domingo, 19 de outubro de 2025
sábado, 11 de outubro de 2025
A lição da bruxinha.
Naquele dia, quando
Marquinhos acorda, está sentindo-se diferente. A fome é mais fome que o normal.
A sede também. A vontade de brincar se multiplicou
por dez. A desvontade de estudar está
a mil! O desejo de comer doces e tudo que é gostoso é insuportável! Quer muito,
muitíssimo brincar. Não quer escovar os dentes ou pentear-se. Deseja apenas
correr, dar cambalhotas. Não consegue controlar-se! Uma força muito estranha o
domina de lá de dentro do sua cabeça.
Sem observar suas obrigações corre logo para a rua brincar.
Sempre foi mal criado e mimado, mas
nunca ficou sem cumprir regras por tanto tempo. Mas está feliz, irresponsavelmente
feliz. Sabe que não vai dar certo tal procedimento. Porém, como conter-se? É querer e fazer, sem limites.
No fim
da manhã já não consegue mais pensar direito. Cada vez está mais difícil imaginar as
consequências do que faz. Não dá mais para perceber com clareza o futuro.
Sente-se
um pouco bicho. Bicho não pensa. Quer só fazer coisas que não precisa pensar e
que dão prazer.
No
final do dia o corpo está todo arranhado e roxo. Brigou com vários amigos, a
tapa! Perdeu a paciência com todo mundo. Está muito cansado. Não estudou, não
tomou banho, não cumprimentou ninguém e está esquecendo os compromissos. Quando chega a noite, dorme pesado.
Acorda na madrugada. Uma energia absurda o faz agitar-se. Quer comer. Também quer passear, tomar água, lamber um sorvete, andar de bicicleta, brincar de pega-pega.
Desce até a cozinha para abrir a geladeira. Então ouve um riso
abafado.
Uma
bruxinha muito bonitinha e sorridente está no escurinho da cozinha. Após o
susto ele pergunta o que está acontecendo.
- Não
percebeste nada, Marquinhos? - Ela questiona.
- Sim!
Estou diferente, pareço mais forte e só faço o que quero, o que eu gosto.
- Estás
gostando? - Ela ria ainda mais.
- Sim...
Não... não sei. Tem algo estranho!
- Eu
tirei a tua alma e deixei só o teu corpo... - diz a bruxinha.
- Como
isso? Eu sou só o meu corpo agora?
- Sim!
Tu querias fazer só o que gostas. Então tirei de ti o que tu tens de humano:
a reflexão sobre a realidade. Não podes mais pensar sobre o que fazer nem sobre
o futuro. És apenas um corpo agora sem reflexão, como um cachorrinho é. Então estás livre do pensamento, da reflexão e... dos compromissos! - A bruxinha sorria!
Antes que Marquinhos pudesse se refazer do susto, a bruxinha sumiu.
Quais são as consequências de não ter alma? Seu corpo é tão bichinho como qualquer outro! Bichos só querem brincar e comer, não podem pensar no futuro.
Marquinhos cada vez pensa menos e deseja mais. Brigou feio com todos os amigos. Só quer ganhar nas brincadeiras, não divide nada, quer sempre ser o primeiro. Cada vez fica mais bravo. Sente-se forte e... irresponsável!
Só volta
para casa quando a fome bate. A mãe xinga, o pai também. Marquinhos logo esquece a bronca. Não percebe
que a bruxinha ri o tempo todo ao ver o guri todo sujo, mal cheiroso e cheio
de doces na boca.
Marquinhos
está exausto. Só quer dormir. Até o passado já está esquecendo. Esquece quem é,
pois o desejo de comer, brincar e dormir é mais forte do que pensar sobre si
mesmo.
Até
que a bruxinha ficou com pena. Caso ele fique mais tempo assim, ficará um
bichinho para sempre. Para sempre será escravo dos desejos corporais. Também já
está perdendo a graça ver o guri assim, tão feio, tão perdido e tão...
animalzinho. Então ela pega um vidrinho de cristal do seu bolso e lá está a
alma, a consciência do Marquinhos.
A alma do Marquinhos é altamente pensadora e super cuidadosa. Ela suplica com o olhar, lá de dentro do vidrinho, que a bruxinha a deixe voltar ao corpo do gurizinho tão levado. A alma está com medo. O corpo está forte e cada vez mais manda na cabeça do guri.
A Bruxinha abre o vidrinho.
A alma pula e como um raio, plof, atinge a cabeça do Marquinhos. O guri treme
todo e volta a si.
A bruxinha ri alto e vai embora.
Com a consciência de si restabelecida, a ficha
cai! Marquinho entende a lição da bruxinha!
E tu?
Entendeste?
domingo, 5 de outubro de 2025
terça-feira, 30 de setembro de 2025
Ao mundo da (des)informação sugiro a Filosofia na escola. Versão artigo
Publiquei um vídeo no meu canal com este título. Um colega disse que
gostou. Então me intimou a fazer um artigo. Demorou uns dias, acabei aceitando.
Assim como no vídeo, vou iniciar indicando o que quero dizer com esta expressão milenar: Filosofia. São tantas as definições que vou apenas caracterizar os aspectos que entendo como essenciais.
Vamos lá.
A filosofia é uma postura. Postura não natural, que vem pelo esforço e pelo hábito. Vem pela rotina de estudar tudo que é possível estudar. Alguém questionará: É obvio. Todos os saberes exigem estudo. Não só na Filosofia. Estudar não é algo só da Filosofia!
