domingo, 24 de agosto de 2025
sábado, 23 de agosto de 2025
domingo, 17 de agosto de 2025
O Renascimento não foi algo linear: complexidades!
O chamado Renascimento é tradicionalmente aceito como um período bem determinado, aproximadamente do século XIV ao XVI. Seria uma renovação cultural oriunda da Itália e que influenciou a Europa de seu tempo. Seria um contraponto à uma suposta Idade Média, obscura e avessa à razão. Seria como se o homem saísse da Idade Média e se tornado imediatamente ávido pelo conhecimento, transformando-se em um artista, um escultor, um cientista. Bastante comum o uso, para referir-se a este período histórico, da expressão ruptura. Ruptura no sentido de uma quebra/interrupção abrupta de uma continuidade cultural/temporal. Ou seja, o Renascimento seria uma espécie de negação da Idade Média. Porém, os avanços nos estudos referentes a este período, acabaram revelando o que hoje parece saltar aos olhos: a história não é abrupta. Ela é processual e com limites confusos/difusos. Contemporaneamente, salienta-se que o pensamento medievo se prolongou durante o Renascimento. Não houve um renascer, mas um desenvolvimento do já nascido! Igualmente importante é reconhecer que não ocorreu só na Itália, nem foi algo uníssono e harmonioso. É possível até usar o plural: renascimentos, ou seja, não um, mas vários. Portanto, é preciso, inclusive, repensar a visão eurocêntrica sobre os conceitos historiográficos. Os conceitos são ambíguos e mutáveis, à medida que a ciência História faz suas revisões. Da mesma forma que a realidade histórica do período greco-romano não foi um total esplendor perdido, assim como o medievo não foi só doenças, ignorância, teocentrismo e caça às bruxas. Por exemplo, os medievais Agostinho, Tomás de Aquino e Guilherme Ockham permaneceram atravessando os tempos renascentistas.
Há uma espécie de mito que diz que a ciência
descobre coisas e, depois de descoberto, desnudado, assim permanecerá aos olhos
de todos. O pesquisador realizaria um desvelamento no sentido grego da palavra aletheia.
Afinal, pensam as pessoas, se algo é revisto é porque estava errado. Pois bem,
este conceito de errado X correto não se aplica à ciência em geral e, também, à
ciência História. A ideia de linearidade é humana, construção social e
histórica. A realidade é de outra esfera, uma esfera que acompanha o homem, mas
nunca será totalmente conhecida. O homem
vai desenvolvendo seu saber à medida que as ideologias permitem e as
tecnologias vão avançando. Por exemplo, a enorme exatidão que foi possível
quando foi desenvolvido a técnica que permite calcular a idade de materiais
orgânicos, pelo método de datação por carbono-14. Perceba-se quanta revisão
científica esta técnica tornou possível. Não sempre a identificação de erros, mas
revisões qualitativas. Revendo o período chamado de Renascimento, hoje podemos
observar como uma visão eurocêntrica orientou este conceito. Com o devido
cuidado para não cairmos em anacronismos, atualmente podemos observar que os
fenômenos humanos não são ocorrências lineares, nem se restringem somente a uma
região no planeta. O renascimento não foi somente europeu, nem ocorreu com
limites fixos. Suas características foram encontradas em vários países e em
períodos históricos anteriores. Os acontecimentos são multifacetados e multitemporais.
A evidente vantagem desta visão é que abrange as complexidades, evitando as
simplificações. Desta forma podemos compreender melhor as complexas relações
entre os eventos. Toda a ocorrência humana na sua existência temporal, tem o
antes - que o sustenta, tem seu derredor - por onde se espraia, e tem suas
imprevisíveis consequências. Portanto,
cabe ao historiador afastar-se das simplificações e jogar-se sem medo nas
complexidades.
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
domingo, 10 de agosto de 2025
A transferência e o professor II
É preciso que o aluno perceba a existência do professor. Caso seja o aprendente indiferente ao mestre, não haverá aprendizagem nessa relação – nem sei se há uma relação. Assim como o ar é o meio material para a propagação do som, a transferência é o meio psicológico para a ocorrência da aprendizagem acadêmica.
