SÓCRATES
Para os Cristãos, Cristo é um divisor de águas. Existe a história
antes de Cristo e a depois de Cristo. Para a filosofia ocidental, temos os
pré-socráticos e os pós-socráticos.
Também Sócrates é um divisor nas águas revoltas
da história da filosofia. Com esse pensador a preocupação grega passa a ser a ética e a política e não mais a
natureza, como nos pré- socráticos.
Sócrates argumentava de maneira forte contra os que
acreditavam saber algo. Acaba confrontando com o Estado, pois sua ironia
colidia contra as práticas dos políticos da época. Acaba por ser condenado à
morte. A acusação: desrespeitar os deuses e corromper a juventude. Na verdade o
que havia contra Sócrates era seu cruel questionamento dos valores da época.
Manda-lo à morte foi imortaliza-lo, pois seu desaparecimento naquelas
circunstâncias marcou seus contemporâneos. Quando estava em frente aos 501
cidadãos do júri, ironiza os acusadores e pouco se defende. O júri então o
condena a morrer bebendo cicuta.
Esse brilhante pensador optou por manter diálogos com as pessoas.
Dialogava com qualquer um em qualquer lugar. O ponto alto desses diálogos era a
refutação. As afirmações dos interlocutores eram desqualificadas por Sócrates. O
Filósofo levava as pessoas a se contradizerem. A dificuldade está em que Sócrates não
escreveu tais diálogos. Ele valorizava mais a fala viva do que a letra
morta. Seu principal discípulo, Platão,
registrou seus ensinamentos. Isso trará outro problema: estamos estudando
Sócrates ou Platão?
Platão nos mostra Sócrates nas praças de Atenas ironizando e
questionando as pessoas. Esse questionamento era cruel, muitas vezes acontecia
de forma grosseira. Iniciava suas
questões muitas vezes pela definição: “O que é isso que falas?” As idéias e as
virtudes deveriam ser definidas com exatidão. Descobriu Sócrates que as pessoas
não sabiam do que falavam! Ele faz uma espécie de análise de conceitos em seus
diálogos.
Os
sofistas também agiam semelhantemente ao Sócrates, porém, intencionavam diretamente
preparar uma elite, futuros governantes. Para isso ensinavam de maneira
enciclopédica e com ênfase na eloquência.
Polemarco e Sócrates discutem a justiça. A República
-
Ora muito bem:
para proveito e obtenção de que dirás que é útil a justiça em tempo de paz?
-
Para os
contratos, Sócrates!
-
Por contrato
entendes sociedades, ou que outra coisa?
-
Sociedades,
precisamente.
-
Quem é o melhor
parceiro num jogo de damas: o homem justo ou o bom jogador? E para a colocação
de tijolos e pedras, o homem justo será melhor sócio do que o pedreiro?
-
Bem ao contrário.
-
Então em que
espécie de sociedade o homem justo é melhor sócio do que o citarista, uma vez
que para tocar cítara este é melhor sócio que o homem justo?
-
Creio que em
assuntos de dinheiro.
-
Com exceção, talvez,
ó Polemarco, do uso do dinheiro quando se trata de comprar ou vender um cavalo,
pois nesse caso penso que será preferível um homem entendido em cavalos. Não é assim?
-
Sim, parece.
-
E quando queres
comprar um navio, o armador ou o piloto será melhor?
-
É verdade.
-
Então, qual é o
uso em comum da prata ou do ouro em que o homem justo deve ser preferido?
-
Quando se quer
que um depósito seja bem guardado.
-
Queres dizer:
quando não precisamos do dinheiro e convém deixa-lo quieto?
-
Precisamente.
-
Portanto, a
justiça é útil quando o dinheiro é inútil?
-
É o que se
conclui.