Prossigo
então.
Vou aprimorar mais um pouco. A
postura a que me refiro é a de quem está desconfiado (a desconfiança como
método). Inclusive desconfiado do que estuda. A Filosofia é incomodativa. Quem
não incomoda por ser curioso de tudo, é apenas um estudioso e só. A Filosofia é
mais. É a postura de quem vê algo pela
primeira vez, mesmo que este algo seja visto diariamente. Como assim?
Exemplifico.
Quando Isaac Newton foi atingido por uma maçã na cabeça, ele viu mais do
que uma fruta que inúmeras vezes já caiu na cabeça de alguém. Ele espantou-se
mesmo sendo um fato rotineiro, corriqueiro. Agiu mentalmente como se fosse a
primeira vez que uma maçã cai. E espantado, pensou que não podia ser algo tão
banal assim as coisas caírem sempre para baixo. Pensou ainda: que coisas
pesadas doíam mais na cabeça do que coisas leves. Espantava-se com o óbvio. Ele
repensou o que parecia ser simples.
Daí então veio a complexa teoria da gravidade. Ele poderia apenas xingar
a fruta e pronto. A postura de espanto fez toda a diferença. Quem não se
espanta não filosofa. Só isso? Tem mais, pois precisamos apontar para a
Filosofia e não para a Física do exemplo do Newton.
Percebamos que nossa consciência, nosso cérebro, nossa alma estão dentro
do crâneo. Ora, só percebemos o que está fora de nós através dos sentidos
(cinco janelas para o exterior). E estes estão ligados ao cérebro (ligado a nós,
portanto) por longos fios (os neurônios). Pois bem, tudo que está fora de nós
(do nosso corpo), recebemos por vias indiretas (pelos sentidos). E tudo que é
abstrato como os conceitos, antes de existirem em nós, vieram por palavras “de
fora”, ditas por outras pessoas. Então, como saber que tudo isso é verdadeiro,
se estamos encarcerados dentro do corpo?
Para ajudar nessa questão (filosófica), os gregos usavam o termo
alethéia (desvelar). Com isso eles pensavam que a verdade precisava ser
desvelada, que sempre ela estava submersa nos enganos, nas opiniões e nos
erros. Por isso, o filósofo é aquele que desvela a realidade. Os filósofos
desconfiam de tudo, perguntam por tudo, se aprofundam em tudo. Afinal, tudo
está velado, pois fora de nós.
Agora podemos dizer que não basta o espanto (thaumádzen). É preciso
também o desvelamento (alethéia).
As coisas diárias estão aí, jogadas. Mas o fato de estarem aí a olhos
vistos, não fazem delas coisas conhecidas para o filosofar. É preciso tomar um
susto com o habitual para depois explicar o óbvio. Como fez Newton com a maçã.
Concluo que a postura do filósofo, aprendida pelo hábito de desconfiar e
pelo estudo, se baseia no espanto e no desvelamento. Acrescento que desvelar é conceituar
o que foi desvelado, é argumentar, é provar que a reflexão sobre o objeto em
estudo faz sentido para os envolvidos.
Lembrando que vivemos afogados no mundo da informação. Nós, solitários
dentro da nossa cabeça, somos expostos às mais diversas novidades. Diariamente,
a todo momento. Tudo sem profundidade, preso ao nível do não refletido. A
partir do espanto com estas informações, buscamos desvelar seus segredos e
passamos a outro nível: o nível do conhecimento. Desvelar o óbvio, avançar para
o conhecimento, perguntar o que fazer com este conhecimento para qualificar a
vida humana: esta é a postura filosófica. E quando esse processo termina?
Nunca!
Pobrezinho do filósofo!
Ufa! Agora podemos ir para ensino da Filosofia na escola. Eu
creio que nós professores não ensinamos a filosofia propriamente. É preciso
algo a mais do que transferir o conhecimento filosófico.
O professor filosofa ao vivo na sala de aula.
Os estudantes vendo o exemplo, tenderão a fazer o mesmo. Ao filosofar a
história da filosofia, os aprendizes tenderão a ter a mesma atitude. Claro, nem
todos. Mas será que ensinamos na escola para que todos se tornem filósofos?
Claro que não! O professor está ali para fazer com que os estudantes
experimentem a atitude filosófica. Se conseguir que os estudantes tenham esta experiencia,
já terá feito sua parte.
Nem sempre o professor de Filosofia é entendido no filosofar em sala de
aula.
Ora, até Sócrates não foi entendido no seu tempo. Ainda bem que o
professor não será condenado à morte como foi Sócrates. No máximo enfrentará
um(a) coordenador(a) a questioná-lo. Ou ainda enfrentará alguns pais que não
entenderão o processo do filosofar.
Mas, tudo bem, faz parte.
Para desapegar-se das obviedades do dia a dia, o filósofo em sala de
aula tem suas ferramentas. Assim como o escultor, o pintor, o inventor e o
escritor têm. Quais são? São cinco. Todas bem complexas. São duas perguntas
ativas e três ações.
1)
O que é? (Conceituação)
2)
Por que é? (As razões, argumentos.
