O chamado Renascimento é tradicionalmente aceito como um período bem determinado, aproximadamente do século XIV ao XVI. Seria uma renovação cultural oriunda da Itália e que influenciou a Europa de seu tempo. Seria um contraponto à uma suposta Idade Média, obscura e avessa à razão. Seria como se o homem saísse da Idade Média e se tornado imediatamente ávido pelo conhecimento, transformando-se em um artista, um escultor, um cientista. Bastante comum o uso, para referir-se a este período histórico, da expressão ruptura. Ruptura no sentido de uma quebra/interrupção abrupta de uma continuidade cultural/temporal. Ou seja, o Renascimento seria uma espécie de negação da Idade Média. Porém, os avanços nos estudos referentes a este período, acabaram revelando o que hoje parece saltar aos olhos: a história não é abrupta. Ela é processual e com limites confusos/difusos. Contemporaneamente, salienta-se que o pensamento medievo se prolongou durante o Renascimento. Não houve um renascer, mas um desenvolvimento do já nascido! Igualmente importante é reconhecer que não ocorreu só na Itália, nem foi algo uníssono e harmonioso. É possível até usar o plural: renascimentos, ou seja, não um, mas vários. Portanto, é preciso, inclusive, repensar a visão eurocêntrica sobre os conceitos historiográficos. Os conceitos são ambíguos e mutáveis, à medida que a ciência História faz suas revisões. Da mesma forma que a realidade histórica do período greco-romano não foi um total esplendor perdido, assim como o medievo não foi só doenças, ignorância, teocentrismo e caça às bruxas. Por exemplo, os medievais Agostinho, Tomás de Aquino e Guilherme Ockham permaneceram atravessando os tempos renascentistas.
Há uma espécie de mito que diz que a ciência
descobre coisas e, depois de descoberto, desnudado, assim permanecerá aos olhos
de todos. O pesquisador realizaria um desvelamento no sentido grego da palavra aletheia.
Afinal, pensam as pessoas, se algo é revisto é porque estava errado. Pois bem,
este conceito de errado X correto não se aplica à ciência em geral e, também, à
ciência História. A ideia de linearidade é humana, construção social e
histórica. A realidade é de outra esfera, uma esfera que acompanha o homem, mas
nunca será totalmente conhecida. O homem
vai desenvolvendo seu saber à medida que as ideologias permitem e as
tecnologias vão avançando. Por exemplo, a enorme exatidão que foi possível
quando foi desenvolvido a técnica que permite calcular a idade de materiais
orgânicos, pelo método de datação por carbono-14. Perceba-se quanta revisão
científica esta técnica tornou possível. Não sempre a identificação de erros, mas
revisões qualitativas. Revendo o período chamado de Renascimento, hoje podemos
observar como uma visão eurocêntrica orientou este conceito. Com o devido
cuidado para não cairmos em anacronismos, atualmente podemos observar que os
fenômenos humanos não são ocorrências lineares, nem se restringem somente a uma
região no planeta. O renascimento não foi somente europeu, nem ocorreu com
limites fixos. Suas características foram encontradas em vários países e em
períodos históricos anteriores. Os acontecimentos são multifacetados e multitemporais.
A evidente vantagem desta visão é que abrange as complexidades, evitando as
simplificações. Desta forma podemos compreender melhor as complexas relações
entre os eventos. Toda a ocorrência humana na sua existência temporal, tem o
antes - que o sustenta, tem seu derredor - por onde se espraia, e tem suas
imprevisíveis consequências. Portanto,
cabe ao historiador afastar-se das simplificações e jogar-se sem medo nas
complexidades.
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