quinta-feira, 1 de agosto de 2019

A política e a mesa redonda




      Os Cavaleiros da Távola Redonda, segundo a lenda, foram os homens premiados com a mais alta ordem da Cavalaria, na corte do Rei Artur, no Ciclo Arturiano. A Távola Redonda, ao redor da qual eles se reuniam, foi criada com este formato para que não tivesse cabeceira, representando a igualdade de todos os seus membros. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Cavaleiros_da_T%C3%A1vola_Redonda)




O que é a política? Entre todos os conceitos possíveis, a concepção de diálogo se faz presente e dominante. Não faltará nestes conceitos a advertência de que o diálogo só acontece genuinamente entre iguais. Iguais no direito de fala.

Acrescento: se a igualdade é determinante também a vontade de ouvir é, na mesma medida, relevante.

Sem diálogo, há o monólogo. Neste caso, prevalece quem tem mais poder fático para afirmar o que quer verbalmente impor. Os frágeis desaparecerão enquanto dissonantes. Então não falarão, sucumbirão para o diálogo. Por isto, não é possível existir a política no monocórdio das falas dos que podem falar.

O silêncio dos que não podem falar faz barulho demais!

Quem não quer ouvir também não pode se dizer um político. Será um ativista talvez; um ideologizado ao extremo, com certeza. A posição infantilizada de não querer ouvir é cômoda para quem se faz de surdo. O imobilismo é uma omissão ativa. O sujeito se omite da audição do outro para poder continuar agindo como sempre agiu. Não evolui. Serve-se de um ativismo, uma ação sem reflexão. No contexto da covardia em ouvir o que está sendo dito e do narcisismo de só ouvir a si mesmo, nada pode ser construído de forma cooperativada.  Se não ouve, o sujeito quer ser obedecido. Para ele a obediência é um valor acima da inteligência e da cidadania.  Esquece que a obediência neste formato só se mantém pelo medo ou pelas vantagens que traz a quem obedece. Esta obediência tem preço: precisa da crescente violência para manter o medo e das crescentes benesses para manter as vantagens.

É claro que a política não pode se basear nestes termos: obediência, medo e vantagens pessoais.

     A política virtuosa vive nas mesas redondas. A forma redonda não admite discrepâncias de poder. Não há extremos para alguém se sentar. Os sujeitos das mesas redondas podem circular a vontade entre os membros, mas sempre estarão em igualdade. São pessoas diferentes, mas a igualdade de direito à fala equaliza estas diferenças (aumenta ou diminui as intensidades). Prevalece a igualdade de poder estar ali e prevalece também o igual direito de poder falar. Os diferentes nesta igualdade brilham em suas singularidades. 

É regra para a saudável política: ninguém pode deixar de ouvir nem deixar de falar. Quantos séculos foram necessários para que as mesas deixassem de ser retangulares e se transformassem em círculos? Posso afirmar: o tempo de os poderosos aprenderem a falar entre iguais em direitos (de fala), regeu o (longo) tempo da construção destas mesas redondas.  

A política é uma mesa redonda criada pelo tempo das lutas sociais.

Há quem queira desfazer a simbologia das mesas redondas. Há quem queira criar extremos para se apoderar de um dos lados extremados. Há quem queira a desigualdade de direito de fala.  

O monopólio da dicção está sendo disputado pelo executivo federal. Quer desfazer, com os tacapes dos extremos ideológicos e com arroubos animalescos, os espaços dialógicos. Portanto, quer desfazer a política saudável.

O zoon politikon se torna um animal em extinção nos mais altos cargos do executivo do nosso país.

Restringe-se os espaços para a política falada, ouvida, negociada e cooperativada.

Ou assume-se a importância de mesas políticas sem ângulos de noventa graus, sem quinas que machucam, sem extremidades para serem dominadas, ou a política sucumbirá dando espaço para a selvageria da luta entre os mais fortes e os mais fracos, entre os que pode mais e os que podem menos.

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