Contextualizado na lógica)
3)
Socializar. (compartilhar o aprendizado na cooperação)
4)
Testar. (Junto com a comunidade aprendente,
aplicar aos contextos sociais, políticos, econômicos e científicos. Aplica-se à
realidade)
5)
O que se manteve válido até aqui, é base para
novo desvelamento (alethéia).
Tu estás pensando que é muito complexo para os adolescentes? Concordo.
Entretanto, ver o professor utilizando-se destas ferramentas, é fundamental
para incentivar os estudantes. Eles vão utilizar estas ferramentas também.
Alguns de forma simplória. Outros serão hábeis. Não importa. O que realmente é
importante é que eles se admirem com tais ferramentas. Que eles percebam que é
possível utilizá-las. Serão mais livres, pois após conhecê-las, poderão
escolher continuar usando-as ou não.
Pior é aquele(a) que nunca terá a oportunidade de usar tais ferramentas!
Imaginemos nossos jovens tão pouco afeitos a leitura. Imaginemos quão
inexperientes na arte da argumentação e da justificação racional. Não só os
jovens, mas muitos adultos também. Pois bem, agora imaginemos novamente: nas
salas de aulas (cooperativas aprendentes) todos eles se esforçando para se
espantarem e desvelarem o mundo. E mais, testando suas capacidades
argumentativas. Imaginemos estes aprendizes lendo alguns livros para melhorar
sua postura intelectual frente ao mundo.
Então, ser professor de filosofia na escola é crer no imaginado neste
último parágrafo. Não só crer, mas enfrentar a realidade diária dos estudantes.
Realidade tão desfavorável à reflexão.
Que venha o(a) professor(a) filosofar em sala de aula! Sem a filosofia
ficaremos dentro de nós, ilhados num mar de informações. Presos dentro de nós.
Tão presos que acreditamos na mídia contemporânea que diz que não precisamos de
ninguém, que nossa opinião vale mais que a opinião dos outros. Aos ilhados só
resta a solidão de viver consigo mesmos, acreditando que estão em boa companhia!
domingo, 28 de setembro de 2025
sábado, 27 de setembro de 2025
sábado, 20 de setembro de 2025
domingo, 14 de setembro de 2025
sábado, 13 de setembro de 2025
domingo, 7 de setembro de 2025
Entre ilogidades, melancias e bandeiras americanas no dia sete de setembro.
Após assistir as imagens das manifestações nada patrióticas do sete de setembro, chocado, resolvi imediatamente escrever este texto. Vamos por partes para entender o meu assombro.
O fascismo nunca foi amante da lógica e da coerência em seus discursos. Por
leituras acadêmicas e psicologicamente neutras, de maneira tranquila entendi o
porquê da necessidade da ilógica fascista. Ora, para manter o líder e convencer
os liderados, vale tudo. A ilógica discursiva oscila entre o amoralismo dos
indiferentes e a imoralidade dos ativistas fascistas. O fascista ilógico pode
pregar a justiça do povo massacrando a população. Tranquilamente pode falar de
justiça em tribunais viciados. Entretanto, a estética fascista é (ou era!) bem
coerente: sempre arrogante, masculina/homofóbica, empoderada e violenta. Entretanto
o fascismo brasileiro rompeu totalmente com qualquer coerência, seja nas falas,
seja na aparência. Vou explicar.
O fascismo pátrio arroga para si o exclusivo e verdadeiro amor à pátria. Diz
amar nosso país e seus símbolos. O pátrio extremista se veste de verde e
amarelo e afirma: nossa bandeira jamais será vermelha. Não são, de maneira nenhuma,
melancias (verdes por fora, vermelhas por dentro). As melancias são o perfeito
exemplo dos vermelhos comunistas, que se vestem de patriotas, mas que traem a
nação em surdina. Os comunistas são traidores covardes da pátria!
Segundo os extremistas nacionais, o amor fascista patriótico não é
explicável. Sente-se e pronto. É como quando alguém ama outro alguém de forma
repentina. Cai-se enamorado! Não há explicação. Por isso, não há que procurar
explicações científicas para o amor patriótico. A ciência macula este amor
quando expõe este sentimento ao microscópio da sociologia. O patriótico
extremista não se explica, ele é e pronto. O genuíno fascista odeia livros e a
ciência. Afinal, estão inexplicavelmente enamorados da pátria!
Mas até para o extremista brasileiro há um limite para sua ilógica mental! No dia sete de setembro, entre nossos fascistas, a bandeira verde e amarela oscilava graciosamente em forte abraço com a bandeira vermelha: a americana! A postura visual máscula do fascista nacional estava no auge! Majestosamente admirava seu novo amante! O vermelho trumpista! Como disse o ex-líder nacional mega hétero: “I love you Trump!” Exaltados, os amantes das loucuras do líder americano, saudavam a bandeira vermelha. Mas não só isso, gozavam a expectativa de que seu amor estrangeiro logo massacre economicamente o Brasil. Na verdade, gostariam mesmo de uma invasão estadunidense!
Aqui está a ilógica fatal!
Agora, caberá aos fascistas nacionais arranjar uma explicação (i)lógica
para tal amor pelo inimigo econômico do nosso país! Haja argumentos insanos!
Haja imaginação execrável para ajustar sua conduta traiçoeira ao verdadeiro patriotismo
e ao amor à pátria genuíno.
Confesso: repugnou-me! Afinal, não estou apenas estudando em livros sobre
as ilógicas fatais dos extremados. Estou vendo diariamente os fatos ocorrendo.
