A sociedade está carente de valores. Aqueles valores que agregam, que trazem confiança para as pessoas. Tirar vantagem sempre (que é um valor também) trás desvantagens sempre (perdoem o trocadilho). Quanto maior a vantagem que tenho sobre o outro, maior será a desconfiança que se estabelece. Sujeitos desconfiados são violentadores e violentados, pois foi retirados deles a capacidade de não temer o próximo.
O
elogio desenfreado à racionalidade é preocupante. Penso que a confiança é algo
irracional. Está mais próxima da fé na bondade do outro do que na capacidade de
calcular o mal que o próximo pode nos causar. Penso que a racionalidade faz com
que eu desconfie primeiro. Depois, como exceção à regra, eu estendo a mão
solicitamente ao outro. A razão pondo o cálculo acima da crença (irrefletida)
na bondade alheia, faz com que a confiança seja exceção e não a regra.
A
desconfiança (racional, refletida) virou epidemia. O medo de ser lesado e o
desejo de lesar esta desestruturando os vínculos sociais. O número de leis
cresce enormemente e cada vez são mais duras. Como resultado, passam a ser uma
arma nas mãos dos mais “espertos”. Estes “espertos” as usam em favor próprio.
Corremos o risco de o emaranhado de leis causarem ainda mais desconfiança nos
seus usuários. Os cidadãos temem a lei, pois ela pode voltar-se contra eles mesmos.
Porém, ela logo vira poderoso gládio quando os favorecem. Nenhuma lei pode ser
justa ou causar harmonia na sociedade, quando os valores estão adoentados. Todo
o valor que diminui a qualidade de vida dos cidadãos é doente.
A
descrença avança. A razão empobrecida pelo cálculo egoísta/hedonista avança.
Quando falo em descrença e falta de fé, não necessariamente refiro-me a apelos
religiosos. A falta de fé na capacidade do homem
cidadão ser bom, mata a cidadania do
homem. Podemos também afirmar o seguinte: a crença na mesquinhez absoluta
do homem, causa a descrença absoluta na cidadania. Aquilo em que acreditamos ou
que desacreditamos é que in/viabiliza a coesão social. Vejo que estamos cada
vez menos coesos. Não penso que as cidades desaparecerão, que epidemias
dizimarão milhões de pessoas. Apenas entendo que os laços que nos manterão nas
cidades serão cada vez mais precários e penosos. Pertencer à sociedade será um
ônus quase impossível de suportar.
Quando
a ausência de fé no outro acontece, as sociedades buscam alternativas para
sobreviverem na convivência. A fé no dinheiro e tudo que ele significa parece
ser uma alternativa bem boa. Mas é apenas aparência. Nada pode comprar a
confiança. A confiança é um valor não quantificável. Até podemos comprar segurança,
mas nunca confiança. Com certeza quanto mais compro segurança, é porque mais
desconfiado estou. Nada pode substituir a confiança no outro baseado nos
valores do amor e do respeito. Digo isso porque sei disso. E sei porque sinto
isso. Porque é um fato inquestionável. Sinto isso todos os dias; no
supermercado, no estacionamento, nas aulas que dou. A confiança que tenho na
absoluta maioria dos meus alunos, por exemplo, é em tudo diferente do salário
que recebo.
Sei que
inúmeras pessoas já atingiram a descrença absoluta, o desvalor absoluto. Porém
estas nada mais podem contar para nós. Refiro-me aos suicidas. Eles são um bom
exemplo para refletirmos sobre a desilusão absoluta. Fico também imaginando se
a humanidade um dia chegará a esse nível, a descrença absoluta no outro. Aí
sim, o mundo acabará e não será por um cataclismo planetário. Será um
cataclismo na fé do homem no homem e, portanto, sua morte autoimposta e
absurda.