Os políticos financiados por elas, aumentavam
salários e verbas para as forças de repressão. O presidente da República Democrática das
Laranjeiras, tinha muito suco de laranja em sua mesa. Era, inclusive, parente
das abastadas famílias.
Os
cidadãos desta nação se revoltaram. Ora, quando tinham laranjas demais, eram
muito mais felizes. Agora, são espoliados para poderem usufruir das frutas que
eram de todos! Como foi possível ficar para dez famílias, o que era de todas as
famílias? As ruas estavam tensas, murmúrios e sussurros falavam em greves e
levantes.
Laranjas para todos! Que todos tenham o
direito fundamental de ter ao menos um pé de laranja em cada quintal! Para cada
boca, uma laranja!
As
dez famílias estavam desconfortáveis. Os revoltosos não se calavam. Dia e noite
a mesma ladainha! Para cada boca uma
laranja!
Então
as famílias abastadas falam com o comandante da polícia.
Depois
desta conversa, o comandante dá um golpe de estado e se torna o
presidente/comandante da nação. As laranjas são salvas nos quintais das dez famílias.
Os presídios lotam.
As
pessoas voltam para suas casas sem laranjas. Agora também é crime hediondo o
tráfico de sementes de laranjeiras. Laranjas não são para todos, só para os que
se esforçam e podem pagar.
Alguns
cidadãos revolucionários, extremamente perigosos e procurados pela polícia da
República, tiveram uma ideia radical. Traficaram sementes de laranjas de países
distantes. Nas madrugadas frias da República, começaram a plantá-las nos
quintais abandonados. Também nas margens dos riachos em lugares de difícil
acesso. Nas matas, nos morros, nas casas abandonadas! Onde houvesse terra,
estava sendo plantadas laranjeiras.
Intelectuais
das universidades, revolucionários e corajosos, ensinavam como plantar estas
sementes, como cuidá-las. Pessoas desconhecidas cuidavam os lugares de plantio.
Sociedades secretas faziam proliferar a campanha do plantio criminoso de
laranjeiras. Quando alguns destes eram presos, outros tantos continuavam o trabalho.
O tráfico de sementes se tornou epidêmico e ninguém mais pode controlar.
As
dez famílias perderam o poder. O governo caiu. As laranjas hoje são comuns. Todos podem
tê-las e não valem mais nada. Há jurisprudência farta que afirma que as leis
sobre as laranjas já não têm sentido. Não existem mais furtos e roubos de
laranjas na República Democrática das Laranjeiras.
Mas
dizem que estão tentando destruir os abacates! E que quando estes forem
raros... tudo de novo!
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