Parentes, conhecidos e ex-amigos estão por aí envoltos em verde e amarelo
nacionais, mas também vestem orgulhosamente o vermelho estadunidense.
Como explicar a algum incauto viajante alienígena tais contradições?
Melhor nem explicar e manda-lo embora logo. Afinal, os fascistas poderiam
ama-lo, traírem a Terra e acabariam por ostentarem a bandeira de seu planeta
para poderem desfilar com ela.
O professor e o saber da História nas redes sociais.
A História como fatos vívidos num tempo que já passou, já não existe mais. Há vestígios, documentos, depoimentos e fragmentos. De certa forma, vivemos presos no presente pesquisando o passado para poder planejar o futuro. Portanto, somos eternos observadores ativos do passado. Na contemporaneidade, interpõe-se entre os fatos mais uma camada que pode impedir a visão clara do que foi e do que é. As redes sociais podem “nublar” nossa visão. Entretanto, também podem ser utilizadas a nosso favor quando nos conectam trazendo novas informações, tendo o potencial de irmanar internautas em busca da clareza e do conhecimento. Há quem utilize as redes sociais para criar “neblina” e confundir horizontes. Mas também há pesquisadores, jornalistas e até cidadãos comuns que fazem de tudo para bem utilizar esta tecnologia, ou seja, para melhorar as vivências cognitivas das pessoas. Cabe ao profissional da História, utilizar esta fantástica tecnologia, dominando-a e pondo este saber a favor dos estudantes. Caso o professor não entre neste campo de batalha virtual, deixará seus pupilos sozinhos, numa batalha desigual no mundo virtual.
Os humanos produzem história inexoravelmente, só por existirem. Mas, o
historiador se esforça tecnicamente para organizar os fatos, dar sentido a
eles, fazer com que todos tenham acesso a este fazer humano diuturno e de
produção inexorável. O historiador conectando-se, simplificando seus saberes e
compreensões para ser entendido, aliado às redes, estará ajudando a sociedade.
Ajudando a sociedade a compreender seus contextos e a compreender-se como
enredada num mundo complexo, historicamente não linear.
O trabalho do historiador não pode mais resumir-se ao âmbito das salas
de aulas ou dos espaços acadêmicos físicos. Afinal, se de um lado precisamos
ampliar as oportunidades de trabalho para este profissional, por outro lado, as
universidades e os locais típicos para o estudo, já não comportam o tamanho e a
complexidade da sociedade. Portanto, as redes sociais de acesso amplo, como
projeto de futuro, poderiam ser uma gigante sala de aula. Um enorme lugar virtual
para pensar os contextos históricos que nos impelem a agir como agimos. As
redes fatualmente já existem com seu bem e com o seu mal. Dominá-las e fazer
com que ajam a favor da sociedade é mais um desafio. Também é um desafio
acadêmico.
Tenho um canal no YouTube (@prof.amilcarbernardi). Esta experiência me
fez perceber as vantagens das redes. A linguagem é mais ágil, é crítica, ajuda
a (re)interpetar os eventos. Mais que livros e simples leitura, quem apresenta
o conteúdo, apresenta-se também, ou seja, mostra empolgação, humaniza o saber,
engaja, energiza quem o assiste. Impõe movimento à reflexão, interliga os fatos
e os torna mais inteligíveis, mesmo a quem não esteja por ofício interessado.
Por outro lado, há perigos. A vida virtual é espelho da vida real,
física, humana, sensorial. Ou seja: se há embustes na vida diária, haverá na
vida virtual. Podemos ser vítimas ou vitimar alguém. Afinal, podemos informar
algo equivocamente sendo vítimas de nós mesmos, envaidecidos com nossos
saberes. Há as pessoas de má fé, buscando sensacionalismo, vivendo disso.
Também há bandidos pelos caminhos virtuais, assaltando os caminheiros
“internéticos” com notícias falsas em proveito próprio. O professor de história,
ou todos os profissionais que querem divulgar o saber, devem primeiro acautelarem-se
e, posteriormente, ensinar os estudantes a acautelarem-se.
É preciso cuidar dos iniciantes. Eles podem se perder ou cair em
armadilhas. No mundo virtual há tanta informação que é possível não saber mais
distinguir a falsa da cientificamente testada. Relembrando: em todos os
caminhos há bandoleiros violentos em busca de vítimas descuidadas.
As redes sociais tem também a característica de questionar, pela sua simples
existência, os conceitos de “verdade”, mas, principalmente, o conceito de ensinar
e de aprender.
As plurilinguagem das redes, as contradições inevitáveis dos
pensamentos, a energia on-line dos profissionais conectados (um testemunho do
que acreditam) são elementos fundamentais para uma visão crítica e renovada do ensinar/aprender/
socializar o conhecimento da História. Brigar com as tecnologias e com o
desapreço pela leitura dos jovens, não “fazem” História; mas usar a tecnologia a
nosso favor fará toda a diferença.
sábado, 6 de setembro de 2025
domingo, 31 de agosto de 2025
sábado, 30 de agosto de 2025
domingo, 24 de agosto de 2025
sábado, 23 de agosto de 2025
domingo, 17 de agosto de 2025
O Renascimento não foi algo linear: complexidades!
