sexta-feira, 28 de setembro de 2018
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
quinta-feira, 20 de setembro de 2018
quarta-feira, 19 de setembro de 2018
Ele: viajante. A moça: planeta de destino.
Ele ia ao escritório de
transporte público diariamente. O escritório é no centro da cidade, onde não há
mais estacionamento possível. Portanto, deixava o carro em casa e ia ao
trabalho de ônibus. Coisa previsível, chata, rotineira. Pela manhã cedo,
juntava-se a um pequeno grupo de pessoas que esperavam o transporte coletivo.
Todas em silêncio. Olhando o horizonte a espera do surgimento do veículo ao
longe. Quando isso acontecia, uma eletricidade percorria aquelas pessoas.
Ficavam atentas, os corpos retesavam-se como raposas quando veem a caça.
Evidentemente, o mesmo fenômeno acontecia com ele. E assim era diariamente. Não
havia surpresas ou estranhamentos. Tudo simples e direto.
Em uma manhã, ele estava –
como sempre – com o olhar fixado no horizonte a espera do transporte, quando a
moça passou ao seu lado e, como todos, ficou a espera também. Era bem provável que ela sempre estivera ali
próxima a ele, entretanto, os sentidos dele ainda não a tinham captado até este
dia. Era um milagre: ela surgiu no mundo dele naquele momento! Do inexistir ao
nascer nele: um segundo! De dentro do corpo dele, através das vidraças dos olhos,
viu a moça. Morena, altura mediana. Formas arredondadas. Preenchiam cada
centímetro daquelas calças. Rosto de traços suaves e sereno. Como todos ali no
ponto de ônibus, ela cumpria o ritual previsível de esperar o ônibus. Estava
próxima dele, mas estava na infinita distância espiritual dos que se
desconhecem. De dentro dele pensou: que
maravilhoso enigma! Uma moça bonita e graciosa, um mundo humano inteiro a minha
frente. Eu me sinto um astronauta indo a marte. Indo em busca do desconhecido.
Meu corpo é a nave, minha alma o comandante. A moça é o planeta. Ah! Adoro
metáforas!
Rotineiramente se encontravam
no ponto de ônibus. Ele a esperava. Ela comparecia. A moça era sempre uma
esperança de alguma novidade. Quem sabe ele falaria com ela? Quem sabe ela o
veria hoje? Ou ainda, ele hoje poderia ouvir a voz dela?! Mas nada acontecia.
Então, ele ficava na esperança de vê-la novamente e esperava o milagre (re)acontecer.
O milagre dela aparecer para ele: o astronauta que queria pousar no mundo dela.
Mas a moça morena, bela e sedutora, na sua rotação planetária não podia
perceber o ínfimo navegante espacial: um mero fragmento quase invisível. A aparência dele não é de chamar a atenção de
ninguém, muito menos dela. Mas ela, como todo planeta, tem força gravitacional
atrativa. Ele passou a volitar em sua volta, como um humilde satélite.
Viajavam juntos no ônibus.
Ela sentada, ele em pé. Gostava de vê-la. Ele era uma espécie de escritor voyeur.
Os olhos dela nunca cruzaram com os dele.
De dentro do corpo dele, pensava: como ela reagiria se soubesse que era
uma pessoa importante na vida de outra? Como ela se sentiria se soubesse que
era a esperança de alguém? Que era uma visão esperada diariamente por um
desconhecido? Que a beleza dela era observada delicadamente por um cidadão tão
igual aos demais cidadãos? Que ela seria descrita numa crônica? Uma crônica que
ela talvez nunca lesse, e se lesse, não saberia que era escrita para ela?
A moça morena de corpo
bonito diariamente cumpria seu compromisso: apresentar-se para os olhos de
alguém que adorava observá-la. A timidez do observador nunca iria permitir a
aproximação. Ele ficará sempre dentro do seu corpo, observando pelas janelas
dos olhos a bela moça morena. Nunca ele saberá quem ela é, quem ela ama, quem é
sua família. Por outro lado, ela nunca saberá que foi importante para alguém.
Que embelezou as manhãs de uma pessoa tímida. Ela nunca saberá que acrescentou
vida em outra vida. O moço ficou imaginando o milagre que foi tudo isso! Aconteceu
sem que as pessoas percebessem.
A moça desta crônica foi um
milagre para ele. Antes dela, ele ia à parada de ônibus esperar o transporte
público. Depois dela, ele ia à parada para ver a mulher bonita que não sabia da
existência dele. Antes dela ele viajava sozinho no ônibus até o centro da
cidade. Depois que a viu, ela passou a fazer companhia para ele no ponto de
ônibus e no trajeto. Sem que ela soubesse, tiveram muito tempo juntos,
diariamente. Escrevo esta crônica em agradecimento a ela. Obrigado moça por
fazer daquele moço um astronauta viajando para ti. É verdade que nunca ele te
encontrou no final desta viagem espiritual, pois tu és o planeta marte e ele é
apenas um pontinho viajando, um asteroide. Mas que importa? O que valeu mesmo
foi a viagem, o sonho, a esperança e a alegria dele ver-te. Obrigado por este
milagre.
domingo, 9 de setembro de 2018
domingo, 2 de setembro de 2018
terça-feira, 28 de agosto de 2018
A Filosofia na sala de aula evita o walking dead
Conceituar a Filosofia é uma tentativa milenar. O conceito
de filosofia se mantém uma questão filosófica. Uma questão irrespondível. Não
dá para conceituar, paralisar, o que é essencialmente movimento. Afinal, se é
movimento, a parada o extingue. Parar o movimento para vê-lo é uma contradição.