Sócrates nas suas indagações quer se afastar do senso comum e
aproximar-se dos conceitos mais precisos e ricos. Podemos dizer que ele parte
do que já sabemos (senso comum) para um conhecimento mais elaborado. Essa busca
pelo conhecimento mais elaborado é pessoal, ninguém pode fazer pela pessoa. Por
isso esse filósofo perguntava sempre, nunca respondia. A pessoa, através da
própria reflexão, devia achar as respostas. Ele motivava o aprendiz com seus diálogos
em praça pública.
Sócrates nasceu em 470 ou 469 ªC, em Atenas, filho de Sofrônico,
escultor e de Fenáreta, parteira. Aprendeu a arte paterna, mas dedicou-se
inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem recompensa nenhuma, não
obstante sua pobreza. Formou sua instrução, sobretudo através de reflexão
pessoal, na moldura da alta cultura ateniense da época, em contato com o que de
mais ilustre houve na cidade de Péricles. Casou-se com Xantipa, que não foi a
esposa ideal. Mas também ele não se preocupava com as questões domésticas.
A introspecção é característica da filosofia socrática. Exprime-se no
famoso lema conhece-te a ti mesmo. – isto é, torna-te consciente da tua
ignorância.
Sócrates não gostava que o chamassem de sofista. Mas é fato que tinha
uma vida semelhante a eles. Não recebia dinheiro por seus ensinamentos, mas
semelhantemente aos sofistas, falava nas praças públicas. Os jovens adoravam
ouvi-lo. Ele queria falar sobre coisas práticas, não sobre metafísica. Assim
falava sobre autoconhecimento (um dos pontos fundamentais da sua filosofia),
política e ética.
Interessou-se sobre o conhecimento de si e dos homens. Refletia sobre esse tema em público, isso fez
com que surgissem muitos curiosos a sua volta, que acabaram tornando-se seus discípulos. Acreditava que o conhecimento vem da
discussão, ou seja, da partilha entre as pessoas que querem aprender e ensinar.
O saber é construído em conjunto.
Sócrates interrogava as pessoas sobre o que elas acreditavam saber. O
resultado era interessante. As pessoas desconheciam o que falavam! Então
Sócrates percebe que a sabedoria começa pelo reconhecimento da própria
ignorância. Mesmo sendo esse processo
muito doloroso. Quanto mais orgulhosa e preconceituosa for a pessoa, tanto mais
difícil será a superação da ignorância. Para estas ele reservava a ironia e a
refutação. A ironia e a refutação levavam
as pessoas a aceitarem e confessarem suas próprias contradições e ignorâncias.
Só assim estavam livres para descobrirem coisas novas. Ajudava seus discípulos
a conceberem suas próprias ideias. A
educação vem de dentro para fora da pessoa. É uma autoeducação que leva ao
conhecimento de si mesmo através das discussões (diálogos).
Não podemos confundir os diálogos com o cultivo da eloquência.
Sócrates não queria levar as pessoas a se convencerem através de palavras
bonitas, sonoras e atraentes. Utilizava-se da dialética. Buscava através de
perguntas e respostas o esclarecimento do que é a vida virtuosa na polis. Ele
queria eliminar a ignorância das almas não confundi-las com sofismas.
O mundo humano
A filosofia de Sócrates volta-se para o mundo humano, psicológico, com
finalidades práticas, morais. É cético com relação a metafísica. A única
ciência possível e útil é a ciência da prática. Vale dizer, o agir humano – bem
como o conhecer humano – se baseia em normas objetivas e transcendentes à
experiência.
A gnosiologia de Sócrates baseia-se nesses pontos fundamentais:
ironia, refutação, introspecção, ignorância, indução, definição. Antes de tudo,
temos que desembaraçar o espírito dos conhecimentos errados, dos preconceitos,
opiniões; é este o momento da ironia, isto é, da crítica. A seguir será
possível realizar o conhecimento verdadeiro (a ciência) mediante a razão. O mestre deve tirar a instrução da mente do
discípulo. O procedimento lógico para realizar o conhecimento verdadeiro é,
antes de tudo, a indução: isto é, remontar do particular ao universal, da
opinião a ciência, da experiência ao conceito.