O chamado Renascimento é tradicionalmente aceito como um período bem determinado, aproximadamente do século XIV ao XVI. Seria uma renovação cultural oriunda da Itália e que influenciou a Europa de seu tempo. Seria um contraponto à uma suposta Idade Média, obscura e avessa à razão. Seria como se o homem saísse da Idade Média e se tornado imediatamente ávido pelo conhecimento, transformando-se em um artista, um escultor, um cientista. Bastante comum o uso, para referir-se a este período histórico, da expressão ruptura. Ruptura no sentido de uma quebra/interrupção abrupta de uma continuidade cultural/temporal. Ou seja, o Renascimento seria uma espécie de negação da Idade Média. Porém, os avanços nos estudos referentes a este período, acabaram revelando o que hoje parece saltar aos olhos: a história não é abrupta. Ela é processual e com limites confusos/difusos. Contemporaneamente, salienta-se que o pensamento medievo se prolongou durante o Renascimento. Não houve um renascer, mas um desenvolvimento do já nascido! Igualmente importante é reconhecer que não ocorreu só na Itália, nem foi algo uníssono e harmonioso. É possível até usar o plural: renascimentos, ou seja, não um, mas vários. Portanto, é preciso, inclusive, repensar a visão eurocêntrica sobre os conceitos historiográficos. Os conceitos são ambíguos e mutáveis, à medida que a ciência História faz suas revisões. Da mesma forma que a realidade histórica do período greco-romano não foi um total esplendor perdido, assim como o medievo não foi só doenças, ignorância, teocentrismo e caça às bruxas. Por exemplo, os medievais Agostinho, Tomás de Aquino e Guilherme Ockham permaneceram atravessando os tempos renascentistas.
Há uma espécie de mito que diz que a ciência
descobre coisas e, depois de descoberto, desnudado, assim permanecerá aos olhos
de todos. O pesquisador realizaria um desvelamento no sentido grego da palavra aletheia.
Afinal, pensam as pessoas, se algo é revisto é porque estava errado. Pois bem,
este conceito de errado X correto não se aplica à ciência em geral e, também, à
ciência História. A ideia de linearidade é humana, construção social e
histórica. A realidade é de outra esfera, uma esfera que acompanha o homem, mas
nunca será totalmente conhecida. O homem
vai desenvolvendo seu saber à medida que as ideologias permitem e as
tecnologias vão avançando. Por exemplo, a enorme exatidão que foi possível
quando foi desenvolvido a técnica que permite calcular a idade de materiais
orgânicos, pelo método de datação por carbono-14. Perceba-se quanta revisão
científica esta técnica tornou possível. Não sempre a identificação de erros, mas
revisões qualitativas. Revendo o período chamado de Renascimento, hoje podemos
observar como uma visão eurocêntrica orientou este conceito. Com o devido
cuidado para não cairmos em anacronismos, atualmente podemos observar que os
fenômenos humanos não são ocorrências lineares, nem se restringem somente a uma
região no planeta. O renascimento não foi somente europeu, nem ocorreu com
limites fixos. Suas características foram encontradas em vários países e em
períodos históricos anteriores. Os acontecimentos são multifacetados e multitemporais.
A evidente vantagem desta visão é que abrange as complexidades, evitando as
simplificações. Desta forma podemos compreender melhor as complexas relações
entre os eventos. Toda a ocorrência humana na sua existência temporal, tem o
antes - que o sustenta, tem seu derredor - por onde se espraia, e tem suas
imprevisíveis consequências. Portanto,
cabe ao historiador afastar-se das simplificações e jogar-se sem medo nas
complexidades.
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
domingo, 10 de agosto de 2025
A transferência e o professor II
É preciso que o aluno perceba a existência do professor. Caso seja o aprendente indiferente ao mestre, não haverá aprendizagem nessa relação – nem sei se há uma relação. Assim como o ar é o meio material para a propagação do som, a transferência é o meio psicológico para a ocorrência da aprendizagem acadêmica.
Evidente que sempre haverá uma dose de resistência: uma parte da energia (que deveria ser deslocada para a aprendizagem) se “perde” na relação ensinar↔aprender. Para compensar essa perda de energia, torna-se importante saber como usar o vínculo estabelecido entre o professor e o aluno. O mestre deve estar atento às reações do aprendiz frente ao aprender na prática de sala de aula. O professor ficará atento as reações negativas mais frequentes. Elas são a chave para a qualificação da aprendizagem.
Essa atenção ou escuta das reações do aprendiz, chamo de escuta pedagógica. Nessa escuta o professor deve se entregar à audição plena do aluno (esforçando-se para calar suas “vozes” e expectativas interiores). É uma espécie de desapego para não ser contaminado pelos preconceitos e informações anteriores. Dessa forma, o mestre tenderá a de fato ouvir seu aluno. É na vocalização dos sentimentos e frustrações que inúmeras disfunções da aprendizagem aparecem. Essa mesma vocalização pode resolver/deslocar ou amenizar essas disfunções.
Somente o professor ouvindo e falando, dialogando, incentivando e mostrando outros caminhos, marcando ativamente sua presença, possibilitará a qualificação da aprendizagem em sala de aula.
Não é fácil, mas também não é impossível.