Evidente que sempre haverá uma dose de resistência: uma parte da energia (que deveria ser deslocada para a aprendizagem) se “perde” na relação ensinar↔aprender. Para compensar essa perda de energia, torna-se importante saber como usar o vínculo estabelecido entre o professor e o aluno. O mestre deve estar atento às reações do aprendiz frente ao aprender na prática de sala de aula. O professor ficará atento as reações negativas mais frequentes. Elas são a chave para a qualificação da aprendizagem.
Essa atenção ou escuta das reações do aprendiz, chamo de escuta pedagógica. Nessa escuta o professor deve se entregar à audição plena do aluno (esforçando-se para calar suas “vozes” e expectativas interiores). É uma espécie de desapego para não ser contaminado pelos preconceitos e informações anteriores. Dessa forma, o mestre tenderá a de fato ouvir seu aluno. É na vocalização dos sentimentos e frustrações que inúmeras disfunções da aprendizagem aparecem. Essa mesma vocalização pode resolver/deslocar ou amenizar essas disfunções.
Somente o professor ouvindo e falando, dialogando, incentivando e mostrando outros caminhos, marcando ativamente sua presença, possibilitará a qualificação da aprendizagem em sala de aula.
Não é fácil, mas também não é impossível.
A transferência e o professor
Grosso modo a transferência é um processo inconsciente através do qual o analisado desloca para o analista seus afetos. Através desse processo, o paciente se relaciona com o analista nos extremos, amando-o ou odiando-o. A vida afetiva anterior da pessoa se atualiza na figura do terapeuta. Um exemplo clássico é portar-se com o profissional semelhantemente como na relação filho(a)-pai(ou pessoa de referência). É essa transferência que possibilita a melhora do sofrimento psíquico, pois torna-se atual o que teve origem no passado. Esse processo é inconsciente e, por ser inconsciente, é extremamente poderoso. Nas salas de aula a transferência não está ausente.
Queremos dizer que o aluno, com relação a seus
professores, estabelece uma relação muito semelhante à transferência. O afeto
desenvolvido em sala de aula (amor/ódio e nuances disso) pode ser atualizações
afetivas ocorridas na infância (com as figuras de autoridade). Os sentimentos já estavam previamente
estabelecidos na psique do aluno, apenas sendo retomados na figura do
professor. O professor está sujeito ao mesmo fenômeno, sentindo fortes emoções
pelos seus alunos, emoções experimentadas por ele anteriormente e
inconscientizadas. Vê as crianças em sala de aula identificando-se com elas,
sentindo novamente as angústias infantis ou da sua adolescência.
Educar, mais que ensinar, é entender que esse
mecanismo (transferência) revive experiências passadas e o mestre pode
reorienta-las (educa-las). O afeto que o aluno demonstra pelo professor ou pelo
ato de aprender é o material advindo do inconsciente, e deve ser escutado com
carinho. É no discurso do aprendiz
(raivoso ou amoroso) que ele diz de suas experiências dolorosas na relação
anterior com os familiares ou com o aprender. A escuta pedagógica vai ajuda-lo
muito. Ouvir para encaminhar a criança ou o jovem para os caminhos do aprender.
Só ouvir já faz bem e pode reconciliar os afetos inconscientes com o professor
e com hábito de estudo.
sexta-feira, 1 de agosto de 2025
Sobre o cidadão de bem e o mamífero perissodáctilo.
Eu tenho um conhecido que é bolsonarista. Aqueles de carteirinha VIP. E
quem não tem pelo menos um conhecido assim?
A vida não está fácil para
este cidadão, um cidadão de bem. A
realidade para ele está cada vez mais hostil. Cada fato é um obstáculo a ser
superado. Viver no mundo fictício e mítico, está sendo um esforço sobre-humano.
A estratégia que este cidadão
de bem usa quando percebe um fato, é desfigura-lo com frases assim: “De fato
aconteceu, mas não foi bem assim, foi parecido, mas não foi desta forma”.