Assim ocorre com a filosofia. Ela não é, ela está eternamente sendo. Quando
criamos um conceito para ela, estamos imediatamente dando as condições para a
criação de outro. Este é o dilema que me atinge quando perguntam para mim sobre
a disciplina de Filosofia nas escolas. Afinal, para responder sobre este tema, há
uma natural predisposição em defini-la.
A Filosofia é um andar eterno. E ela tem dois pés. Caminha
passo a passo. Quando o pé esquerdo está no chão, o direito está indo para
frente em busca do mesmo: o chão que está sob o pé esquerdo. Mas, quando lá
chega, o chão é outro. Muito similar, mas não é o mesmo. Na sequência, quando o
pé direito toca o chão, o esquerdo já está subindo para logo descer. E quando
toca o solo, já não encontra o outro pé que já está a caminho. É sempre assim.
Movimento, solo, movimento. O movimento é eterno e o solo nunca é o mesmo, mas
sempre similar.
Algum caminheiro apressado pode estar valorando em demasia
o pé que está à frente. Seria este pé avançado o motor, a busca do novo, da
novidade, do futuro. Mas, sem o pé atrás, não é possível o movimento do pé da
frente. Aquele sustenta este. E se o principal é o passo, o movimento, não é
possível identificar o pé atrás e o da frente. Ora um está lá, ora o outro.
Depende em que momento olhamos. Caso
queiramos fixar um dos pés para melhor observa-lo, o movimento cessa. E quando
cessa, já não é mais um caminhar, mas uma parada. Estaríamos observando a
parada e não o movimento.
A Filosofia é o caminhar, as passadas. Ela é verbo. Digo
que é verbo porque gramaticalmente ele é movimento. Apesar de um verbo ser uma
palavra escrita e fixada nos dicionários, continua sendo essencialmente
movimento. O verbo é feito para ser conjugado, não para ser conceituado. E
mesmo quando vamos conceitua-lo, usamos verbos. Ele é, portanto, movimento
sempre. Para definir o verbo usamos verbos. Para definir a filosofia,
filosofamos.
Por consequência, a disciplina de filosofia nas escolas,
existe para que mantenhamos os aprendentes em estado de
crítica. Afinal, a Filosofia não tem serventia em sala de aula. Ela não
serve para nada, nem serve á ninguém. Como ela anda sempre, não dá tempo para
fazê-la serva. Por isso, ela mantém os estudantes em estado de crítica. A
Filosofia não serve para fazê-los críticos. Ela os mantem nesse estado. Os
mantém em movimento. Quando acreditam, descreem. Quando descreem, voltam
acreditar em outras coisas. Estão engajados em um movimento, mas prontos a
engajarem-se em outro. A Filosofia só aceita a fé na dignidade da pessoa humana
e no seu direito universal de ser feliz. Essa fé é inabalável. É a energia que
faz o passo, o movimento do filosofar. Afinal, sem fé no homem, filosofar (que
é para o homem) não faz sentido. Seria um passo caro demais para lugar nenhum.
Na sala de aula, talvez o pé atrás seja o conteúdo
programático. O pé à frente a reflexão crítica sobre a atualidade. E no segundo
em que pensamos a atualidade, este pensar passa a ser o pé atrás para o passo
seguinte. O passo seguinte buscará novamente o conteúdo histórico da filosofia,
o solo para pisar e sustentar o outro pé que já está a caminho do futuro. Caso
o caminheiro fixe um dos pés, ele para ou cai. Se para, não filosofa. Se cai,
causa prejuízo a si e aos outros que o acompanham na sala de aula. O professor
cai quando se prende a preconceitos. Mesmo os bonitos e justificáveis.
A briga entre o filosofar na escola e a obrigatoriedade dos
conteúdos programáticos (história da filosofia), são também os passos, o pé
ante pé do filosofar legítimo. Ao questionar o conteúdo versus o filosofar, estão
os professores filosofando porque estão andando. É uma questão dialética. Na
sala de aula não é possível filosofar sem a história da filosofia. Não é
possível a história da filosofia sem o filosofar. Assim como não é possível que
todos amem a filosofia em sala de aula. Há os que a odeiam. Basta ao professor
que filosofem contra ela e já está muito bom. Neste caso, a negativa dela é a sua
afirmação: filosofar para justificar o não filosofar!
O pé esquerdo prepara o andar. O pé direito à frente
suporta o impacto do solo contra si. Então, é a sua vez de preparar o andar
para o pé esquerdo colidir contra o solo. A Filosofia é isso, o andar crítico.
Não podemos ser como o walking dead, o andarilho morto. A sala de aula é um
lugar para caminhar. É o lugar perfeito para manter os aprendizes no estado
de critica. Cada momento escolar é um passo. Cada capítulo do livro didático
é um passo. Cada reflexão é um passo. Até lembrei-me de um antigo brocardo: até
a mais longa caminhada começa com o primeiro passo. Portanto, andemos.
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