A transferência e o professor
Grosso modo a transferência é um processo inconsciente através do qual o analisado desloca para o analista seus afetos. Através desse processo, o paciente se relaciona com o analista nos extremos, amando-o ou odiando-o. A vida afetiva anterior da pessoa se atualiza na figura do terapeuta. Um exemplo clássico é portar-se com o profissional semelhantemente como na relação filho(a)-pai(ou pessoa de referência). É essa transferência que possibilita a melhora do sofrimento psíquico, pois torna-se atual o que teve origem no passado. Esse processo é inconsciente e, por ser inconsciente, é extremamente poderoso. Nas salas de aula a transferência não está ausente.
Queremos dizer que o aluno, com relação a seus
professores, estabelece uma relação muito semelhante à transferência. O afeto
desenvolvido em sala de aula (amor/ódio e nuances disso) pode ser atualizações
afetivas ocorridas na infância (com as figuras de autoridade). Os sentimentos já estavam previamente
estabelecidos na psique do aluno, apenas sendo retomados na figura do
professor. O professor está sujeito ao mesmo fenômeno, sentindo fortes emoções
pelos seus alunos, emoções experimentadas por ele anteriormente e
inconscientizadas. Vê as crianças em sala de aula identificando-se com elas,
sentindo novamente as angústias infantis ou da sua adolescência.
Educar, mais que ensinar, é entender que esse
mecanismo (transferência) revive experiências passadas e o mestre pode
reorienta-las (educa-las). O afeto que o aluno demonstra pelo professor ou pelo
ato de aprender é o material advindo do inconsciente, e deve ser escutado com
carinho. É no discurso do aprendiz
(raivoso ou amoroso) que ele diz de suas experiências dolorosas na relação
anterior com os familiares ou com o aprender. A escuta pedagógica vai ajuda-lo
muito. Ouvir para encaminhar a criança ou o jovem para os caminhos do aprender.
Só ouvir já faz bem e pode reconciliar os afetos inconscientes com o professor
e com hábito de estudo.
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
Sobre o cidadão de bem e o mamífero perissodáctilo.
Eu tenho um conhecido que é bolsonarista. Aqueles de carteirinha VIP. E
quem não tem pelo menos um conhecido assim?
A vida não está fácil para
este cidadão, um cidadão de bem. A
realidade para ele está cada vez mais hostil. Cada fato é um obstáculo a ser
superado. Viver no mundo fictício e mítico, está sendo um esforço sobre-humano.
A estratégia que este cidadão
de bem usa quando percebe um fato, é desfigura-lo com frases assim: “De fato
aconteceu, mas não foi bem assim, foi parecido, mas não foi desta forma”.
Querem um exemplo desta desfiguração dos fatos? Quando eu disse para ele
que as atitudes dos que querem a tarifação do Brasil em cinquenta por cento
prejudicam o país, ele foi logo dizendo/desfigurando: “Não é bem assim não! O
que é prejuízo hoje, será vantagem no futuro! Por exemplo, eliminar os
comunistas. Então, não é exatamente um prejuízo, não!”
Veja que ele acredita que existe um prejuízo lucrativo. Na verdade, ele
precisa acreditar nisso.
Acreditar, essa palavra
define a situação mental do meu conhecido. Ele precisa acreditar. Para isso
mistura fé religiosa, patriotismo roto, teorias da conspiração e mitos: mistura
tudo isso com os fatos. Então, é tanta mistura que o que menos importa é o
fato. É uma disfunção cognitiva que precisa de outros cidadãos de bem: os
delírios precisam ser ratificados pelos delirantes, em conjunto. Para isso, meu conhecido anda entre seus iguais.
Desta forma, o que ele diz encontra eco. Ele precisa de ecos. Meu conhecido vive
de ecos e espelhos (só quer ver a si mesmo refletido nos outros). E pior, o que
não é espelho não convém. Então, há o afastamento do diferente. A crítica
morre. Em troca, autoalimentado, o grupo coeso odeia os divergentes.
Acredito que o ódio é um mecanismo de defesa, pois destruindo o
diferente, mantem-se a coesão, mantem-se o igual.
A visão deste cidadão meu
conhecido, é altamente seletiva. Uma visão especializada. Ela sabe o que ver.
Não vê qualquer coisa, só o que quer. Um olhar focado. Uma lupa.
Um exemplo? Se o café está caro, ele conclui que tudo está caro. E se
tudo está caro, a culpa é do governo. Mas, se o pão está barato é porque
antecede uma futura alta do preço. Se o arroz está com um valor estável, é
porque o governo está injetando dinheiro. Dinheiro que sai do nosso bolso
(impostos!), então, apesar do preço estar estável, continua caro pois pagamos o
incentivo governamental. Não há como convencer a criatura de que há coisas boas
no país.
Ele quer o caos. Ele precisa do caos.
Tentei dizer a ele que saímos novamente do Mapa da Fome, sob a
perspectiva da ONU. Evidentemente que a visão especializada dele, imediatamente,
informou-me do número de famintos no Brasil. Quase gritou: “São mais de oito
milhões de pessoas que estão na situação de insegurança alimentar!”
Entre ver a parte cheia do copo, evidentemente, ele só vê a parte vazia.
E logo emendou: “E o bolsa família que sustenta vagabundo? Por isso o
desemprego! Ninguém quer trabalhar!”
