Dias atrás eu discutia acaloradamente questões políticas atuais com uma pessoa amiga. Sob o ponto de vista socioeconômico, nenhuma diferença entre nós. As diferenças eram ideológicas, e mesmo estas, não eram de grande monta.
Em dado momento eu usei o termo super ideológico “Pobre de direita”. Por ser um termo bem demarcado, e mais demarcado ainda no contexto da conversa, acreditei ser o sentido dele de fácil entendimento. Qual sentido quis dar? O termo faz alusão às pessoas das camadas mais humildes que defendem os interesses dos mais favorecidos. Algumas pessoas agem assim por desconhecimento político do seu lugar social (imposto por quem tem poder para tal imposição). Já outras por má-fé (por invejarem os extratos superiores que impõe aos mais humildes seu lugar no mundo).
Escolhi a expressão “Pobre de direita” (pobreza + defesa da ideologia da direita) para enfatizar o flagrante antagonismo ideológico. Não me ocorreu que a palavra “pobre” poderia ser entendida como algo pejorativo, como algo que desdoura a reputação ou que aponte para falhas de personalidade.
Ser pobre é uma imposição, não uma escolha. Portanto, só é vergonhosa a pobreza para quem a impõe. Ser pobre deveria ser um insulto aos governos que permitem a pobreza! Na mesma medida em que quem faz outra pessoa sofrer é responsável pela dor que esta sente.
Seria algo impensável imputar ao sofredor alguma culpa pelo sofrimento imposto.
O que esta aproximação entre expressões antagônicas quer apontar é a situação estranhável! O forte é a denúncia da incompatibilidade da situação real do oprimido e da sua defesa esquizofrênica do opressor.
Uma terceira pessoa ouvia nosso diálogo. Assim que pode me alertou para o fato de que eu havia sido ofensivo ao utilizar a expressão descrita acima. Afinal, segundo a observadora, eu havia salientado a posição de pobre de quem dialogava comigo.
Confesso que a “puxada de orelhas” fez com que eu parasse para refletir. Eu havia mesmo alcunhado de pobre minha interlocutora? E se assim fosse, teria a ofendido?
Primeiro pensei nas minhas intenções. Tenho claro que desejei salientar a contradição entre a situação socioeconômica humilde da pessoa com quem eu falava e seu próprio discurso (compatível e favorável com os ideais burgueses). Por outro lado, estando eu na mesma situação socioeconômica dela, não poderia estar apontando para o ser menos daquela pessoa (Ser menos no sentido dado pelo Prof. Paulo Freire). E, por último, ser pobre não é um demérito. É uma violência que aponta para a vilania de quem impõe a pobreza.
Pensei também no que sentiu a pessoa que discutia comigo. Havia se ofendido? Só posso julgar pela fala e pela expressão corporal dela. Confesso que, até onde minha sensibilidade simiesca percebeu, não houve nenhuma ofensa ou desagrado pelo uso do termo “Pobre de direita”.
Pretendo ainda perguntar à pessoa se ela se ofendeu. Entretanto, para este texto, vou confiar na minha sensibilidade. Também vou dar a mim mesmo a chance de estar imbuído das mais puras intenções naquele debate.
Quanto a terceira pessoa que tudo viu? Por que ela se fixou na palavra pobre? Por que para ela este foi o ponto forte do diálogo? A parte “de direita” não causou espanto ou preocupação. Era como se ser de direita fosse o esperado, mas ser pobre algo ofensivo. Mas, ofensivo para quem? Para quem de fora assiste o diálogo, como uma pessoa “não pobre”!
Acredito que a pessoa de fora do diálogo se sentiria ofendida com tal adjetivo (pobre). Então projetou este seu sentimento negativo na suposta vítima da ofensa. Creio que a ofensa está mais no sentimento e valores do terceiro fora do diálogo, do que nas pessoas que dialogavam dentro de um contexto específico. A intervenção desta terceira pessoa ao me criticar, é a imposição inconsciente de seus valores (de quem não se sente pobre e se sentiria ofendida se qualificada com este adjetivo).
Mesmo sendo a pobreza um conceito complexo, podemos tentar defini-la de uma maneira modesta, mas que sirva ao intento deste texto.
A pobreza aponta para a falta. Falta de recursos e falta das condições de manter uma vida digna. Por isso a fome, a miséria, a má formação escolar e a exposição às doenças. Como consequência, a exposição da pessoa pobre à discriminação e à exclusão social. Inúmeras vezes esta ausência de recursos leva a não participação na política e, por consequência, a não participação na tomada de decisões na esfera pública. Vê-se que não é uma falta natural, mas imposta.
Vou insistir. Não é possível se sentir ofendido se esta falta, que nos faz pobres, não está ligada ao caráter e muito menos à liberdade de escolha. Esta falta diz mais respeito a quem me impõe do que a mim mesmo. De forma bastante similar, o puxão de orelhas que levei tem mais a ver com a visão de mundo de quem me criticou do que com as minhas visões de mundo.
A crítica veio de um lugar de fala estranho aos falantes que dialogavam. Crítica alienígena.
Quero concluir dizendo que se alguém tem muito, muito menos que o outro, a vergonha está em quem tem o excesso e pela manutenção dele luta. Nunca estará em quem sofre a falta e luta também. Luta pela própria sobrevivência.
Fica a dica.
Esta discussão é muito importante e ai, ainda tem pano pra manga. O conformismo de muitos é porque acham que merecem mesmo o seu destino, que há os melhores, como na Grécia antiga, e são estes que devem ocupar as melhores posições, melhores salários. A Falta de Educação, de boa formação é fator desencadeante disto. Realmente quem deveria sentir vergonha não é o pobre, mas o rico, principalmente os poderosos, muito abastados. E principalmente os governantes, os que detém o poder.
ResponderExcluirCaro Moraes! Concordo contigo. A educação é fundamental. Alimentar a alma é tão importante quanto alimentar o corpo. Abração!
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