Nascido em 1900, em Frankfurt, Alemanha, Erich Fromm estudou
psicologia e sociologia. Doutorou-se em Filosofia em Munique e recebeu sólida
formação psicanalítica no Instituto Psicanalítico de Berlim. A partir de 1933,
ano da ascensão de Hitler ao poder, passa a
exercer o cargo de professor nos
EUA, em Chicago, e, posteriormente, a exercer a clínica em Nova York. Foi
professor em várias universidades, inclusive no México. E seus livros passaram
a se ater em questões humanistas que atraíram a atenção de profissionais de
vários campos, como Sociologia, Filosofia e Teologia. De certa forma, muitas de
suas ideias foram contemporâneas de várias abordagens humanistas.
Na sua obra A arte de amar, salienta um equívoco importante: uma prova
de amor seria não amar a mais ninguém. Esse sentimento é uma atividade da alma;
caso ame alguém, amo a todos, amo tudo. “Amo em ti a todos, através de ti amo o
mundo, amo-me a mim mesmo em ti”.
O amor erótico é o anseio pela fusão, pela união com outra pessoa.
Aqui aparece a exclusividade e não universalidade. Acrescenta que é,
provavelmente, a forma mais enganosa de amar. Isso porque confundimos com cair enamorado, algo súbito e
avassalador. Mas esse avassalamento tem
tempo curto de vida. A familiaridade com a pessoa faz surgir um sentimento que
diz: nada mais há para conhecer na pessoa. Mas se nos déssemos tempo para
realmente nos aprofundar na intimidade da pessoa, descobriríamos a
impossibilidade de conhece-la totalmente em suas profundezas. Sem conhece-la totalmente, a cada dia o
milagre se renovaria: a pessoa eleita teria sempre coisas novas, maravilhas
novas a serem descobertas. O desafio do conhecimento dela seria eterno. De
outra forma, a pessoa seria explorada à exaustão. Exaurida perderia o brilho e
valor. Tornar-se íntimo não é somente atingido pelo sexo, ou pela fala diária
sobre “o que temos em comum”; nem mostrarmos nossas frustrações e magoas sendo
sinceros ao máximo. Nem a complexa desinibição com relação ao companheiro (a) é
intimidade. Esse tipo de proximidade torna-se rotineira e morre.
O amor erótico contrasta com o amor fraternal e o amor materno. O amor
erótico consiste na união com uma só pessoa, diferente dos demais amores, que
não estão restritos a uma única pessoa. O amor pode inspirar desejo sexual, mas
mistura-se a ternura, essa ternura é produto do amor fraterno que está em nós.
Fromm diz isso por que uma das características do amor erótico é a
exclusividade, a exclusão do resto da humanidade. Mas o casal que ama é também
humanidade, então há um sentimento de separação entre o casal, e entre o casal
e o resto das pessoas. Para corrigir essa distorção, a pessoa que ama, ama na
outra toda a humanidade, tudo que vive.
Entregamo-nos profundamente a uma única pessoa, mas não nos fechamos ao
amor fraterno que vive em nós.
O problema na reflexão de Fromm é que se amamos fraternamente, e em
essência somos todos iguais, somos todos um. Não fará diferença quem
amemos. Ele resolve dizendo que amar é
um ato de vontade, de decisão a quem vou entregar-me. Existe um aspecto
racional por trás da indissolubilidade do matrimônio (em suas diversas formas).
Amar alguém não é só sentimento, mas decisão, um julgamento, uma promessa. Isso
seria a morte do amor e a vitória da racionalidade fria? Não, pois como Fromm
diz, amamos a humanidade fraternalmente, escolhemos uma pessoa porque apesar de
sermos um, somos pessoas diferentes, irrepetíveis. Essa especificidade nos faz
sermos escolhidos.
Para Erich Fromm o amor consiste na compreensão de que ele não é uma
situação acidental em que nele se “tropeça”. Na verdade, é algo que, na
qualidade de arte, exige conhecimento e esforço.
Quanto ao amor próprio Fromm, traz importantes informações. Alegar que
amar a si é inversamente proporcional a amar o próximo, não é bem verdade. Amar
o próximo é louvável. Eu e o outro somos humanos; então amar outra pessoa é
amar a mim mesmo! Por outro lado, amar a mim mesmo me torna apto a amar o
outro. É impossível, segundo Fromm, amar só o outro. Quem não ama a si também,
não pode amar ninguém.
A pessoa egoísta só se interessa por si mesma, não sente prazer em
compartilhar, só quer tomar do outro. O
mundo é visto como algo a ser dominado e dele subtraído tudo. O egoísta não pode ver senão a si mesmo,
julga tudo por si mesmo. É, portanto, incapaz de amar. Importante: para Fromm a pessoa egoísta não
ama demais a si mesma, ao contrário ama de menos: odeia-se. Furta da vida o que
por si mesmo não consegue atingir. Quer encobrir o fracasso em cuidar de si
mesma.
Fromm diz que o amor é uma atitude, uma orientação de caráter. Não há, a priori, um objeto de amor, mas uma
visão amorosa com relação ao mundo. Pois se amo uma única pessoa, excluo o
resto da humanidade. Aqui meu afeto torna-se simbiótico ou um egoísmo ampliado.