Quando penso nisso, lembro da
imagem do burro com uma viseira, tendo em frente a visão focada de uma
suculenta cenoura. É claro que o burro só vê o objeto do seu desejo (a cenoura)
e para ele fatalmente se dirige. Quem conduz a cenoura, conduz o burro. Mas, no
caso do meu conhecido é bem pior. É como se o próprio burro orgulhosamente
sustentasse a viseira. E mais, idolatrando o condutor da hortaliça tão
desejada. Esse tipo de burro tem a fé religiosa de que quem conduz uma bela hortaliça,
e também conduz os mamíferos perissodáctilos (burros), são seres mitológicos e
divinos. Quem conduz uma hortaliça tão desejável, necessariamente é um capitão
messiânico a ser seguido!
Entendo que não há o que fazer. A ilusão é cocaína para ele. Ela fez do
meu conhecido um cidadão de bem viciado. Caso se afaste do seu mito carregador
de cenouras, fica irritado, treme, convulsiona e delira. Não há como ele,
sozinho, superar sua dependência ideológica. Afastado do seu vício seu corpo
sofre. Uma espécie de síndrome de abstinência. Então, até se torna agressivo.
E quem não tem um conhecido deste tipo?
segunda-feira, 28 de julho de 2025
sábado, 26 de julho de 2025
domingo, 13 de julho de 2025
sábado, 5 de julho de 2025
sábado, 28 de junho de 2025
sábado, 21 de junho de 2025
quinta-feira, 19 de junho de 2025
sábado, 14 de junho de 2025
domingo, 8 de junho de 2025
domingo, 1 de junho de 2025
sábado, 17 de maio de 2025
sábado, 10 de maio de 2025
sexta-feira, 9 de maio de 2025
Triste Narciso, incansável buscador da atenção alheia.
Prof. Amilcar Bernardi
O mito grego de Narciso nos conta que um jovem se achava tão bonito,
mas tão bonito, que se apaixonou por si mesmo. Melhor dizendo, por sua imagem
refletida nas águas de um lago. A superfície fazia às vezes de espelho. Dizem as más línguas que ele morreu afogado,
jogando-se nos braços da sua imagem refletida no lago!
As pessoas são o lago onde o moço Narciso se vê. Ele precisa de público
na medida em que este o aplaude. Ele é o show (perfeito, claro!)
Evidentemente que esse mito fala da tragédia que é Narciso amar a si
mesmo, tendo como medida o amor das outras pessoas pela imagem dele. Se
formos como Narciso, só haverá garantia de que somos belos, se a outra pessoa
afirmar que somos. Podemos até imaginar que o moço Narciso só poderia se
relacionar com quem dissesse o que ele queria ouvir (como num eco). Portanto, era extremamente seletivo, relacionando-se
somente com quem o refletisse sem distorções (discordâncias). Se formos
Narcisos, seremos também seletivos em busca de bons refletores de nós mesmos.
Maus refletores de nada servem!
O jovem Narciso até a década de 1980 para ser feliz, precisaria de relativamente
poucas pessoas. A família e mais alguns amigos. Cercando-se destas pessoas
conseguiria convencê-las de sua beleza, podendo, portanto, ver-se refletido nos
elogios proferidos por elas. Falo em
beleza, mas poderíamos imaginar que ele se acha inteligente ao extremo ou
corajoso acima da média. Poderíamos elencar muitas qualidades sugeridas por ele para si mesmo. Qualidades para
serem confirmadas pelos outros (refletidas). Estas poucas pessoas poderiam deixar o rapaz
Narciso feliz. Seriam poucos espelhos para procurar seu reflexo. Portanto, mais
fácil do que se fossem muitas pessoas!
Seus esforços para convencer os outros a refletirem/ratificarem suas
qualidades, denuncia a dependência que o Narciso tem. Tanto maior o esforço,
tanto maior a dependência: o tamanho do esforço é do tamanho da dependência! Ele,
em relação a sua autonomia, está fatalmente ferido. O que ele faz tem que ser
reluzente para o outro ver. Tem que ser interessante para o outro se
interessar. O que o gentil Narciso faz genuinamente para si mesmo? Nada! Em um primeiro momento, parece que tudo que
ele faz é para seu próprio prazer vaidoso. Mas, percebamos, o que ele sempre
faz, faz sempre para as outras pessoas. Apenas as sobras dos olhos alheios, alguns
reflexos tão desejados, o satisfazem. Pobre criatura, pobre Narciso tão
dependente e frágil! Ele precisa viver na luz (sem sombras) para ser mais visto,
mais percebido e, por consequência, mais bem refletido, da forma mais nítida que for possível. Uma maldição!
E agora, no século XXI, o que pode nosso espetaculoso Narciso? Assim
como na obra Ensaio sobre a Cegueira do José Saramago, já há tantos flashs
que as luzes mais cegam que permitem reflexos em espelhos. A competição
narcísica está terrível. É muita gente com seus celulares aparecendo, buscando
reflexos/likes. A coisa é bem complexa. São inúmeras redes sociais e poucas pessoas
físicas, palpáveis, para convencer/refletir. Quero dizer que não vemos quem
está do outro lado do celular. São criaturas fantasmais, onipresentes,
insaciáveis de novidades. O retorno vem em likes e em visualizações. Na
verdade, o que percebemos são números. O sucesso é numérico. O espelho ou o
lago onde deve se refletir o esperançoso Narciso, são multiplicados por
milhares de celulares. Então, a missão de chamar a atenção e receber elogios, é
quase impossível. Trágico Narciso que vive para se ver no outro, sem sequer
saber quem é esse outro. Esse outro é invisível, é distante, é fantasmagórico e
extremamente infiel. Convencer a tantas pessoas virtuais, parece ser um caso
para Sísifo, eternamente condenado a empurrar uma pedra até o topo de uma
colina, sem poder impedir que ela role de volta. É uma missão impossível buscar
reflexos em tanta gente!