A ironia, a refutação e a maiêutica
Entre os gregos a ironia era considerada uma atitude do espírito
detestável. Segundo Aristóteles, o irônico peca contra a veracidade porque, em
seus discursos, se recusa a revelar as suas qualidades, oculta seu saber sob a
capa de uma ignorância fingida e se protege atrás de um comportamento negativo.
Os contemporâneos de Sócrates o condenaram por ela. A ironia e a refutação
acabam, nas mãos de Sócrates, se tornando uma atitude pedagógica e filosófica. Essa atitude tem a finalidade de pôr a
descoberto a vaidade, de desmascarar a impostura e de seguir a verdade. Ao desprezar
o que a sociedade preza, ameaça as opiniões correntes e os valores consagrados.
Era, dessa forma, um cidadão crítico ao questionar o que se tinha como verdade.
Com suas perguntas Sócrates deixava embaraçado e perplexo aquele que
está seguro de si mesmo. Conceitos até então estáveis são vistos como
problemas. Atiçava a curiosidade e a reflexão. A sua arte educativa pode ser
comparada com a de sua mãe, porque ele é como o médico que ajuda nos partos do
espírito. Por causa deste aspecto o método de Sócrates é chamado de maiêutica.
Por razões de método (e não por incapacidade), seus diálogos levantavam
uma questão, mas não davam a solução. Servem para pôr o interrogado no caminho
da solução e para que ele mesmo a encontre.
Ensinamentos filosóficos:
Sócrates não se interessa pelos
princípios supremos do universo, mas pelo valor do conhecimento humano. Não
questiona o cosmos, antes de tudo examinava se os homens haviam aprofundado
suficientemente os conhecimentos humanos, para se ocuparem de tais assuntos.
Na psicologia, a doutrina socrática gira em torno da imortalidade da
alma. Para ele a alma é superior ao corpo e encontra-se nele como numa prisão.
A morte libera a alma desta prisão e lhe abre a porta de uma vida melhor.
Deve-se cuidar da alma e não temer a morte.
Quanto ao conhecimento, faz uma distinção entre opinião e verdade. O
conhecimento sensível por si só não pode fazer-nos conhecer a verdade, mas
somente opiniões mais sólidas. O homem é dotado só de conhecimento sensitivo.
Mas, além disso, existe outro conhecimento, o intelectual. Este vai além das
aparências sensíveis, porque extrai das coisas a sua verdadeira natureza,
formando na mente uma noção, um conceito, de valor universal.
Sócrates foi o primeiro filósofo que procurou determinar a natureza do
conceito universal e que mostrou que ele é muito diferente da opinião. A
opinião varia de individuo para individuo, ao passo que o conceito universal é
necessariamente o mesmo para todos.
O procedimento para chegar a aquisição do conceito universal é o
indutivo.
Indução: Raciocínio cujas
premissas têm caráter menos geral que a conclusão.
Das definições de valor limitado passa-se para definições menos
imprecisas até chegar-se à definição adequada. Quando Sócrates quer definir a
justiça, por exemplo, pede aos interlocutores uma definição e demonstra que ela
é insuficiente. Pede outra definição e faz o mesmo... até chegar a uma
definição mais satisfatória.
Para Sócrates a moralidade identifica-se com o conhecimento: a
sabedoria é virtude e a virtude identifica-se com a sabedoria. Se o homem peca,
é por ignorância, porque não é admissível que, conhecendo o bem o mal, escolha
o mal e não o bem. Os homens que fazem o mal ignoram o bem ou não sabem que o que
escolheram é mau. Ele incita seus ouvintes a procurarem a verdade e a
sabedoria, porque somente a verdade e a sabedoria tornam o homem livre e
virtuoso.