sábado, 17 de agosto de 2019
quinta-feira, 15 de agosto de 2019
Platão e o rei coprofílico.
Platão valorizou e desenvolveu a crença de que o homem é
dividido em corpo e alma. Numa analogia
contemporânea, é como se nosso corpo fosse um escafandro que transita pelo
mundo terreno tendo dentro de si nossa alma. Percebamos as dificuldades que a
alma enfrenta, sob o ponto de vista platônico. O invólucro é pesado e incômodo.
Vemos as coisas e as pessoas de dentro dele. Não é possível acessarmos outras
almas diretamente, mas apenas percebemos outros escafandros encarcerando outras
almas. Se o mundo físico fosse o oceano, nossas almas seriam oriundas do céu
acima dele. Nossas almas estariam afundadas nas águas à espera de ascender logo
para acima delas. Platão diria que as pessoas comuns discutem as águas e os
escafandros, sem entender que o papo verdadeiro é o que se refere ao céu acima
das águas. O homem comum não sabe que ele não é o oceano nem é seu escafandro,
e que a estes não pertence. Sua alma é celestial.
O sábio sabe que um dia o escafandro vai pifar e ficará no
fundo do oceano e alma voltará para seu mundo acima dele. É dever do sujeito
sábio discutir a alma e os ares acima do mar. É burrice discutir o corpo e suas
impressões falíveis. É tolice falar do peso da água e das impressões corporais.
Platão nos lembra que a alma está de passagem e logo voltará ao seu mundo
verdadeiro. Os prazeres do corpo e suas vicissitudes são efêmeros e devem ser
ignorados. O olhar deve se voltar para dentro, para a alma. A verdade está
nela. O corpo induz ao erro. Falar do escafandro é esquecer que somos a alma
que nele está.
Podemos imaginar o espanto do meu amigo Platão ao ser
apresentado para alguém que acredita ser apenas corpo e seus dejetos. E mais,
que só pensa nele. Que mede o mundo e as coisas através do corpo. O filósofo ficaria estupefato ao encontrar
alguém que dissesse que o amor é sexo (relação entre corpos apenas). Que a
beleza se resume a um corpo desejável para transar. Platão teria um infarto
filosófico se um rei dissesse que o conhecimento faz mal ao intelecto. Com
certeza cometeria suicídio se este rei falasse de cocô, relações sexuais anais
e tamanho de pênis.
Platão acreditava que o governo compete ao sábio, ao rei filósofo.
Só este sabe onde está a verdade. Ou melhor, sabe onde não está a verdade: nas
coisas corporais. Um reinado sem abstrações ou reflexões seria impensável,
abominável demais! Imaginem o AVC que teria Platão ao saber da existência de um
rei coprofílico.
Ao avesso da filosofia platônica podemos imaginar o que
segue.
Imaginemos uma pessoa que não pense além dos prazeres
corporais. Vive para o sexo, para comer e para exercer o poder físico sobre as
demais pessoas. Imaginemos um sujeito apaixonado pela pelas aparências. Não só pela própria aparência, mas uma paixão
pela mentira que tem aparência de verdade. Vaidoso e mentiroso. Uma pessoa que
pensa só no hoje, eternamente presa no seu dia-a-dia. O passado já esqueceu. O
futuro não pode imagina-lo, pois não tem criatividade para isso. Um
cidadão-escafandro. Ele é pesado, míope,
vive em si mesmo. Preocupa-se com torturas, ânus, sexo, fezes e armas. Nesta
mediocridade, acredita que os demais humanos são como ele e que se preocupam com
as mesmas coisas. Mede as pessoas pela sua própria régua. Síndrome do Johnny
Bravo (personagem do Cartoon Network).
Esta pessoa corporeificada ao extremo, não tem bom gosto,
finesse ou sutilezas. É bronco, fala mal, é duro e agressivo. O que não
entende, odeia. Na verdade, odeia muito. Um ódio físico, corporal. Odeia o que
está ao alcance de um murro (mais longe do que isto, não vê). Só percebe
proximidades, o bronco. A ciência, a história, as universidades e os livros são
por ele mal vistos.
Odeia ter consciência da sua própria pequenez. Então ataca
feroz quem o lembra dela. É um ataque por medo. Este cidadão de pedra tem medo
do que não compreende. Pobre espiritualmente e vil, afunda nos prazeres
corporais. Este sujeito só pode falar de excreções corporais, de sexo sem
sentimento e da dor dos corpos. Por isso, quer controlar pela tortura ou pela
prisão. Esta pessoa só sabe controlar corpos.
Isto porque para ele os humanos são apenas objetos desalmados. O que é
imaterial, intelectual, espiritual e abstrato não é perceptível para este Neandertal.
Ele é apenas um animal obediente aos seus desejos corporais e observador das
suas excreções.