Querem um exemplo desta desfiguração dos fatos? Quando eu disse para ele
que as atitudes dos que querem a tarifação do Brasil em cinquenta por cento
prejudicam o país, ele foi logo dizendo/desfigurando: “Não é bem assim não! O
que é prejuízo hoje, será vantagem no futuro! Por exemplo, eliminar os
comunistas. Então, não é exatamente um prejuízo, não!”
Veja que ele acredita que existe um prejuízo lucrativo. Na verdade, ele
precisa acreditar nisso.
Acreditar, essa palavra
define a situação mental do meu conhecido. Ele precisa acreditar. Para isso
mistura fé religiosa, patriotismo roto, teorias da conspiração e mitos: mistura
tudo isso com os fatos. Então, é tanta mistura que o que menos importa é o
fato. É uma disfunção cognitiva que precisa de outros cidadãos de bem: os
delírios precisam ser ratificados pelos delirantes, em conjunto. Para isso, meu conhecido anda entre seus iguais.
Desta forma, o que ele diz encontra eco. Ele precisa de ecos. Meu conhecido vive
de ecos e espelhos (só quer ver a si mesmo refletido nos outros). E pior, o que
não é espelho não convém. Então, há o afastamento do diferente. A crítica
morre. Em troca, autoalimentado, o grupo coeso odeia os divergentes.
Acredito que o ódio é um mecanismo de defesa, pois destruindo o
diferente, mantem-se a coesão, mantem-se o igual.
A visão deste cidadão meu
conhecido, é altamente seletiva. Uma visão especializada. Ela sabe o que ver.
Não vê qualquer coisa, só o que quer. Um olhar focado. Uma lupa.
Um exemplo? Se o café está caro, ele conclui que tudo está caro. E se
tudo está caro, a culpa é do governo. Mas, se o pão está barato é porque
antecede uma futura alta do preço. Se o arroz está com um valor estável, é
porque o governo está injetando dinheiro. Dinheiro que sai do nosso bolso
(impostos!), então, apesar do preço estar estável, continua caro pois pagamos o
incentivo governamental. Não há como convencer a criatura de que há coisas boas
no país.
Ele quer o caos. Ele precisa do caos.
Tentei dizer a ele que saímos novamente do Mapa da Fome, sob a
perspectiva da ONU. Evidentemente que a visão especializada dele, imediatamente,
informou-me do número de famintos no Brasil. Quase gritou: “São mais de oito
milhões de pessoas que estão na situação de insegurança alimentar!”
Entre ver a parte cheia do copo, evidentemente, ele só vê a parte vazia.
E logo emendou: “E o bolsa família que sustenta vagabundo? Por isso o
desemprego! Ninguém quer trabalhar!”
Quando penso nisso, lembro da
imagem do burro com uma viseira, tendo em frente a visão focada de uma
suculenta cenoura. É claro que o burro só vê o objeto do seu desejo (a cenoura)
e para ele fatalmente se dirige. Quem conduz a cenoura, conduz o burro. Mas, no
caso do meu conhecido é bem pior. É como se o próprio burro orgulhosamente
sustentasse a viseira. E mais, idolatrando o condutor da hortaliça tão
desejada. Esse tipo de burro tem a fé religiosa de que quem conduz uma bela hortaliça,
e também conduz os mamíferos perissodáctilos (burros), são seres mitológicos e
divinos. Quem conduz uma hortaliça tão desejável, necessariamente é um capitão
messiânico a ser seguido!
Entendo que não há o que fazer. A ilusão é cocaína para ele. Ela fez do
meu conhecido um cidadão de bem viciado. Caso se afaste do seu mito carregador
de cenouras, fica irritado, treme, convulsiona e delira. Não há como ele,
sozinho, superar sua dependência ideológica. Afastado do seu vício seu corpo
sofre. Uma espécie de síndrome de abstinência. Então, até se torna agressivo.
E quem não tem um conhecido deste tipo?
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