Platão valorizou e desenvolveu a crença de que o homem é
dividido em corpo e alma. Numa analogia
contemporânea, é como se nosso corpo fosse um escafandro que transita pelo
mundo terreno tendo dentro de si nossa alma. Percebamos as dificuldades que a
alma enfrenta, sob o ponto de vista platônico. O invólucro é pesado e incômodo.
Vemos as coisas e as pessoas de dentro dele. Não é possível acessarmos outras
almas diretamente, mas apenas percebemos outros escafandros encarcerando outras
almas. Se o mundo físico fosse o oceano, nossas almas seriam oriundas do céu
acima dele. Nossas almas estariam afundadas nas águas à espera de ascender logo
para acima delas. Platão diria que as pessoas comuns discutem as águas e os
escafandros, sem entender que o papo verdadeiro é o que se refere ao céu acima
das águas. O homem comum não sabe que ele não é o oceano nem é seu escafandro,
e que a estes não pertence. Sua alma é celestial.
O sábio sabe que um dia o escafandro vai pifar e ficará no
fundo do oceano e alma voltará para seu mundo acima dele. É dever do sujeito
sábio discutir a alma e os ares acima do mar. É burrice discutir o corpo e suas
impressões falíveis. É tolice falar do peso da água e das impressões corporais.
Platão nos lembra que a alma está de passagem e logo voltará ao seu mundo
verdadeiro. Os prazeres do corpo e suas vicissitudes são efêmeros e devem ser
ignorados. O olhar deve se voltar para dentro, para a alma. A verdade está
nela. O corpo induz ao erro. Falar do escafandro é esquecer que somos a alma
que nele está.
Podemos imaginar o espanto do meu amigo Platão ao ser
apresentado para alguém que acredita ser apenas corpo e seus dejetos. E mais,
que só pensa nele. Que mede o mundo e as coisas através do corpo. O filósofo ficaria estupefato ao encontrar
alguém que dissesse que o amor é sexo (relação entre corpos apenas). Que a
beleza se resume a um corpo desejável para transar. Platão teria um infarto
filosófico se um rei dissesse que o conhecimento faz mal ao intelecto. Com
certeza cometeria suicídio se este rei falasse de cocô, relações sexuais anais
e tamanho de pênis.
Platão acreditava que o governo compete ao sábio, ao rei filósofo.
Só este sabe onde está a verdade. Ou melhor, sabe onde não está a verdade: nas
coisas corporais. Um reinado sem abstrações ou reflexões seria impensável,
abominável demais! Imaginem o AVC que teria Platão ao saber da existência de um
rei coprofílico.
Ao avesso da filosofia platônica podemos imaginar o que
segue.
Imaginemos uma pessoa que não pense além dos prazeres
corporais. Vive para o sexo, para comer e para exercer o poder físico sobre as
demais pessoas. Imaginemos um sujeito apaixonado pela pelas aparências. Não só pela própria aparência, mas uma paixão
pela mentira que tem aparência de verdade. Vaidoso e mentiroso. Uma pessoa que
pensa só no hoje, eternamente presa no seu dia-a-dia. O passado já esqueceu. O
futuro não pode imagina-lo, pois não tem criatividade para isso. Um
cidadão-escafandro. Ele é pesado, míope,
vive em si mesmo. Preocupa-se com torturas, ânus, sexo, fezes e armas. Nesta
mediocridade, acredita que os demais humanos são como ele e que se preocupam com
as mesmas coisas. Mede as pessoas pela sua própria régua. Síndrome do Johnny
Bravo (personagem do Cartoon Network).
Esta pessoa corporeificada ao extremo, não tem bom gosto,
finesse ou sutilezas. É bronco, fala mal, é duro e agressivo. O que não
entende, odeia. Na verdade, odeia muito. Um ódio físico, corporal. Odeia o que
está ao alcance de um murro (mais longe do que isto, não vê). Só percebe
proximidades, o bronco. A ciência, a história, as universidades e os livros são
por ele mal vistos.
Odeia ter consciência da sua própria pequenez. Então ataca
feroz quem o lembra dela. É um ataque por medo. Este cidadão de pedra tem medo
do que não compreende. Pobre espiritualmente e vil, afunda nos prazeres
corporais. Este sujeito só pode falar de excreções corporais, de sexo sem
sentimento e da dor dos corpos. Por isso, quer controlar pela tortura ou pela
prisão. Esta pessoa só sabe controlar corpos.
Isto porque para ele os humanos são apenas objetos desalmados. O que é
imaterial, intelectual, espiritual e abstrato não é perceptível para este Neandertal.
Ele é apenas um animal obediente aos seus desejos corporais e observador das
suas excreções.
Agora imaginemos Platão, aquele que desejava um rei filósofo.
Coloquemos o grego clássico em frente a este cidadão estúpido, hoje sentado no
trono. Arrogante, ignorante, bronco e sem alma. Em volta um séquito de
adoradores dos prazeres corporais. Os conselheiros do palácio mal sabem ler. Os
juízes do reino não conhecem as leis. As autoridades perseguem os sábios e
prendem os filósofos que discutem nas praças.
Ao ver esta cena dantesca, o pobre Platão gritaria: onde
está a cicuta que matou Sócrates? Por piedade, onde está a cicuta?
Qualquer semelhança não é pura conscidência.
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