Agora imaginemos Platão, aquele que desejava um rei filósofo.
Coloquemos o grego clássico em frente a este cidadão estúpido, hoje sentado no
trono. Arrogante, ignorante, bronco e sem alma. Em volta um séquito de
adoradores dos prazeres corporais. Os conselheiros do palácio mal sabem ler. Os
juízes do reino não conhecem as leis. As autoridades perseguem os sábios e
prendem os filósofos que discutem nas praças.
Ao ver esta cena dantesca, o pobre Platão gritaria: onde
está a cicuta que matou Sócrates? Por piedade, onde está a cicuta?
terça-feira, 13 de agosto de 2019
segunda-feira, 12 de agosto de 2019
sábado, 10 de agosto de 2019
sábado, 3 de agosto de 2019
quinta-feira, 1 de agosto de 2019
A política e a mesa redonda
Os Cavaleiros da Távola Redonda, segundo a lenda, foram os homens premiados com a mais alta ordem da Cavalaria, na corte do Rei Artur, no Ciclo Arturiano. A Távola Redonda, ao redor da qual eles se reuniam, foi criada com este formato para que não tivesse cabeceira, representando a igualdade de todos os seus membros. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Cavaleiros_da_T%C3%A1vola_Redonda)
O que é a política? Entre todos os conceitos possíveis, a
concepção de diálogo se faz presente e dominante. Não faltará nestes conceitos
a advertência de que o diálogo só acontece genuinamente entre iguais. Iguais no
direito de fala.
Acrescento: se a igualdade é determinante também a vontade
de ouvir é, na mesma medida, relevante.
Sem diálogo, há o monólogo. Neste caso, prevalece quem tem
mais poder fático para afirmar o que quer verbalmente impor. Os frágeis
desaparecerão enquanto dissonantes. Então não falarão, sucumbirão para o
diálogo. Por isto, não é possível existir a política no monocórdio das falas dos
que podem falar.
O silêncio dos que não podem falar faz barulho demais!
Quem não quer ouvir também não pode se dizer um político. Será
um ativista talvez; um ideologizado ao extremo, com certeza. A posição
infantilizada de não querer ouvir é cômoda para quem se faz de surdo. O
imobilismo é uma omissão ativa. O sujeito se omite da audição do outro para
poder continuar agindo como sempre agiu. Não evolui. Serve-se de um ativismo,
uma ação sem reflexão. No contexto da covardia em ouvir o que está sendo dito e
do narcisismo de só ouvir a si mesmo, nada pode ser construído de forma
cooperativada. Se não ouve, o sujeito quer
ser obedecido. Para ele a obediência é um valor acima da inteligência e da cidadania. Esquece que a obediência neste formato só se
mantém pelo medo ou pelas vantagens que traz a quem obedece. Esta obediência tem
preço: precisa da crescente violência para manter o medo e das crescentes
benesses para manter as vantagens.
É claro que a política não pode se basear nestes termos:
obediência, medo e vantagens pessoais.
A política virtuosa vive nas mesas redondas. A forma redonda não admite discrepâncias de poder. Não há extremos para alguém se sentar. Os sujeitos das mesas redondas podem circular a vontade entre os membros, mas sempre estarão em igualdade. São pessoas diferentes, mas a igualdade de direito à fala equaliza estas diferenças (aumenta ou diminui as intensidades). Prevalece a igualdade de poder estar ali e prevalece também o igual direito de poder falar. Os diferentes nesta igualdade brilham em suas singularidades.
É regra para a saudável política: ninguém pode deixar de
ouvir nem deixar de falar. Quantos séculos foram necessários para que as mesas
deixassem de ser retangulares e se transformassem em círculos? Posso afirmar: o
tempo de os poderosos aprenderem a falar entre iguais em direitos (de fala), regeu
o (longo) tempo da construção destas mesas redondas.
A política é uma mesa redonda criada pelo tempo das lutas
sociais.
Há quem queira desfazer a simbologia das mesas redondas. Há
quem queira criar extremos para se apoderar de um dos lados extremados. Há quem
queira a desigualdade de direito de fala.
O monopólio da dicção está sendo disputado pelo executivo
federal. Quer desfazer, com os tacapes dos extremos ideológicos e com arroubos
animalescos, os espaços dialógicos. Portanto, quer desfazer a política saudável.
O zoon politikon se torna um animal em extinção nos mais
altos cargos do executivo do nosso país.
Restringe-se os espaços para a política falada, ouvida,
negociada e cooperativada.
Ou assume-se a importância de mesas políticas sem ângulos
de noventa graus, sem quinas que machucam, sem extremidades para serem
dominadas, ou a política sucumbirá dando espaço para a selvageria da luta entre
os mais fortes e os mais fracos, entre os que pode mais e os que podem menos.
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