A sociedade capitalista se funda na ideia de um mercado o mais livre
possível. O mercado é regulado pela
utilidade das coisas. Nele tudo é transformado em artigo de compra e venda,
desde as coisas mortas até a energia e capacidade de trabalho. Fromm afirma: “O capital comanda o trabalho; as coisas
acumuladas, que são mortas, têm valor superior ao trabalho, às forças humanas,
àquilo que é vivo”. Ele alerta que o capitalismo tem necessidade de pessoas
que cooperem sem atrito. É importante que consumam muito e de forma
padronizada. No capitalismo o homem experimenta suas forças de vida como um
investimento que deve produzir o máximo de lucro possível. Estamos tão
alienados que mesmo buscando nos aproximarmos dos outros, não conseguimos
superar a separação. Então a civilização
moderna/capitalista nos oferece soluções de curto prazo, fáceis e instantâneas:
o trabalho rotinizado e burocratizado, a diversão acrítica e o consumo
compulsivo patrocinado pela mega indústria da diversão. Mas isso não diminui a
separação entre as pessoas! E como fica
o amor nesse ambiente? Estamos
impossibilitados de amar: “Autômatos não
podem amar; podem trocar seus fardos de personalidade e esperar um bom
negócio”. O casamento passa a ser
uma equipe de dois destinada a auferir lucros. Um ajuda o outro a ter sucesso
no mundo capitalista. “Forma-se uma aliança de dois contra o
mundo, e esse egoísmo a dois é enganosamente tomado por amor e intimidade”.
O amor é uma arte. E só aprendemos uma arte praticando-a: não há uma
receita. A experiência de amar é pessoal e intransferível. E para dominar uma
arte é necessário disciplina e concentração. Concentração é algo muito difícil
de conseguir em nossa cultura. Somos multifuncionais, multiuso, fazemos tudo ao
mesmo tempo. O tempo tem pressa. Somos incapazes de ficarmos sós, em companhia
de nós mesmos. “Sentar-se quieto, sem falar, fumar, ler,
beber, é impossível para a maioria das pessoas, precisam fazer alguma coisa com
a boca ou as mãos”. Temos que aprender a ficarmos sós conosco mesmos, pois
é essa capacidade uma das condições da capacidade de amar. Aprender a
concentrar-se exige do aprendiz que evite a conversação trivial. Falar das coisas de maneira abstraída não é
concentrar-se, falar de lugares comuns, falar do que o coração não sente não é
ficar atento. Deve-se inclusive evitar
as más companhias. “Por más companhias
não me refiro apenas a pessoas que sejam viciadas e destruidoras; deve-se
evitar a companhia destas por que sua órbita é venenosa e deprimente. Falo
também da companhia dos zumbis, da gente que tem a alma morta, embora seu corpo
esteja vivo; daqueles cujos pensamentos e conversas são triviais; que tagarelam
em vez de falar e que emitem opiniões estereotipadas em vez de pensar”.
Outro fator é a falta de paciência. Queremos andar rápidos, mas a
rapidez é má professora de uma arte. “O homem moderno pensa que perde alguma coisa
– o tempo – quando não faz as coisas rapidamente; todavia, ele não sabe o que
fazer com o temo que ganha – a não ser matá-lo”. Aristóteles dizia que obtemos
as virtudes através do hábito. Semelhantemente Fromm diz que se alguém quer
tornar-se um mestre em alguma arte, devote a vida inteira a ela.
“Com relação à arte de amar, isto significa que quem aspire a tornar-se
mestre nessa arte deve começar por praticar a disciplina, a concentração e a
paciência, em todas as fases de sua vida”.
Mas, afinal, qual é a principal condição para eu realizar minha
capacidade de amar? A superação do narcisismo. Para o narcisista só é real o
que existe dentro de si mesmo. O que é exterior só visto sob o ponto de vista
do útil e do perigoso. A pessoa insana toma como verdadeiro só aquilo que vai
na sua cabeça, como num sonho eterno.
Todos nós somos meio insanos, somos atingidos por uma visão narcísica do
mundo. Nas palavras de Fromm: “A faculdade de pensar objetivamente é a
razão; a atitude emocional por trás da razão é da humildade. Ser objetivo, usar
a razão, só é possível quando se consegue uma atitude de humildade, quando se
emerge dos sonhos de onisciência e onipotência que se tem quando criança”.
Por isso o amor requer uma certa renúncia ao narcisismo, requer o
desenvolvimento da humildade, da objetividade da razão. Humildade e
objetividade são inseparáveis. Preciso
ver a pessoa que vou amar como ela realmente é, renunciar a quadro que pinto
dela com as cores do meu desejo. A pessoa pode fazer parte do meu projeto
pessoal, mas não é o meu projeto pessoal.
Não podemos deixar de salientar que Fromm diz: a fé em si mesmo é
condição fundamental para o amor. Essa ”fé” é racional, uma convicção
fundamentada na minha própria experiência ou sentimento. É a certeza e a
firmeza que nossas convicções possuem, isso de forma argumentada, defensável e
objetiva. Ter fé em mim abre espaço em meu psiquismo para ter fé no outro, para
dota-lo da capacidade de eu amá-lo. “Ter
fé requer coragem, a capacidade de correr um risco, a disposição de aceitar
mesmo a dor e a decepção”. Quem tiver pouca fé em si, ou pouca fé no
noutro, não pode amar em plenitude.
Em resumo: o homem
moderno transformou-se em artigo, em coisa; experimenta sua energia vital
como um investimento com que pode alcançar o mais alto lucro, considerando
sua situação no mercado de personalidades. Alienou-se de si, dos semelhantes
e da natureza. Seu objeto principal é a troca proveitosa de suas capacidades,
conhecimentos e de si mesmo, de seu “fardo de personalidade” com outros que
querem igualmente uma troca justa e proveitosa. A vida não tem meta, exceto
de movimentar-se, nem princípio a não ser a de boa troca, nem satisfação que
não seja a de consumir. (Revista pensamento biocêntrico. Página 36.
http://www.pensamentobiocentrico.com.br/content/edicoes/14full.pdf)
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