Pobre Narciso contemporâneo, está condenado a viver na esperança de ver
em plenitude seu próprio reflexo. Vã esperança, nunca verá a si mesmo, sempre
verá apenas o outro.
sábado, 3 de maio de 2025
sexta-feira, 2 de maio de 2025
quinta-feira, 1 de maio de 2025
domingo, 27 de abril de 2025
Vamos falar sobre o diálogo?
Se alguém perguntasse a mim o
que mais faz falta para a humanidade, eu diria com muita convicção: o diálogo.
Gosto de esclarecer para mim
mesmo o sentido das palavras, notadamente as que eu mais aprecio. Então a palavra
escolhida é como o sol. As imagens que me vêm à mente ficam como os planetas
circulando atraída pela palavra em foco (de massa maior). Neste texto, o sol
será a palavra diálogo.
A primeira ideia que surge
quando quero pensar a palavra diálogo é: alternamento. Só há diálogo quando a conversação é
alternada. Um interlocutor diz e o outro quer ouvir o que é dito. Logo vem a
vez do segundo dialogante dizer algo na certeza de que será ouvido com atenção.
Percebam que há uma regra determinada com antecedência: cada um fala por sua
vez na certeza que será ouvido com atenção. Caso a regra seja desrespeitada, já
não há um diálogo. Há especial peso no quesito “certeza de ser ouvido com atenção”.
Realço aqui “querer” e “atenção”. É uma regra fundamental: atenção, empatia,
foco no outro.
Não podemos esquecer que o diálogo
atencioso é troca. Ora, se estou numa situação de troca, é porque o que vou
ganhar tem valor para mim. E se vou ganhar algo de valor, é lógico que o que eu
tenho para trocar é de importância similar para o outro. Afinal, só trocamos
coisas se obtemos o que queremos (e, portanto, nos falta). Se eu creio que o
que eu tenho é ouro e o que o outro oferece é prata, não há troca. Talvez
suborno de quem tem ouro e subserviência de quem tem prata. Só há diálogo quando
todos tem ouro (no sentido figurado, óbvio!). Só há trocas sinceras entre
iguais. Fora desta igualdade, não há
diálogo. Somos todos habitantes de um mesmo planeta, eis nossa igualdade
essencial.
Gosto muito da expressão
reciprocidade. Ela se refere a uma contrapartida equivalente. Se sou gentil,
receberei gentileza. Faz parte da regra do diálogo. Se eu for grosseiro,
receberei grosseria. A grosseria é destruidora para quem quer dialogar.
Portanto, nem cabe na nossa conversa. O olhar atento, a voz branda, mas firme,
o respeito ao interlocutor: terá como resposta o mesmo. Dar para receber. Se estou cheio de bons
argumentos, com certeza vou receber como resposta tão bons argumentos quanto!
Portanto, na reciprocidade, quanto mais estiver pronto para argumentar, o outro
estará da mesma forma. Ambos, portanto, estão prontos para vencer pela
inteligência. E é certo, ambos vencerão devido a qualidade dos argumentos.
E quando o diálogo é mais
importante?
Quando há disputas que
requerem soluções especiais para problemas. Conversar com quem pensa como eu, é
divertido, mas não estimulante. Dialogar do jeito que descrevi até aqui numa
situação conflituosa, é coisa de estadista, é coisa para se orgulhar quando há
um acordo onde todos ganham algo de mesma magnitude... e perdem algo também. O
diálogo que comento aqui é aquele que surge na adversidade, nos problemas que
precisam de solução. Não há diálogo na busca de aplausos, nem de ganhos de um
sobre o outro. Esclareço então outra regra: em uma disputa entre iguais, não é
possível ganhos unilaterais. Bem, até é possível, mas não é um diálogo, é uma imposição.
Agora vou falar do que mais
gosto: das palavras! O diálogo é a palavra e a palavra existe para o diálogo.
Por isto estudar dicionários e gramáticas é importante (não riam!). Estudar é
ganhar experiência na expressão de ideias. É uma mágica maravilhosa dizer o que
queremos dizer de mil formas, até sermos melhor entendidos. É fantástico entre
tantas palavras possíveis, escolher as mais delicadas para dizer o que é mais
grave e conflitivo. Dialogar é entendimento falado, escrito, comunicado.
A palavra é a roupa que eu
uso durante o diálogo. Antecipo o diálogo empático quando me visto/falo
apropriadamente numa sinagoga, por exemplo. Assim como meu terno impecável (falas
complexas) fica em casa se vou dialogar numa comunidade de pouca instrução
formal. Portanto, o diálogo é conhecer o ambiente e as pessoas com as quais vamos
fazer trocas de ideias.
Dialogar é trabalhoso.
Requer estudo, atenção e o desejo de se fazer compreender sem agressividade ou
empáfia. Quando eu percebo que não tenho condições de seguir os ditames do bom
diálogo, chamo alguém que o faça em meu lugar. Não somos sempre bons
dialogantes, mas devemos ser sempre boas pessoas em busca de outras boas
pessoas. E o que é ser uma boa pessoa? Bem, bom tema para diálogos futuros!
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